Uma Praça
23rd/dez/2008 . 5:41 am
Por Ruy Medeiros
A primeira praça de Vitória da Conquista ainda é uma praça “nova”, viva.
Mantém-se “nova”, apesar do tempo.
É verdade: o sítio hoje conhecido com o nome da praça Tancredo Neves tem
arruamento a partir do último quartel do século XVIII, no mínimo.
É certo que ofício de 1780, firmado pelo Governador Manuel da Cunha
Menezes, menciona um “rancho com mais de 60 pessoas”, cujos habitantes viviam
“rodeados de fazendas de gado”. A palavra rancho significa aglomeração de
pessoas e o fato de o documento dizer que aquelas pessoas viviam rodeadas das
fazendas de gado, estabelece a distinção entre um sítio (lugar) em que estavam
pessoas e as fazendas de gado.
A velha praça tem, portanto, mais de duzentos anos.
Em 1817, o príncipe naturalista, Maximiliano de Wied Neuwied, alí
esteve: O “arraial da Conquista” cabia todo dentro da área hoje ocupada pela
praça Tancredo Neves. Diz o príncipe: “Arraial da Conquista, principal
localidade do distrito, é quase tão importante como qualquer vila do litoral.
Contam-se aí umas quarenta casas baixas e uma Igreja em construção”. Como se
vê, apenas 40 casas. Isso, pela estrutura da população da época, significa em
torno de 240 a 280 pessoas. Alí estavam “fazendeiros”, índios domésticos, donas
de casa e desocupados.
Não é muito difícil saber porque o “arraial”, hoje praça, fixou-se alí:
A presença da água o explica. As casas foram edificadas com os fundos
(quintais) voltados para a beira do córrego da Vitória (ou córrego do Poço
Escuro), em verdade o trecho inicial do rio Verruga. E o arruamento seguiu o
rio, quer obedecendo a altura das margens, quer obedecendo suas curvas. O
arraial, depois Vila, depois Cidade, nasceu com ruas tortuosas. Durante bom
tempo, a partir de 1840, toda a sede da Vila foi apenas o sítio da praça.
Depois, a população adensou-se a partir daquele centro, porém longe das
margens do córrego, ou riacho, mas não tão longe. Já por volta de 1840 sabe-se
da existência de casas assentadas em local, na praça, não coladas ao rio, ou
cujos quintais não eram banhados pelo córrego da Vitória. Mas foram deixados
becos ou travessas para garantir acesso à água do riacho, ou córrego.
Uma extensão grande, ocupada, já havia em o último quartel do século
XIX. A praça, que coincidiu com o próprio centro “urbano” da Vila, ocupava todo
o espaço que vai do lugar onde está hoje a Igreja Matriz até o local atualmente
ocupado pelo templo Batista. Era uma grande praça a Imperial Vila da Vitória.
Becos e ruas surgiram perpendiculares às margens do rio ou, em continuidade,
ocupando com casario o início dos caminhos vicinais.
Os antigos deram-lhe o nome de “Rua Grande”. A denominação de praça da
República veio muito tempo depois. Em 1940, Laudionor Brasil, poeta, ainda
homenageava a rua Grande.
Mas é na década de 40 deste século que a praça, ou rua Grande sofre uma
brusca intervenção desfigurante: Em seu “miolo” foi permitida ocupação e a
praça foi dividida. Em lugar da antiga rua Grande ficaram duas praças – as
atuais Tancredo Neves e Barão do Rio Branco e as ruas Maximiliano Fernandes e
Zeferino Correia. Não se podia falar mais em rua Grande.
O espaço que compreende a antiga rua Grande sempre foi dinâmico e
polivalente: local de moradia (e sempre foi “chique” morar na praça), de
comércio, de lazer, ou de “demonstrações cívicas”.
Alí funcionou a feira livre com seu velho barracão. Alí estava a Casa da
Câmara. Alí residiam pessoas. Alí realizavam-se comícios, desfiles escolares.
Alí, às vezes, circos mambembes levantavam mastro. Enfim: Praça do faz de tudo.
Do tempo da velha rua Grande, como a atestar identidade, estão ainda
algumas casas, como a casa de Henriqueta Prates, a casa de Pompílio Nunes, a
bela casa de D. Antonia Fernandes Santos Silva, e outras. E também as mais
antigas palmeiras imperiais, plantadas em 1940, dizem, pelas mãos de João
Miguel Lourenço. Há, no entanto, algumas mais novas, já da reforma dos anos
oitenta.
Mas esta praça tão antiga teima em ser sempre nova. Não quer decair.
Continua espaço de lazer, passeios, de moradia, de comércio e, às vezes,
cívico.
É verdade que sofreu alterações em seu centro. Já abrigou velhos
pinheiros. Na década de 50, foi seu jardim transformado em “Parque e Jardim das
Borboletas”. Aí havia o Zoológico, até com onça (dizem sempre para
impressionar). Mas o sucesso eram os macacos Cazuza e Simão. Parque infantil? –
Sim havia. Mais: sucesso complementar: Foi também construída a fonte luminosa
com sua vênus no alto e no centro, a despertar sonhos na meninada. Perto da fonte
luminosa (que gerou anedotas vitimando incantos que levavam – seria verdade? –
frascos para colher água vermelha, verde ou azul) – perto da fonte luminosa
estava a “Cidade dos Pássaros”, viveiro com 149 m2. Bancos ofertados por
pessoas. Ficus Benjamim que tiveram de ser destruídos para que não abrigassem
“Lacerdinhas”.
Depois, a Biblioteca Infantil alí chegou e foi tão criminosamente
desativada após. Monteiro Lobato ficou sem a homenagem e teve diminuído o
número de seus leitores.
Mas é assim mesmo. Um sempre fazer.
Onde estão os “patins ingleses” que Giovanni Binneli alugava para o
“ringue de patinação” que conseguira, no final dos anos quarenta, construir na
Praça? . Sumiram, como depois sumiriam Zoológico, Parque, Biblioteca, viveiro
de pássaros, macacos Tião e Cazuza imoralíssimos, se os animais podem ser
julgados.
Na década de 80, já cansado o velho jardim, o prefeito mudou o nome da
praça para Tancredo Neves. Siberia Correia e Ana Maria Domingos desenham novo
jardim – alguma coisa romântica plantada neste vasto Sertão da Ressaca. A praça
que não perdera vida, ainda ficou mais nova. E continuou polivalente.
Realmente, esta praça não quer ficar velha. Mesmo a velha Igreja que
João Gonçalves e sua família construíram alí foi substituída por uma nova.
A praça parece que quer mandar um recado: A consciência não deve
envelhecer, sob pena de perder identidade.
Velha rua Grande, retoma o teu nome e continua sempre jovem. “Verde, que
te quero verde”.
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