segunda-feira, 29 de outubro de 2018

NOTA PÚBLICA EM DEFESA DA DEMOCRACIA



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imagem site: www.politize.com.br





Nós, professores do Curso de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - UESB, manifestamos nosso compromisso com a democracia, com a autonomia universitária e com as liberdades fundamentais. Por essa razão, tornamos pública a presente nota, no sentido de repudiar todo e qualquer ato que afronte os pilares do Estado Democrático de Direito.

Não nos calaremos diante da opressão, do autoritarismo e do fascismo. O processo de redemocratização, iniciado na década de 80, foi resultado de histórias de luta. Várias famílias permanecem em luto pela perda de pessoas que resistiram em defesa da democracia. As atrocidades praticadas no regime militar não poderão ser esquecidas.

Vivenciamos um cenário delicado, um verdadeiro risco à sobrevivência da nossa democracia. Não podemos nos curvar diante do discurso do ódio, de propostas de redução e extinção de direitos fundamentais e, sobretudo, da ascensão de um regime ditatorial, intolerante, racista, homofóbico, misógino e autoritário.

Consideramos danosos os atos de cerceamento de liberdade de expressão ocorridos em universidades públicas de todo o País. Sabemos que essas posturas revelam o início de um retrocesso constitucional e lança ao abismo as garantias conquistadas ao longo das três décadas que marcaram a nossa redemocratização.

Lutamos por educação de qualidade, com autonomia de pensamento e construção crítica. Lutamos por melhorias nas áreas da saúde, da previdência, da assistência, dos direitos trabalhistas e das liberdades.

Diante desse panorama, reafirmamos nosso compromisso com os fundamentos estruturantes do Estado Democrático de Direito, ao tempo em que manifestamos nosso apoio aos atos em defesa de uma sociedade justa, livre e igualitária.

Pela democracia, seremos resistência!


RUY MEDEIROS
LUCIANO TOURINHO
CLÁUDIO CARVALHO
DANIELLA MAGALHÃES
MARIA SOLEDADE S. CRUZES
LUCIANO SEPULVEDA
LUCIANA SANTOS SILVA
EDGARD LARRY
CARLOS PÚBLIO
DÉLCIO MEDEIROS RIBEIRO
ALEKSANDRO LESSA
MARIA DA CONCEIÇÃO FONSECA-SILVA
MARTA CRISTINA NUNES ALMEIDA
JORGE MAIA
GABRIELA FERNANDES
MARCELO MACHADO
LUCAS PEREIRA CARWILE
MARIA HELENA FERRAZ DE OLIVEIRA
MARILZA FERREIRA DO NASCIMENTO

sábado, 27 de outubro de 2018

Tribunais Eleitorais contra a Democracia

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Portal Vervelho


Ruy Medeiros

Vi e ouvi atônico nos meios de comunicação coisa a que não assistia desde a época da ditadura militar.
Rasgando a Constituição da República que rege sua atividade, em maior razão do Direito, alguns presidentes de Tribunais Regionais Eleitorais, representando-os, determinaram que força policial penetrasse (em verdade, invadisse) campi universitários e aí apreendessem textos e objetos e inviabilizassem eventos e debates políticos.
Esses presidentes de Tribunais Eleitorais resolveram tomar partido na luta eleitoral, proibindo a discussão sobre democracia e fascismo no âmbito da Universidade.
Agiram ilegalmente: a competência para matéria de eleições presidenciais é do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), não é dos Tribunais Regionais; a Constituição assegura direito de reunião e livre manifestação de pensamento; a Universidade goza de autonomia e uma de suas finalidades é o ensino que deve ser feito com liberdade e nunca sob domínio de baionetas e mandados judiciais espúrios. Seu compromisso constitucional é com o saber. Debate político não é propaganda eleitoral.
Por que ficaram presidentes de alguns Tribunais Regionais incomodados com debates sobre fascismo e democracia? Que há com eles e com membros do MP que opinaram favoravelmente a suas ações? É preciso que o TSE, o Conselho Nacional da Magistratura e o Supremo Tribunal Federal adotem sérias providências, pois diferentemente daquilo que a Presidente do TSE disse, não se trata apenas de excessos no exercício do poder de polícia eleitoral.
P.S.: Obrigado a todos pela resistência!

