sexta-feira, 9 de junho de 2023

Há 105 anos, foi-se o último boêmio



  / Anderson BLOG @blogdoanderson


Ruy Medeiros

Há escritores que são lidos bastante em seu tempo e continuam a ser lidos; outros são pouco lidos em seu tempo e, descobertos depois, são muitos lidos; finalmente há aqueles que, muito lidos em seu tempo, quase que caem completamente no esquecimento, sendo lembrados quase que somente em sua terra de origem. Emilio de Menezes está nessa última situação.  Nascido em Curitiba em 4 de julho de 1866, faleceu no Rio de Janeiro em 8 de junho de 1918. Em 1927, seus restos mortais foram trasladados para Curitiba, onde os esperava cortejo de milhares de pessoas, tal a admiração que ainda gozavam a vida e a obra do poeta, e foi sepultado no cemitério municipal da capital paranaense. Nessa tem busto de mármore na Praça Osório. Autor de várias obras, foi ele membro da Academia Brasileira de Letras. Vale lembrar que, por motivo de doença e em razão de a ABL exigir, por mais de uma vez alterações em seu discurso de posse (censura!), por entender não serem adequados atributos nele expendidos, demorou de ser empossado. Seu fardão de acadêmico foi-lhe presenteado pelo Governo do Paraná. Empossado, seu discurso de posse, com alterações, só foi publicado no ano de 1924.

Por detrás dessa notícia que lhe dou, havia um dos maiores boêmios, considerado por seus contemporâneos um grande escritor. Lido ele era. Leitores buscavam em jornais suas tiradas em relação a pessoas, notícias ou fatos e passavam-nas verbalmente para outros. Sua principal biografia tem o sugestivo título de “Emilio Menezes – o ultimo Boêmio”, com várias edições, de autoria de Raimundo de Menezes. Gozador. Satírico. Maledicente. Inconveniente. Houve quem o apelidasse de má língua. Mas era admirado e mantinha bom círculo de amigos, especialmente os frequentadores da Colombo, no Rio de Janeiro, vários escritores como ele. Foi colaborador de jornais e revistas importantes do Rio de Janeiro e de São Paulo. Segundo tradutor, em língua portuguesa, de “O corvo”, de E.A.Poe, deixou publicados Marcha Fúnebre, Poemas da Morte, DIES | RAE, Poesias, Mortalhas etc. Em 1980, o Governo do Paraná, em edição da José Olímpio, publicou sua obra: Emilio de Menezes Obra Reunida.

Mestre do trocadilho, dos reclames em forma de poesia, da crítica mordaz, Emilio ficou na memória de muitos como o grande trocadilhista de todos os tempos.
Se você suportou essa notícia até aqui, siga-a com alguns trocadilhos do poeta: Resposta, numa solenidade, a uma senhora que lhe perguntou se ele sabia quais eram os encantos da mulher: “seio-os, minha senhora”. À outra, que não percebeu o seu estado etílico e resolveu perguntar-lhe o que ele tinha em sua descomunal barriga: após colocar a mão à altura do umbigo, o poeta respondeu: daqui pra cima, cerveja; para baixo, Parati (Parati era o nome de uma famosa cachaça). De Madame Curie, que ganhou o Prêmio Nobel de Química, sobre quem corria boato de estar apaixonada: “devia ganhar o prêmio de Física por seus estudos de atração dos corpos.” Em relação a um insigne ministro cuja demissão era desejada pelo Presidente de República, que o fritava, mas que se fazia de desentendido e ficava no cargo como se nada houvesse: “é um insigne ficante”. Sobre projeto de lei prevendo tributação da “renda” encaminhado ao Congresso pelo Presidente: passará contando que não toque nos “bicos” dos deputados. A uma pessoa, que não era de seu agrado, e que lhe pediu que ele contasse seu último trocadilho, Emilio disse: “Eu morava em Paquetá e mudei para a Ilha do Governador”. O interpelante disse que isso não era trocadilho. Logo, Emílio respondeu: mas é uma boa troca d’ilhas.

Emilio fez, por encomenda, versos de propaganda. Ai vão alguns deles: Para uma marca de manteiga, no período da Guerra dos Balcãs: Da Sérvia à Herzegovina, o ardor escalda | Porque esse povo forte e unido importa | Manteiga do Brasil, marca Esmeralda. Para a cerveja Brahma: José Bonifácio insulava | Nessa ilha pitoresca, Paquetá! | Lugar onde a água de coco dominava | E a Brahma Porter dominando está. Para o cigarro Excelsior: Do alto do céu demande o rumo | O aroma que o cigarro tem. | Porém o odoroso fumo | do Excelsior vai muito além.

Depois de milhares de tiradas engraçadas e de acoites verbais a políticos (inclusive Ruy Barbosa), O poeta morreu doente e aos poucos sua obra poética, embora objeto de apreciação, foi aos poucos caindo no esquecimento. Envelheceu, e com ele, sua forma de viver. Mas ele sabia que tudo envelhecia. Disse-o na estrofe última de Tarde na Praia, ao contemplar o mar: E ao contemplá-lo assim, tristonho digo, | vendo-lhe, à espuma, os meus cabelos brancos: | o velho mar envelheceu comigo.”

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