segunda-feira, 25 de abril de 2016







terça-feira, 12 de abril de 2016

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Ruy Medeiros - História Local e Memória: Limites e Validade.

Ruy Medeiros é Mestre e Doutor em Linguagem e Sociedade pela UESB. Graduado em Direito pela Universidade Católica de Salvador percorre pelas áreas de História do Direito, Direito do Trabalho e Movimentos Sociais.
Em sua mais recente obra: História Local e Memória: Limites e Validade o autor faz um amplo estudo tendo como mote a cidade de Vitória da Conquista (BA).

Confiram a entrevista:

                                                                                    Foto: Arquivo pessoal do autor.
Tecendo em Reverso - Como se dão os estudos sobre a história das localidades brasileiras?


RUY MEDEIROS – Isso ocorre com inúmeros obstáculos: dificuldade de acesso às fontes, ausência de aprofundamento metodológico (há certas especificidades do local – até mesmo saber o que é local – que devem ser observadas), dificuldade de destrinchar os nódulos que compõem o local, dispersão de arquivos ou falta desses. A história local, tem sido realmente local (isto é, escrita por não historiadores de ofício) e os acadêmicos de história preferem temas ao invés da história de um Município ou de uma região e isso dificulta o surgimento de modelos, importantes para a escrita da história.


Tecendo em Reverso - Quais foram as maiores dificuldades em se pesquisar a história local de Vitória da Conquista?


RUY MEDEIROS - Pesquisar a história de localidades (s) apresenta dificuldades. A maior delas é a escassez de fontes reunidas. Nem toda localidade possui arquivo público. Algumas possuem mero depósito de documentos. As fontes de origem privada escasseiam com a desagregação familiar e jornais nem sempre existem ou suas coleções são incompletas. A busca do local tem que ser feita igualmente em outros lugares, às vezes fora do Brasil. Há fontes valiosas para a História de Vitória da Conquista, em Portugal, Salvador, Belo Horizonte (neste último lugar, o APM), com documentos que interessam ao movimento de conquista do território.


Tecendo em Reverso - Sabe-se que no interior do Brasil há um grande número de cronistas locais que não tem formação de historiador. Qual a sua avaliação do trabalho deles e sua importância em relação aos registros textuais de determinada região?


RUY MEDEIROS - Os historiadores locais fazem sobretudo “memória” e nesse mister são importantíssimos. Para a História, geralmente são pontos de partida, com as informações que registram e com os documentos que transcrevem em seus livros. Há documentos que só nos chegaram a partir desses memorialistas. Alguns tiveram (têm) o cuidado de analisar, propor explicações, interpretar... Geralmente fazem trabalho marcadamente ideológico, mas o leitor saberá interpretá-lo e retirar de seus escritos muita coisa interessante. São laços de continuidade entre passado e presente.


Tecendo em Reverso - Em seu trabalho, lemos: "Forte é o mito que situa a origem do arraial donde Vitória da Conquista nasce: uma promessa aceita e atendida, ave Maria, gratia plena. O culto à Nossa Senhora da Vitória ou Santa Maria da Vitória, tem início quando o papa Pio V criou a festa de Nossa Senhora do Rosário para comemorar a vitória da frota cristã contra os turcos na batalha naval de Lepanto em 1751. Nossa Senhora da Vitória". Como se estabelecem as relações entre religião e fundação e qual a real importância da primeira sobre a segunda?


RUY MEDEIROS - Trata-se de uma relação complexa,  sobretudo num Estado não laico. Muitas cidades nasceram ou se desenvolveram em torno de um templo católico (fundação), o pensamento religioso estabelece mitos fundadores, a sociabilidade desenvolve-se no templo ou em seu redor, a igreja tece família (sacramento do matrimônio), compadrio (batizado), ajuda a reproduzir o poder, etc.  Em Vitória da Conquista, o mito fundacional da cidade é católico, há padres que foram chefes de família e proprietários rurais. Sobretudo o mito fundacional justifica poder e herança. O fundador de Vitória da Conquista aparece como aquele que foi agraciado por Nossa Senhora com a Vitória contra os nativos da região (mongoiós).