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

Esopo, eleitoralmente


Ruy Medeiros


www.blogdoanderson/Professor Moura
Meu professor de latim, Antonio Moura, desafiava os estudantes a traduzir as fábulas dos escritor grego, Esopo, vertidas para a língua de Roma por Fedro, poeta latino. Moura foi biografado por Margô, filha de seu Clarindo. Noutro dia falarei disso.
O professor lia e os estudantes acompanhavam munidos do livrinho de latim: Aesopus auctor quam materiam repperit, Hanc ego polivi versibus senarius (“Eu traduzi em versos senários esta matéria que seu autor Esopo inventou”...). O mestre explicava que Fedro dizia haver polido, traduzindo em versos, as fábulas de Esopo. Versos de seis sílabas poéticas, senários, tradução dificil para os iniciantes. Resultado que alegrava.
Minha memória aqui é atiçada ao folhear uma edição em latim do Phaedri Fabularum (Fábulas de Fedro), exemplar que pertenceu a um certo Falconey Mascarenhas e que Enock Medeiros, meu tio, adquiriu no sebo de Loureiro. Ali estão os nomes dos proprietários e o carimbo oval: “Livraria Loureiro – compram-se, vendem-se e trocam-se livros usados – Rua Collegio, n° 14 – Tel: 4250 – Bahia”. Conheci Edgar Loureiro quando este já estava com seu sebo no Viaduto da Sé ( parte baixa).
Pois bem. Vou ao que aqui interessa.
Há uma fábula de Esopo que permite uma boa “leitura eleitoral”.
Conta o fabulista grego que o porco selvagem (javali) e o cavalo se alimentavam no mesmo pasto. O cavalo sempre se irritava muito com o porco porque este destruía o capim e sujava a água. Muito aborrecido, para vingar-se do porco o cavalo pediu ajuda ao caçador. Este disse ao cavalo que só poderia ajudá-lo se ele aceitasse uma sela no lombo onde ele, caçador, montaria e uma rédea presa na boca, a fim de caçar o porco. O cavalo aceitou a condição e o caçador efetivamente colocou os arreios no animal e partiu para a caça ao javali, conseguindo matá-lo. A seguir, o caçador conduziu o cavalo para a cocheira e quando este lhe pediu que retirasse sela e rédea o caçador respondeu que não faria isso.
Esopo remata: “Assim muitas pessoas, ao quererem por um cólera irracional se vingar dos inimigos, acabam por se submeter ao domínio de outras” (Aqui eu sigo a tradução de André Malta).
Assim é (e)leitor, nesse tempo de cólera irracional, que a fábula de Esopo (O cavalo, o javali e o caçador) se atualiza e ganha um sentindo eleitoral. Os antigos diziam que “a raiva é má conselheira”
Não seja o cavalo de Esopo.
Bom dia!
P.S. Um obscuro coronel, a título de fanaticamente puxar saco do capitão reformado candidato a Presidente, ofendeu Deus e o mundo. O ministro decano do STF pode resumir quem é o coronel: um desprovido de inteligência para argumentar e de capacidade de convivência democrática. As cadelas estão no cio.









terça-feira, 23 de outubro de 2018

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Esse Cientista Politico....

