Um
Erro
Por
Ruy Medeiros
Diferentemente
daquilo que ocorreu em outros países, como a Argentina, por exemplo,
o Brasil não puniu responsáveis pelo golpe de estado de 1964, nem
por suas práticas sistemáticas de torturas e desaparecimentos
contra opositores, na época da ditadura militar.
Provocado
a declarar a inconstitucionalidade da lei de anistia quanto ao perdão
nessa previsto aos agentes do Poder que praticaram crimes, o Supremo
Tribunal Federal acolheu a alegação de anistia recíproca e com
isso fechou a possibilidade de punir torturadores, exterminadores e
“desaparecedores” de pessoas. É o fato. Foi um grande erro.
Agora,
vê-se que um grupo de militares, com apoio de civis que vêm há
algum tempo estimulando a intervenção militar (durante a greve dos
caminhoneiros isso ficou evidente), aproveita da situação de crise,
insegurança e insatisfação popular para eleitoralmente ocupar o
poder –esse é claramente o sentido da candidatura de um oficial
reformado do exército.
Quem
assistiu à propaganda eleitoral daquele nos últimos dias, em
horário nobre, e conheça a história do Brasil nos últimos tempos,
ou que vive desde os anos sessenta, deve ter percebido nela o mesmo
tom com que agia o CCC –Comando de Caça aos Comunistas, grupo que
perseguia a todos aqueles que não concordavam com o golpe. Para
eles, todos os que não aderiam a golpes ou a golpistas eram
comunistas. Como se fazia naquela época contra os adversários,
desqualificando-os, a propaganda do capitão reformado ofendeu seu
adversário (o que havia feito em postagem anterior qualificando-o de
canalha), e se traduz como discurso de intolerância e chamamento à
violência.
A
propaganda eleitoral do capitão reformado desmente sua mensagem
desautorizando a violência. Ele a incita.
Antes
da propaganda eleitoral do segundo turno, seu companheiro de chapa,
também militar, além de pregar revogação de direitos
trabalhistas, prometeu reescrever o conteúdo dos livros didáticos
quanto ao sombrio período ditatorial. A mensagem do general vice é
clara: ou apaga o conteúdo dos livros ou se faz a versão que ele e
seu colega de chapa e farda querem. Da nova versão de “seus”
livros de história o general omitirá ou dirá por que torturadores
foram perdoados?
A
gente sabe da aversão desse pessoal à liberdade de consciência e à
verdade histórica. Antes do golpe, um livro de história do Brasil
vinha sendo publicado em fascículos pelo MEC – era a Nova História
do Brasil, coordenada por Nelson Werneck Sodré (militar democrata do
exército), Joel Rufino dos Santos e outros, logo após o golpe foi
retirada das bibliotecas públicas, postos de venda e de outros
lugares, exemplares destruídos e foi impedida sua circulação. Seus
autores foram processados por haverem escrito o livro, e mesmo os
ditadores de plantão, perante a Justiça Militar, conseguiram de um
historiador ser nomeado e produzir um laudo técnico contra o livro
escrito antes do golpe. Laudo contra um livro...
É
assim mesmo que gente desse tipo age: nada de divergência em relação
ao que pensam e querem. Houve intelectual proibido de escrever (Caio
Prado Júnior), livros censurados, intelectuais de renome
internacional tiveram suprimidos direitos políticos e cátedra. Um
deles (na época o mais conhecido no mundo), Josué de Castro, foi
proibido de retornar ao Brasil: todas as embaixadas brasileiras na
Europa recusavam visar seu passaporte. Quando morreu na França, a
muito custo deixaram seu corpo vir ser sepultado no Brasil, porém
foram proibidos fotos do ato de sepultamento. Mas seus livros
Geografia
da Fome
e Geopolítica
da fome,
e outros artigos continuavam lidos em várias universidades.
O
país vive nova preparação de um golpe, agora sob justificação de
sagração eleitoral, ou não, e também com as palavras de ordem com
que, em 1964, os golpistas obscureceram consciência, manipulando-as:
Deus, família e moralidade.
Cabem
algumas (dentre muitas) perguntas: defende a família que votou a
favor da reforma trabalhista da qual consta que mulheres grávidas
podem trabalhar em condição insalubre? Defende a família que vota
contra direitos das empregadas (e empregados) domésticas, que têm
filhos? Que Deus é aquele que se compraz com elogio de torturador?
Que Deus é esse? Qual é a moralidade da censura, da política
econômica desumanizadora proposta? Qual a moralidade do apagamento
da história?
O
“filme” é velho, mas é inevitável assistir a ele novamente?
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