segunda-feira, 27 de outubro de 2025

Manoel Fiel Filho …, presente

 

 / Anderson BLOG @blogdoanderson


Há poucos dias, em espaço dos blogs respectivamente de Anderson e Paulo Nunes e por gentileza desses, publiquei texto sob título – Choram Marias e Clarisses, em memória de Vladimir Herzog, Vlado, cujo assassinato em dependências militares completará cinquenta anos no próximo sábado (25.10.25). Agora lembro a pessoa de Manoel Fiel Filho assassinado pela ditadura militar em circunstâncias semelhantes àquele trucidamento de Vlado. Manoel Fiel Filho, nascido em 7 de janeiro de 1927, na cidade de Quebrângulo, Estado de Alagoas, filho de Manoel Fiel de Lima e Margarida Maria de Lima, como muitíssimos nordestinos, migrou para São Paulo, em busca de educação e emprego. Trabalhou em algumas empresas.  Em 1976, já trabalhava, na profissão de Metalúrgico, na empresa Metal Arte. Em 16 de janeiro de 1976 (poucos meses após o assassinato de Vlado), Manoel Fiel foi preso às 12:00h, na fábrica onde trabalhava, por agentes do DOI-CODI e conduzido à sua casa, que esses vasculharam sob olhar temeroso de sua esposa, Thereza de Lourdes Martins Fiel, e filhas. Depois foi levado para o DOI-CODI do 2º Exército (São Paulo), onde foi torturado no pau-de-arara, com socos, choques elétricos, e outros meios usuais no tempo da bestialidade que humilhava o Brasil. Com torturas, foi assassinado.

No dia seguinte, 17 de janeiro, veio a nota cínica do DOI-CODI: “O comando II Exército lamenta informar que foi encontrado morto, às 13h do dia 17 do corrente, sábado, em um dos xadrezes do DOl-CODI II Exército, o Sr. Manoel Fiel Filho. Para apurar o ocorrido, mandou instaurar Inquérito Policial – Militar; tendo sido nomeado o coronel de Infantaria do Quadro do Estado- Maior da Ativa (Quema) Murilo Fernando Alexander, Chefe do Estado- Maior da 2º Divisão de Exército”.

No mesmo dia (17.01), às 22:00h, agente que não se identificou parou em frente à residência do operário assassinado e, dirigindo-se à esposa desse, gritou: “O Manoel suicidou-se. Aqui estão suas roupas” e lançou sobre a calçada um saco plástico com as roupas do operário trucidado pelos agentes militares do Estado.

Como em outras farsas, o Inquérito para apurar a morte de Manoel Fiel Filho concluiu que “as provas apuradas são suficientes e robustas para nos convencer da hipótese de suicídio de Manoel Fiel Filho” e, com isso o procurador militar, Darcy de Araujo Rabello, pediu o arquivamento do Inquérito. A prisão de Manoel Fiel Filho decorreu do fato de haver recebido de uma pessoa exemplar do jornal clandestino Voz Operária. Esse “crime” valeu-lhe a morte.
Assim agia a ditadura militar, de que alguns, às portas de quarteis e tiros de guerra, queriam o restabelecimento.

sexta-feira, 10 de outubro de 2025

Choram Marias e Clarices

 / Anderson BLOG @blogdoanderso3

 Leitores, espero que muitos lembrem-se do verso acima. A voz de Elis Regina, inesquecível, cantava-o no corpo daquela música de Aldir Blanc Mendes e João Bosco de Freitas Mucci: O bêbado e o equilibrista, canção que se tornou uma espécie de hino da luta pela anistia. Clarice, dentre tantas Clarices, era a viúva de Vladimir Herzog, Valdo, jornalista, professor de jornalismo na Escola de Comunicações e Arte da USP, e diretor de jornalismo da TV Cultura de São Paulo. Neste ano completam–se 50 anos do assassinato covarde, frio e brutal, com requintes de crueldade, de Vladimir Herzog. “Visitado” no ambiente de seu trabalho, na TV Cultura de São Paulo, por agentes da ditadura militar, que queriam levá-lo preso, Valdo, com aval de colegas, comprometeu-se a apresentar no dia seguinte (25 de outubro, sábado, 1975) no DOI-CODI, Rua Durval Carvalhal, n° 1030, São Paulo, Capital, a fim de prestar depoimento. 