Foto Estadão

Esse Cientista Politico....
Ruy Medeiros


Causa náusea à inteligência o mote mais repetido desde o resultado das eleições últimas: O país está divido (nunca a sociedade brasileira esteve tão dividida!). Segue-se daí que partido A e políticos B.C.D. dividiram a sociedade.
A credibilidade do mote é amparada em entrevistas e/ou depoimentos de sociólogos é cientistas políticos. Às vezes desrespeitosamente os apresentadores dizem: “esse sociólogo”, “esse cientista politico”. Já não se preocupam em nominar, exceto quando se trata de mesas redondas.
No entanto, nenhum sociólogo (falo de sociólogo!) e nenhum cientista politico (falo de cientista politico!) não ficaria na superfície da coisa, ou na aparência simplesmente fática.
A sociedade está dividida porque é dividida. Essa divisão não é algo atual como, em tentativa ideológica, diversionista, a maioria dos comunicadores sociais fazem os mais apressados crer. Que tal falar em escravidão na Colônia e no Império? Uma sociedade sem profunda divisão? Para não voltar tanto, somente os que fazem jejum de História desconhecem que a ditadura militar instalada em 1964 aprofundou a divisão da sociedade brasileira. Lembram-se de Franco Montoro? Já ouviram falar nele? Esse homem, que foi Senador pelo Estado de São Paulo, denunciava que “no Brasil os ricos nunca foram tão ricos, e os pobres nunca foram tão pobres” e apontava as estatísticas produzidas pela própria ditadura militar, que assemelhavam a divisão de rendas no Brasil àquela existente entre os países mais desiguais do mundo (então, a segunda mais injusta divisão de rendas do mundo!).
Ora, Ora... Esse pessoal sequer suporta que a profunda divisão tenha expressão eleitoral, isto é, nos marcos da democracia burguesa. Se não aceitam a expressão eleitoral da divisão, que pretendem fazer dela?
Um imenso trabalho para reverter a expressão democrático burguesa da divisão foi comandado pelas redes televisivas. A própria expressão, por si mesma, de forma velada, subliminar, passou a ser combatida. Não combatem a eleição livre (a festa da democracia como dizem), mas a sua essência mesma de expressão dos anseios de alguns grupos sociais pobres, ou de opiniões de grupos, que são tidas como radicalização, algo muito nefasto. Combatem-na, mas dizem o contrário. Até a expressão de diferenças dentro da ordem eles não aceitam. A manipulação corre à solta e busca o colapso da consciência. Tomam como objetivo apagar a expressão do conflito e entendem que essa é zona de pensamento perigoso. Pobre democracia. Porém a alegação de provocar divisão só vale se assestada contra alguns, nunca vale contra a direita.
Nada mais propicio a isso de que a fala de unidade nacional, de que o amedrontamento, que a preparação às vésperas do novo turno eleitoral do “Brasil ame-o ou deixe-o”. Busca-se o apagamento.
Não é cedo para compreender-se que, sim, a imprensa é essencial à democracia, mas que também ela esteve presente para estimular os golpes fascistas e destruir a democracia. Que o diga a própria experiência brasileira de 1937 e 1964.

Foto IG Último Segundo
P.S O debate eleitoral que a Globo News realizou ontem (dia 18 de outubro de 2018) à noite (como faz todas as noites) foi simplesmente hilário. Os debatedores, inclusive o responsável por pesquisas da Data Folha, não souberam explicar porque, nos dados da pesquisa, o capitão reformado é ao mesmo tempo o mais autoritário e o mais democrático (?!). Parece que a Rede Globo, preocupada com a proximidade daquele militar com a Rede Record, começa a afaga-lo. Cinismo?    