Tecendo em Reverso - Na perspectiva de historiador quais os dilemas que se encontram entre "história local" e "história universal"?


RUY MEDEIROS - Não há univocidade no termo história local. Com a expressão, designa-se a história de localidades escrita por não historiadores de ofício. Mas também se designa a história de localidade, de região ou de país, em oposição ao universal (universal, conhecimento a partir de ciência, ou história global, “do mundo”). O problema está em que ao tratar cientificamente o local, deve-se tratar o universal, porém em níveis ou aprofundamento diversos. Essa ligação pode aparecer forçada (como em alguns autores) ou como mero vínculo para não parecer que o local não está no mundo. Em certo sentido, toda história é universal (o homem no tempo) e isso conduz a que se investigue o próprio tempo, seu ritmo e demoras, na forma local. Como se diferencia o tempo social da vila daquele da metrópole! Dinâmicas internas e externas se complementam; onde e por que se encontram (na inteligência) implica não apenas em saber que existe um só mundo, onde estão os diversos habitats nodulados política, social e culturalmente, pois o local é uma realidade com articulações específicas e com o mundo. 



                                                                   





quarta-feira, 6 de abril de 2016

Lição de Ruy para nosso tempo


Ruy Medeiros

Tomo como guia neste pronunciamento a figura de Ruy Barbosa (1849-1923), e pode parecer que não é adequado fazê-lo com pessoa desaparecida há quase cem anos. Mas quando as liberdades são contestadas ou desrespeitadas, homens e mulheres lembram-se daqueles que as defenderam: Hugo, Taras Shevechnko, Castro Alves, José Marti, Guilhén, Nazim Hikmet, Maiakovsky, Brecht, Pablo Neruda, Camilo de Jesus Lima... Então, lembramos Ruy.
Em passo de célebre defesa no Supremo Tribunal Federal, em 26 de março de 1898, Ruy Barbosa diz perante os ministros:
A liberdade não entra no patrimônio particular, como as coisas que estão no comércio, que se dão, trocam, vendem, ou compram: é um verdadeiro condomínio social: todos o desfrutam, sem que ninguém o possa alienar: e, se o indivíduo, degenerado, a repudia, a comunhão, vigilante, a reivindica. Solicitando, pois, este habeas-corpus, eu propugno, na liberdade dos ofendidos, a minha própria liberdade: não patrocino um interesse privado, a sorte de clientes: advogo a minha própria causa, a causa da sociedade, lesada no seu tesoiro coletivo, a causa impessoal do direito supremo, representada na impessoalidade deste remédio judicial.
Patrono da lei, e não da parte, é por isso que me não tendes o direito de perguntar pelo outorga dos interessados: é por isso que não me importa saber se são amigos, ou desafetos: é por isso que, se o meu esforço aproveitar a inimigos, então maior será o contentamento da minha consciência, vendo que Deus me permitiu elevar-me por um momento acima da minha pequenez, da miséria das minhas fraquezas e dos meus interesses, para mostrar em sua mais viva refulgência aos meus concidadãos a santidade do direito afirmado pela sua defesa na pessoa de nossos adversários (Barbosa, Ruy – Discurso proferido na sessão do Supremo Tribunal de 26 de março. In obras completas de Ruy Barbosa, Vol. XXV, 1898, tomo IV, Ministério da Educação e Saúde, Rio de Janeiro, 1948).
O advogado Ruy Barbosa então fazia a defesa oral, perante o Supremo Tribunal Federal, de Habeas-Corpus que requerera em 3 de março de 1898, em favor do “Senador João Cordeiro, e dos deputados Alcino Guanabara e Alexandre José Barbosa Lima, bem como do Major Tomás Cavalcanti de Albuquerque, Frederico José de Sant’Ana Neri (barão de Sant’Ana Nery) e José de Albuquerque Maranhão, que desterrados para a ilha de Fernando de Noronha, por decreto do poder executivo de 21 de janeiro deste ano... ali continuam detidos (...). Petição de Habeas-Corpus. In obra citada. É que, cessado o estado de sítio, os pacientes, adversários de Ruy, continuavam detidos.
