Ruy
Medeiros
Considerem
quanto custam, hoje,
os
litígios. Calculem o que recebem
as
partes, depois de tudo pago e descontado,
e verão que Dom Resolve
–Pleitos fica com todo grão e
deixa aos litigantes apenas a palha
(La
Fontaine – A ostra e os litigantes).
O
Conselho Nacional de Justiça, no Projeto de Lei Complementar que
colocou à discussão da comunidade jurídica a fim de estabelecer
“normas gerais para a cobrança de custas dos serviços forenses no
âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e Territórios e
o controle de sua arrecadação” toma como guia (não como critica
do fabulista), o que La Fontaine (1621 – 1695) diz das custas da
justiça. Esse, em “A ostra e os litigantes” conta que dois
homens disputavam a propriedade de uma ostra. Para resolver a
questão, chamaram o Dom Resolve-Pleitos. Este ouviu as partes, abriu
a ostra, comeu-a, deu uma concha para cada um. Ao invés do grão
disputado, as partes ficaram com a palha.
Em
seu projeto de lei complementar, para o qual pede sugestões da
comunidade jurídica até o próximo dia 19 (19/12/2019), o Conselho
segue a lógica de ficar com a Ostra e dar a cada litigante uma
concha vazia.
A
insensibilidade do Conselho é enorme. Dá a impressão de que quer
um regime de custas para uma nação de gente rica, não para um país
onde grassam a miséria, desemprego, desativação de pequenas
empresas (que se tornam inviáveis), forte concentração da renda
(u’a minoria de 10% acambarca 50% da renda nacional), mais de 13
milhões de pessoas sobrevivem com algo menos que R$ 145,00 ao mês a
fração de 1% dos mais ricos teve rendimento médio aumentado em
8,4% em 2018, enquanto o rendimento da fração de 5% dos mais pobres
decresceu seu rendimento em 3,2% (vide PNAD Contínua, IBGE, 2018).
O
Projeto de Lei Complementar sugerido pelo Conselho Nacional de
Justiça adota critério que contraria o princípio (de relevância
social) de acesso à justiça, substituindo-o, no fundo, por uma
lógica de arrecadação. Trata-se de arrecadar, arrecadar,
arrecadar. Não se diga que há uma finalidade de coibir a
judicialização de todo e qualquer litigio, pois a legislação
atual já possui meio para coibir litígios de má-fé, lides
temerárias. E é preciso cuidado porque nem sempre há má fé (a
regra não é essa) e não se pode subtrair da apreciação do
judiciário qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito (cláusula
pétrea), e circunstancial dificuldade de prova não pode sempre ser
acoímada de má-fé, como tem sido (vide Justiça do Trabalho, por
exemplo).
Mas
o CNJ sabe mais que todo mundo (pois produz estatísticas no âmbito
do judiciário) que quem mais provoca litigio é o Estado (União,
Estados, Distrito Federal e Municípios), responsável possivelmente
por mais de 80% dos processos, que não paga custas. A todo momento,
milhares de pessoas são obrigadas (por ilegalidade do Estado) a
recorrer ao judiciário e, por outro lado, o Estado promove milhares
de processos.
É
preciso também saber que tipo de justiça, tão cara, será
oferecida. A atual, com juízes sobrecarregados, servidores
substituídos por estagiários, processos que se arrastam anos e mais
anos? Então será uma justiça paga com os olhos da cara e um
resultado que, muitas vezes, não chega.
O
projeto de lei complementar mencionado cria um valor de referência
reajustado em janeiro de cada ano, tendo por base o INPC. “Nas
ações cíveis, de família, sucessões e envolvendo a fazenda
pública em geral, as custas incidirão em até quatro fases
distintas do processo”: no momento da distribuição da ação, da
reconvenção, da oposição, dos embargos à execução e de
terceiro, e do mandado de segurança, ao ser proposta a execução, a
habilitação em ação civil pública, recuperação judicial e
falência, e o pedido de cumprimento de sentença (em cada uma dessas
fases serão cobrados 2%, obedecendo-se limites mínimo de 5 unidades
de referência e máximo de 3.000 unidades de referência por fase).
Em
casos de preparo de apelação, recurso adesivo e nos processos de
competência originária do tribunal, inclusive reclamação e
mandado de segurança; preparo de recursos especial e do
extraordinário, e nos processos de competência originária dos
tribunais superiores, inclusive reclamação e mandado de segurança,
o valor será de 4% sobre cada fase (valor máximo), obedecidos
limites mínimo correspondentes a 10 unidades de referência e máximo
de 3.000 unidades de referência. União, Estado e Distrito Federal
criarão suas próprias unidades de referência. Se a unidade de
referência valer R$ 50,00, uma causa de R$ 1.000,00 corresponderá a
20 unidades de referência.
Veja
uma simulação: petição inicial – 2% sobre o valor da causa;
recurso de apelação – 4% sobre o valor da causa, recurso especial
– 4% sobre o valor da causa; se houver simultaneamente recurso
extraordinário – 4% sobre o valor da causa; cumprimento de
sentença – 2% o total será de 16% sobre o valor da causa. E mais:
custas de citação, alvará ou oficio para levantamento de
importância, oficio de pedido de informação, intimações
pessoais, todos serão taxados. Depois de pagos honorários, em média
de 20%, haverá ônus para o litigante de 36%. Se tiver a sorte de
ver o processo julgado, receberá a concha, não a ostra, a palha,
não o grão. Se o processo envolver questões de alta complexidade
as custas poderão consumir mais de 45% do valor da causa.
O
projeto de Lei complementar cuida de outros aspectos, como cobrança
adicional se os litisconsortes formarem grupo de dez autores ou
fração que exceder a dezena; elevação de custas para o dobro em
questões que envolvam grande volume de dados e questões de alta
complexidade (!), valor de preparo de preparo de recursos calculado
sobre o benefício econômico fixado na sentença (se liquida) ou no
valor atualizado da causa (se ilíquido), valor para agravos de
instrumento e internos, custas por paralisação do processo por
culpa exclusiva das partes, por recursos e incidentes protelatórios,
custas por expedição de alvarás e mandados e ofícios, mesmo que
eletrônicos, confecção de cálculos, e outras situações.
Mas
todo o projeto de lei complementar apresentado pelo CNJ para
discussão da comunidade jurídica merece um estudo e debate
detalhados. Seu espírito não é condizente com nenhum estado
social. O CNJ inverte a lógica social do processo e adota uma lógica
completamente tributária.