Foto Veja SP






















quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Kit Goebbels



Ruy Medeiros
(À memoria de Péricles Gusmão Regis)


Péricles Gusmão Régis

O Tribunal Superior Eleitoral obrigou o capitão reformado candidato a Presidência da República a retirar de sua propaganda informação de que o candidato que lhe faz oposição (ou o partido desse) teria criado o kit gay a fim de precocemente induzir crianças a partir de seis anos de idade dirigir sua orientação para a homossexualidade.
 O Tribunal deixou evidente que informação do capitão reformado e de seus partidários mais virulentos é gritante mentira.
O capitão não teve a decência de informar a seus eleitores que um de seus fortes argumentos de campanha era uma farsa.
Sei de mães, que não desconfiaram do absurdo do chamado Kit Gay, e direcionaram, em razão da existência dele, seu voto para o capitão reformado. Uma delas disse haver recebido mensagem na qual se esclarecia que dentre os componentes do kit encontravam-se reproduções de pênis e vagina “bem realistas” (sic) que eram entregues à manipulação de crianças.
Toda a mentira foi exaustivamente propagada e, entre indignação e revolta da consciência, mães, avós, tias pais, etc, apoiaram o capitão reformado em sua cruzada contra a deturpação do ensino das crianças na escola com a adoção do kit gay. Não pararam para desconfiar que aquilo não poderia ser verdade.
Seguramente muitos foram vítimas da orientação que Joseph Geobbels fixara para a propaganda nazista: repetir sempre a mentira para que essa se tornasse convenção entre as pessoas. Alguns sintetizavam: a mentira bastante repetida toma ares de verdade. É a orientação que se encontra na base de tudo o que foi divulgado envolvendo a (inverídica) existência do Kit Gay.
O que, antes de desconfiar do absurdo, muitos intuíram foi que o chamado Kit Gay violentava sua própria formação e feria a sua consciência e por isso substituíram a análise pela indignação. Havia forte condicionamento sócio-cultural para que isso ocorresse. Isso e tudo o mais que está descendo “goela abaixo”, inclusive de pessoas que possuem algum nível de formação. Essa situação já foi examinada em outros contextos, como o fez Madaleine Albright.
Madaleine Albright, ex-Secretária de Estado dos Estados Unidos (entre 1997 e 2001) e embaixadora de seu país junto a ONU, de formação liberal, sobre condicionamentos e motivadores do fascismo (é disso que se trata!) dentre outras coisas diz: (...) “a energia do fascismo é alimentada por homens e mulheres abalados por uma guerra perdida, um emprego perdido, uma lembrança de humilhação ou a sensação de que o seu país vai de mal a pior. Quanto mais dolorosa for a origem da mágoa mais fácil é para um líder fascista ganhar seguidores ao oferecer a expectativa de renovação ou prometer restituir-lhes o que perderam”.
Mas como ficam aqueles que, acreditando no kit gay, direcionaram sua escolha eleitoral ao capitão reformado? Tomarão conhecimento de que foram vítimas de grotesca mentira de uma propaganda geobbelsiana? Entenderão o caráter fascista da coisa?
Primo Levi, autor de livros célebres, com “É isto um homem?”, “A trégua”, “Se não agora, quando?”, etc, anotou: “Toda era tem o seu próprio fascismo”.
Sim, velho escritor, toda era tem o seu próprio fascismo, inclusive a era atual. Tivemos outras eras fascistas, como aquela iniciada em 1964, que tantas vítimas deixou enlutando famílias. Uma dessas foi Péricles Gusmão Regis, Vereador em Vitória da Conquista, morto em dependência militar após prisão por golpistas. Viana, fotógrafo que labutava no Beco da Tesoura, foi chamado para fotografar o cadáver e a alguns ele exibiu retrato de um Homem moreno, jovem, emborcado sobre vaso sanitário de uma cela, joelhos e pernas no chão molhado de seu sangue. Era Péricles e era o preço que fascistas cobravam da sua consciência livre e de sua generosidade.
 Monumento aos Mortos e Desaparecidos Políticos da Bahia

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Um Erro


Um Erro


Por Ruy Medeiros


Diferentemente daquilo que ocorreu em outros países, como a Argentina, por exemplo, o Brasil não puniu responsáveis pelo golpe de estado de 1964, nem por suas práticas sistemáticas de torturas e desaparecimentos contra opositores, na época da ditadura militar.

