Ruy Medeiros
Chega-me
aos olhos a troca de mensagem em que duas adultas tecem considerações sobre a
atitude de um comerciante que, em seu automóvel, afixou propaganda eleitoral.
Trata-se de comerciante filho de comerciante, com grau de parentesco com elas,
que trabalha desde criança, é querido na cidade, e ele e irmãos sempre
cultivaram o bom trato com as pessoas. De seu estabelecimento muitas famílias
tiram a sobrevivência.
As
duas adultas referidas, identificam-se como eleitoras de um capitão candidato a
Presidente e chegam à conclusão de que deveriam boicotar e incentivar o boicote
ao estabelecimento da pessoa que colocou propaganda de outro candidato em seu
carro.
É a
patrulha que chega e, algumas vezes, patrulha para transformar-se em SA é
“daqui pra ali”. Assim é que funciona. Não importa a vítima. Na Alemanha
Nazista foram os judeus, os comunistas, os sociais democratas, depois os
homossexuais, a seguir os ciganos e depois todos aqueles que não enjaularam
declaradamente sua inteligência dentro dos objetivos do Führer. É necessário
que a intolerância se expresse. É necessário um bode expiatório, uma
transferência (no sentido freudiano mesmo), uma vazão da desrazão pela falta de
meditação maior sobre o que significa o discurso oportunista do Capitão.
Já
se indagaram sobre a falta de programa do Candidato? Já questionaram sobre a
conveniência da liberação de armas, ou do uso da violência pelo Estado? Já se
perguntaram se é justo discriminar pessoas por suas orientações sexuais ou pela
sua situação e engajamento na sociedade? Qual é mesmo o programa do Capitão?
Ele apenas indica o bode expiatório do momento e em outro momento poderá ser
qualquer bode expiatório e, então, já não haverá o milagre de salvar os Isaacs.
É a solução ali perto da esquina, fácil, ao alcance de todos: escolham um
salvador para destruir o bode expiatório do momento, ou para deixá-lo visível a
fim de ser derrotado.
Além
de embarcar na onda da maré (que parece maré montante), sem espírito crítico,
resolvem os partidários do capitão sugerir a patrulha.
Aqui,
em Vitória da Conquista na década de 1940,após o Brasil declarar guerra à
Alemanha, uma “patrulha” dirigiu-se à casa de dois alemães que aqui residiam,
aqui mantinham respectivas esposas, aqui trabalhavam, conhecidos de todos, com
amigos, e depredou as casas dos dois
boches, que nenhum vínculo tinham mais com a Alemanha e seu führer.
Depois, os patrulheiros não conseguiram mais olhar dentro dos olhos daqueles
germânicos que, aqui continuaram, e onde um deles deixou filhos. Olhar nos
olhos, ter a coragem de fazê-lo passado o vendaval, é prova da correção dos
nossos atos.
É
claro que as duas amigas adultas têm toda a liberdade de votar em quem desejar
votar e engajar em campanha do seu candidato. Têm mesmo a liberdade de deixar
de analisar friamente a situação para optar em quem votar. Mas será ética a
intolerância em relação ao comerciante que têm a mesma liberdade?
Em
1964, o querido Professor Everardo Públio de Castro, do elenco dos bodes
expiatórios de então, foi delatado por defender as chamadas Reformas de Base.
Seu delator depois foi invadido por profunda crise moral. Seguindo a onda
irracional de combate aos adversários da ditadura, delatou exatamente pessoa de
quem antes era considerado amigo. A onda cegara-o.
Política
contém paixão, mas não é apenas isso. E, mesmo assim, que tipo de paixão?
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