Ruy
Medeiros
Para
Jânio Freitas
Por
telefone, um amigo perguntou-me que sentimento eu experimentei ao ver
em blogs conquistenses imagens do Engenheiro no diminuto encontro
realizado na sexta-feira, dia 31, na Câmara Municipal, por pessoas
que estão criando o Aliança pelo Brasil, em Vitória da Conquista.
O
Engenheiro trabalhou em empresa de Rubens Paiva, assassinado pela
ditadura militar, cujo corpo nunca foi entregue à família da
vítima. Mas também ele trabalhou para a empresa mais emblemática
do Brasil que, combatida pelos asseclas do imperialismo, mereceu
defesa em todo território nacional, com passeatas, palestras,
comícios, músicas e até um filme com o nome da campanha de defesa:
“O Petróleo é nosso”.
Empregado
da petrolífera, o Engenheiro foi vítima do regime militar: perdeu
um dos empregos mais cobiçado na época (técnico da Petrolífera),
foi preso, seus carcereiros tentaram descumprir a Ordem de Habeas
Corpus que lhe foi concedida (ainda não havia o Ato Institucional n°
5, que proibiu Habeas Corpus para presos políticos).
Já
após a ditadura militar, com o regime constitucional implantado em
1988, as vítimas da ditadura foram contempladas com o direito de
receber indenização do estado brasileiro. Era o caso do Engenheiro,
pois este tinha sido preso e fora expulso do emprego. Nunca os
militares (exceto os que foram suas vítimas fardadas) aceitaram a
política de pagamento de indenização às vítimas da ditadura
militar, inclusive o atual Presidente da República. Alguns mesmo
negam que a ditadura existiu, como é o caso do chefe maior do
Aliança pelo Brasil, em desrespeito à história, ao sofrimento de
milhares de pessoas e à memória da sociedade.
Mas,
quando vi texto e imagem do evento, sobre o qual o amigo me pedia que
lhe informasse o que eu senti diante daquilo, o que logo me veio à
mente foi a figura do Professor. Exatamente a imagem daquele
Professor que marcou a formação de gerações de conquistenses.
Um
dia, era em maio, quando, dando sequência à repressão sobre os
vencidos, sequazes dos ditadores acantonaram em Vitória da
Conquista, o Professor foi conduzido à prisão, não porque tivesse
cometido qualquer crime, mas por ele ser o que era. 1964 marcava o
início de um ciclo de crimes dos agentes do Estado contra
adversários reais ou assim considerados por eles. O Professor e
outros Conquistenses foram encarcerados. Um deles encontrou a morte
na prisão.
Eu
conheci o Professor. Fui seu aluno no Ginásio, no Instituto de
Educação Euclides Dantas. Esteve preso em 1964, em Salvador, foi
solto, depois, em seguida a Inquérito Policial Militar (IPM), foi
denunciado formalmente e preso. Visitei-o na casa de Detenção. Ele
e os outros acusados na mesma denúncia tiveram, decorridos anos após
o Golpe militar, reconhecida a prescrição dos delitos que não
cometeram.
Tive
a honra de requerer, como permitiu lei anistiadora, seu reingresso ao
serviço público, no cargo de docente. Ele realmente voltou às
salas de aula. Para comemorar seu reingresso, foi promovida uma
solenidade para a qual o Centro Espírita Humberto de Campos cedeu
seu auditório. Eu tive honra e alegria de ser apresentador do
evento. O salão encheu. O professor, esposa, filha e o filho, o
Engenheiro, ali estavam. As pessoas ouviram oradores, mas estavam
mesmo ansiosos pelas palavras do Professor, que falou sob silêncio
reverente seguido de palmas. O Engenheiro agradeceu a todos em nome
da família. Abracei a todos. Os presentes abraçaram-se.
Pensei
responder ao amigo perplexo que me telefonou. Demorei um pouco. Falei
em algo como memória decepcionada. É que se desenrolava na mente o
trajeto de combates e sofrimentos do Professor.
Senti
o golpe.
(03/02/2020)