Provocado a declarar a inconstitucionalidade da lei de anistia quanto ao perdão nessa previsto aos agentes do Poder que praticaram crimes, o Supremo Tribunal Federal acolheu a alegação de anistia recíproca e com isso fechou a possibilidade de punir torturadores, exterminadores e “desaparecedores” de pessoas. É o fato. Foi um grande erro.

Agora, vê-se que um grupo de militares, com apoio de civis que vêm há algum tempo estimulando a intervenção militar (durante a greve dos caminhoneiros isso ficou evidente), aproveita da situação de crise, insegurança e insatisfação popular para eleitoralmente ocupar o poder –esse é claramente o sentido da candidatura de um oficial reformado do exército.

Quem assistiu à propaganda eleitoral daquele nos últimos dias, em horário nobre, e conheça a história do Brasil nos últimos tempos, ou que vive desde os anos sessenta, deve ter percebido nela o mesmo tom com que agia o CCC –Comando de Caça aos Comunistas, grupo que perseguia a todos aqueles que não concordavam com o golpe. Para eles, todos os que não aderiam a golpes ou a golpistas eram comunistas. Como se fazia naquela época contra os adversários, desqualificando-os, a propaganda do capitão reformado ofendeu seu adversário (o que havia feito em postagem anterior qualificando-o de canalha), e se traduz como discurso de intolerância e chamamento à violência.

A propaganda eleitoral do capitão reformado desmente sua mensagem desautorizando a violência. Ele a incita.

Antes da propaganda eleitoral do segundo turno, seu companheiro de chapa, também militar, além de pregar revogação de direitos trabalhistas, prometeu reescrever o conteúdo dos livros didáticos quanto ao sombrio período ditatorial. A mensagem do general vice é clara: ou apaga o conteúdo dos livros ou se faz a versão que ele e seu colega de chapa e farda querem. Da nova versão de “seus” livros de história o general omitirá ou dirá por que torturadores foram perdoados?

A gente sabe da aversão desse pessoal à liberdade de consciência e à verdade histórica. Antes do golpe, um livro de história do Brasil vinha sendo publicado em fascículos pelo MEC – era a Nova História do Brasil, coordenada por Nelson Werneck Sodré (militar democrata do exército), Joel Rufino dos Santos e outros, logo após o golpe foi retirada das bibliotecas públicas, postos de venda e de outros lugares, exemplares destruídos e foi impedida sua circulação. Seus autores foram processados por haverem escrito o livro, e mesmo os ditadores de plantão, perante a Justiça Militar, conseguiram de um historiador ser nomeado e produzir um laudo técnico contra o livro escrito antes do golpe. Laudo contra um livro...

É assim mesmo que gente desse tipo age: nada de divergência em relação ao que pensam e querem. Houve intelectual proibido de escrever (Caio Prado Júnior), livros censurados, intelectuais de renome internacional tiveram suprimidos direitos políticos e cátedra. Um deles (na época o mais conhecido no mundo), Josué de Castro, foi proibido de retornar ao Brasil: todas as embaixadas brasileiras na Europa recusavam visar seu passaporte. Quando morreu na França, a muito custo deixaram seu corpo vir ser sepultado no Brasil, porém foram proibidos fotos do ato de sepultamento. Mas seus livros Geografia da Fome e Geopolítica da fome, e outros artigos continuavam lidos em várias universidades.

O país vive nova preparação de um golpe, agora sob justificação de sagração eleitoral, ou não, e também com as palavras de ordem com que, em 1964, os golpistas obscureceram consciência, manipulando-as: Deus, família e moralidade.

Cabem algumas (dentre muitas) perguntas: defende a família que votou a favor da reforma trabalhista da qual consta que mulheres grávidas podem trabalhar em condição insalubre? Defende a família que vota contra direitos das empregadas (e empregados) domésticas, que têm filhos? Que Deus é aquele que se compraz com elogio de torturador? Que Deus é esse? Qual é a moralidade da censura, da política econômica desumanizadora proposta? Qual a moralidade do apagamento da história?