A lembrança da voz que clamava no Supremo Tribunal Federal (e que seria atendida) vem por conta do momento atual.
Ruy, no instante em que a doutrina falava das liberdades públicas e garantias como pertencentes ao indivíduo, na tradição individualista do liberalismo, pois ainda não existiam constituições sociais (só surgiram a partir de 1917, México, e 1919, Alemanha), entende o Habeas-Corpus como garantia social e a liberdade como condomínio social: compreende a garantia do remédio constitucional como ação em favor de todos e a liberdade como um direito/interesse difuso, isto é, difundido por toda a sociedade, e atribui o fato de a constituição não exigir mandato para o requerimento “da liberdade por Habeas-Corpus” o patrocínio da lei (no caso a Constituição) e não do impetrante ou beneficiário. Requeria ele, lembre-se, a liberdade de adversários, por meio de Habeas-Corpus. A liberdade que, como condomínio social, a todos pertence e que, se for retirada de alguém se a retira de todos.
Disse que a lembrança das palavras do marcante jurista vem por conta do tempo atual:
É que li diversas manifestações de colegas advogados, de jovens estudantes e mesmo de intelectuais juristas, em favor de amplas conduções coercitivas, grampos telefônicos e divulgação de seu resultado, fora da lei, prisões preventivas e provisórias que já desnaturam esses institutos. A consciência não deixa de evocar as palavras daquele corajoso advogado, a quem Anatole France (que disputava o reconhecimento da Europa como maior escritor) exaltou por mais de uma vez, no Brasil – em discurso na Academia de Letras, e, na França – em jornal.
Ruy igualmente quando viu a República imersa em bandalheiras, não se omitiu: em extenso discurso/artigo denunciou a crise moral e enfaticamente falou da necessidade de desratizar o Estado (Vide A Crise Moral), no entanto não utilizou a situação nem o anseio (...) de moralidade com justificativas de desprezo às liberdades da democracia. Quando Ruy morreu um jornal do Rio de Janeiro disse que se extinguira o vulcão.
Agora, nesse instante, parece que ele não morreu, que é apenas um colega nosso mais experiente que nos alerta e nos ajuda a pensar.
A generosidade do encontro presente nada mais é o ecoar da defesa de garantias de todos nós, como condomínio, conquistadas com luta, sonhos, utopia, lágrimas, exílios e desterros. Não se pode perdê-la mesmo quando Ministro usurpa prerrogativa de Presidente, juiz alega interesse público (contra o direito-condomínio de que falava Ruy), e mesmo o conjunto poderoso das redes televisivas tenta emparedar nossas consciências, querendo a liberdade só para si, a opinião só para si, a ética apenas na forma que a entendem – Não se lembram sequer dos erros que antes cometerem ao apoiar o crime e o arbítrio da ditadura militar e abrem espaço para aqueles que usam o discurso da moralidade para justificar a imoralidade ditatorial. Para combater crime, existe o devido processo legal e não o arbítrio.
Hoje aqui e em muitos lugares gritamos pela liberdade. Cesse tudo o que a antiga musa canta que um valor mais alto se alevanta disse o poeta português em Os Lusíadas para exaltar as glórias de sua nação e dizê-las maiores que as dos povos antigos. Hoje o valor mais alto que alevanta é o respeito às liberdades públicas e garantias.
Mulheres e homens comprometidos com as garantias e direitos fundamentais, ajuntemo-nos!
Ou na voz-poesia de Drummond, que nos alcança:
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

A Conquistense do Araguaia

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