Naquele ambiente sob controle do 2° Exército, comandado pelo General Ednardo D’Ávila Melo, Vladimir Herzog é submetido a todo tipo de tortura física e psicológica. É assassinado. Dentro de alguns dias, o ato de covardia completa 50 anos. Era 1975 e nosso país vivia sob ditadura de Geisel cujo ministro do exército era o general Silvio Frota, aval da “linha dura”. Vlado, apesar de saber o que ocorria nos porões da ditadura, apresentou-se confiante. Logo, conduzido a uma sala, foi despido, totalmente desarmado, mãos amarradas, sem condições de reagir, por militares covardes (a tortura é sempre ato de covardia), passou pelo ritual do sadismo cultuado nas casernas do regime e foi assassinado. Era um homem de 38 anos. A covardia não se perfez apenas com a tortura. É que, à noite daquele dia, o 2º Exército distribuiu nota oficial veiculando a notícia de que Vladimir Herzog havia praticado suicídio. Utilizara uma tira de pano presa a uma grade de janela, na altura de 1,63 metro, inferior à estatura de 1,70m da vítima. Fotos e laudo médico (esse apresentava como causa mortis “asfixia mecânica por enforcamento”) foram providenciados pelos agentes militares. A Covardia continuava, associada à mentira e ao cinismo.

A foto distribuída pelo porão do regime não convenceu a ninguém. Era farsa mal montada por aqueles que se julgavam impunes. Tentou-se disfarçar com laudo médico vergonhoso. Clarice foi proibida de providenciar uma segunda autopsia. Mas ali, estava o momento, a covardia dos torturadores (pleonasmo: todo torturador é covarde) trazia sua própria prova da brutalidade que campeava pelo país afora, com a imagem daquele homem nascido em Osijek, na Iugoslavia, em 27 de junho de 1937, chegado ao Brasil, em companhia de seus pais, quando tinha 9 anos de idade, casado em 15.02.1964, com Clarice, com a qual teve filhos: Ivo e André. Mas a covardia não parou por aí.

A Revista Veja foi proibida de publicar notícia sobre Vladimir Herzog e sua trajetória de vida. Tratava-se de impedir que o crime fosse conhecido. Nota curta noticiando primeiro a prisão, e outra a morte, saíram n’ O Estado de São Paulo e n’ O Globo, passado um dia, mencionando morte de um preso político por suicídio. Somente na semana seguinte, as notícias começaram a sair ainda com a versão da morte por suicídio.

Debalde tentaram esconder o crime. O Sindicato dos jornalistas telefonou a muitos noticiando-o. O corpo foi velado no velório do Hospital Albert Einstein, no domingo. Na segunda-feira, mais de trezentos automóveis acompanharam o cortejo fúnebre até o Cemitério Israelita, onde Vladimir Herzog foi sepultado. Não o foi na ala dos suicidas, numa demonstração de que ninguém acreditava na versão farsante de suicídio como causa da morte.

O sepultamento foi apressado. A própria mãe de Herzog não pode ver o caixão sendo depositado na cova, tal era a pressa. Apenas falaram um jornalista (Emanoel Martins), Ruth Escobar (atriz) e um padre católico que rezou o pai nosso, no cemitério após o sepultamento.  Os estudantes universitários da USP deflagraram greve, no mesmo dia do enterro, e nesse estado ficaram até o dia de sexta-feira para o qual foi programado um Culto Ecumênico. Na sexta-feira, as Polícias Militar e Civil interditaram a Praça de Sé, e bloquearam várias avenidas, inclusive as saídas da USP. Mas, mais 8.000 pessoas, furando obstáculos, conseguiram chegar à Praça da Sé em cuja catedral, muito cheia, seria realizado o culto. O rabino Henry Sobel, o reverendo Jaime Wright e Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo Metropolitano, realizaram o culto. Dom Helder Câmara, no recinto, não usou da palavra junto a esses religiosos. Ali, na catedral e na praça, aquelas mais de 8.000 pessoas expressaram com sua presença repúdio aos ditadores, e solidariedade, em grande silêncio. Sua presença dizia tudo.

Câmara e Sobrado

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