O “filme” é velho, mas é inevitável assistir a ele novamente?

quarta-feira, 10 de outubro de 2018

A fala do General



Ruy Medeiros

A caserna volta à politica. Ontem, dia 09, à noite, a TV Band transmitiu entrevista do General Heleno. Este é o mentor ou um dos mentores do capitão candidato a Presidência da República.
Dentre outras opiniões, o General manifestou contrariedade com audiência de custódia. Trata-se de, presa uma pessoa, ser necessária sua condução a um Juiz de Direito, o qual decidirá sobre sua soltura ou não. Aí vem a batida lamentação de que a Polícia Prende, a Justiça libera. É bom que se diga que sempre que não configurar-se a previsão legal/necessidade da prisão, a pessoa presa deve ser liberada. Isso só é estranhável para quem não é democrata. Já no Século XVI esse tipo de audiência estava contemplada na Lei do Habeas Corpus (Vide História e Prática do Habeas Corpus, de Pontes de Miranda). Somente em sociedade marcada pelo autoritarismo, que não quer vê-lo corrigido, pode-se estranhar tal coisa.
Na entrevista, voltou à tona a proposta de excludência de criminalidade em caso de confronto de militar em atuação de combate ao crime. A questão é que o militar pode chegar já atirando e isso pode, na prática, ser passaporte para execução, como muitas vezes ocorre com a alegação de resistência. E, como já ocorreu muitas vezes, o confronto sequer existe, mas é alegado para justificar execução.
O general elogiou intervenção e interventor militares na esfera da segurança no Estado do Rio de Janeiro. Acentoou o que antes dissera o interventor: ali há um laboratório. Mas, laboratório envolvendo tantas vidas humanas? Em verdade, mais de 500 tiroteios ocorreram já este ano no Rio de Janeiro e a Violência aumentou.
A territorialização das ações de segurança (laboratório) coloca comunidades (pode-se falar favelas!) inteiras entre dois fogos, cria aí um verdadeiro estado de defesa, discrimina o conjunto dos moradores, desvaloriza pequenos patrimônios e amedronta a todos.
Com essas idéias, a caserna volta à politica. Não está satisfeito com os anos de opressão que patrocinou no Brasil?
P.S. Afinal, o Presidente do STF, ao convidar militar de alta patente para ser seu chefe de gabinete quer blindar a corte ou quer brindar a caserna?     

segunda-feira, 8 de outubro de 2018

Nem sempre...

Ruy Medeiros
O tempo é sombrio. Entre raiva e indignação a consciência obscurece. A escolha pode estar maculada. Quem se dispõe à análise fria e necessária?
Começar a dizer sobre aquilo que Dra. Rosa Weber e os meios de comunicação chamam de “a festa da democracia”, quanto a seus resultados, exige independência de espírito, pois o céu anuncia temporais e pressões. O ódio não vê barreira para imprensar pessoas.
A liberdade de escolha eleitoral não é tudo na democracia e às vezes essa sucumbe exatamente após eleições. O caso clássico é a ascensão de Hitler eleitoralmente ao poder.
Em primeiro lugar, as eleições ocorrem dentro de uma institucionalidade que, por si só, já é limitante. Lembro Gaciliano Ramos que em “Memórias do Cárcere” escreveu: “liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.”
As recentes eleições com resultado, no primeiro turno, favorável a um capitão reformado que se dá bem com tiradas autoritárias merece que a inteligência fique bastante aberta para que isso (já antecipado por atrocidades) não seja o inicio de uma fase terrível.
É que nem sempre eleições inauguram ou fortalecem democracia (e estou falando mesmo da democracia burguesa tão decantada), pois às vezes elas são meio democrático para destruí-las. E ultimamente o mundo tem visto e sofrido com esse fenômeno.
Em obra recente, Steve Levitsky e Daniel Ziblatt, da Universidade de Harvard, discutem o colapso das democracias, analisam a corrosão da democracia sem golpes (como ocorreu em vários estados nacionais da América Latina – Brasil, Chile, Argentina...), mas por processo insidioso em que são acentuadas obediência à constituição, quanto à letra, não quanto ao espírito. O livro é amparado em pesquisa sobre ocupação do poder, via eleitoral,  por lideres que destruíram a democracia. Transcrevo dois pequenos trechos da obra mencionada:
(...) há outra maneira de arruinar uma democracia. É menos dramática, mas igualmente destrutiva. Democracias podem morrer não nas mãos de generais, mas de lideres eleitos – presidente ou primeiros ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder. Alguns desses lideres desmantelam a democracia rapidamente, como fez Hitler na sequência do incêndio do Reichstag em 1933 na Alemanha, com mais frequência, porém as democracias decaem aos poucos, em etapas que mal chegam a ser visíveis. (p.15)
....
“Uma vez que um aspirante a ditador consegue chegar ao poder, a democracia enfrenta um segundo teste crucial: irá ele subverter as instituições democráticas ou ser constrangido por elas? As instituições isoladamente não são o bastante para conter autocratas eleitos. Constituições têm que ser defendidas – por partidos políticos e cidadãos organizados, mas também por normas democráticas. Sem normas robustas, os freios e contrapesos constitucionais não servem como bastiões da democracia que nós imaginamos que eles sejam. As instituições se tornam armas políticas, brandidas violentamente por aqueles que as controlam contra aqueles que não as controlam. É assim que os autocratas eleitos subvertem a democracia – aparelhando tribunais e outras agências neutras e usando-os como armas, comprando a mídia e o setor privado (ou intimidando-os para que se calem) e reescrevendo as regras da política para mudar o mando do campo e virar o jogo contra os oponentes. O paradoxo trágico da via eleitoral para o autoritarismo é que os assassinos da democracia usam as próprias instituições da democracia - gradual, sutil e mesmo legalmente – para matá-la” (p.19) (Como as Democracias Morrem – Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, Zahar, 2018).
Que o tempo farda cáqui, que marcou profundamente de dor o país, não volte com o prometido ministério fardado.


sábado, 6 de outubro de 2018

A Farsa

A Farsa
Ruy Medeiros
Institutos de pesquisa anunciam, quando divulgam intenção de voto em candidatos ás eleições que devem ocorrer no próximo domingo, que a maioria de eleitores com formação superior declara voto em um capitão da reserva remunerada do exército, de fama recente, alicerçada em dizeres preconceituosos e em um grito (todos os canais televisivos e todos os microfones das rádios escancarados) de carinho (voltado ao passado), solidariedade e identificação a um coronel que se notabilizou por chefiar o DOI-CODI em cujos porões torturavam-se pessoas ou maquinavam-se “desaparecimentos”.
A mensagem é clara: “os bem letrados, os bem dotados do saber, o que têm (suposta) legitimidade da voz”, os ricos de conhecimento, aqueles que efetivamente sabem o que dizem, em sua grande maioria, já declaram o que pensa a inteligência nacional. Os doutores já disseram em quem votar!
As emissoras de TV, sobretudo, e outros meios de comunicação, bradam retumbantemente o dado da pesquisa: quem sabe das coisas (os doutores) já optou. Alguns, é claro, agem de forma subliminar.
É a farsa é espalhada aos quatro ventos. Não se faz nenhum cruzamento entre classe social e os doutores, entre idade, classe e “doutores”, nenhuma análise. No fundo, o que se verifica é que membros da classe mais abastada e de setores da classe média alienada, diante da crise, têm medo. Querem um militar que, como em 1964, faça um governo de exceção.
Mas serão mesmo os mais instruídos? Os realmente de formação superior, é por serem de formação superior que votam no Capitão? Ou será que o fazem por outro motivo que não a sua formação?
Como é triste saber que pessoas instruídas coloquem de lado o seu saber para, como rebanho, seguir a coorte da obscuridade.
Será que não tem importância saber por que as pessoas votam em determinado candidato? Essa pesquisa não é feita, porque se for realizada, ficará evidente que não é o saber daqueles de formação superior que comanda o seu voto, mas sim outra motivação, do medo, do puro reacionarismo ou da alienação.     

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

A Patrulha


Ruy Medeiros

Chega-me aos olhos a troca de mensagem em que duas adultas tecem considerações sobre a atitude de um comerciante que, em seu automóvel, afixou propaganda eleitoral. Trata-se de comerciante filho de comerciante, com grau de parentesco com elas, que trabalha desde criança, é querido na cidade, e ele e irmãos sempre cultivaram o bom trato com as pessoas. De seu estabelecimento muitas famílias tiram a sobrevivência.
As duas adultas referidas, identificam-se como eleitoras de um capitão candidato a Presidente e chegam à conclusão de que deveriam boicotar e incentivar o boicote ao estabelecimento da pessoa que colocou propaganda de outro candidato em seu carro.
É a patrulha que chega e, algumas vezes, patrulha para transformar-se em SA é “daqui pra ali”. Assim é que funciona. Não importa a vítima. Na Alemanha Nazista foram os judeus, os comunistas, os sociais democratas, depois os homossexuais, a seguir os ciganos e depois todos aqueles que não enjaularam declaradamente sua inteligência dentro dos objetivos do Führer. É necessário que a intolerância se expresse. É necessário um bode expiatório, uma transferência (no sentido freudiano mesmo), uma vazão da desrazão pela falta de meditação maior sobre o que significa o discurso oportunista do Capitão.
Já se indagaram sobre a falta de programa do Candidato? Já questionaram sobre a conveniência da liberação de armas, ou do uso da violência pelo Estado? Já se perguntaram se é justo discriminar pessoas por suas orientações sexuais ou pela sua situação e engajamento na sociedade? Qual é mesmo o programa do Capitão? Ele apenas indica o bode expiatório do momento e em outro momento poderá ser qualquer bode expiatório e, então, já não haverá o milagre de salvar os Isaacs. É a solução ali perto da esquina, fácil, ao alcance de todos: escolham um salvador para destruir o bode expiatório do momento, ou para deixá-lo visível a fim de ser derrotado.
Além de embarcar na onda da maré (que parece maré montante), sem espírito crítico, resolvem os partidários do capitão sugerir a patrulha.
Aqui, em Vitória da Conquista na década de 1940,após o Brasil declarar guerra à Alemanha, uma “patrulha” dirigiu-se à casa de dois alemães que aqui residiam, aqui mantinham respectivas esposas, aqui trabalhavam, conhecidos de todos, com amigos, e depredou as casas dos dois  boches, que nenhum vínculo tinham mais com a Alemanha e seu führer. Depois, os patrulheiros não conseguiram mais olhar dentro dos olhos daqueles germânicos que, aqui continuaram, e onde um deles deixou filhos. Olhar nos olhos, ter a coragem de fazê-lo passado o vendaval, é prova da correção dos nossos atos.
É claro que as duas amigas adultas têm toda a liberdade de votar em quem desejar votar e engajar em campanha do seu candidato. Têm mesmo a liberdade de deixar de analisar friamente a situação para optar em quem votar. Mas será ética a intolerância em relação ao comerciante que têm a mesma liberdade?
Em 1964, o querido Professor Everardo Públio de Castro, do elenco dos bodes expiatórios de então, foi delatado por defender as chamadas Reformas de Base. Seu delator depois foi invadido por profunda crise moral. Seguindo a onda irracional de combate aos adversários da ditadura, delatou exatamente pessoa de quem antes era considerado amigo. A onda cegara-o.
Política contém paixão, mas não é apenas isso. E, mesmo assim, que tipo de paixão?

A Conquistense do Araguaia

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