De Piri a Piripiri
25th/jan/2009 . 1:18 pm
Ruy Medeiros
Mozart Tanajura,
culto professor a quem a cultura conquistense muito deve, honrou-me com a
leitura de artigo despretencioso que publiquei neste jornal ( “Olhar sobre a
Serra do Piripiri”) e fez algumas observações sobre a significação que
apresentei para as palavras piri e piripiri. Assim, volto ao tema – não da
serra, mas da palavra – porque a credibilidade da informação é importante para
o leitor.
Primeiramente vejamos o que é “piri”,
na acepção que interessa ao texto anterior.
“piri” é uma palavra de origem tupi, que foi recepcionada pela língua
portuguesa com o significado de “junco”. “Junco” em seu sentido geral, não
específico, mas significando planta junciforme. Adalberto Prado e Silva e
outros (“Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa” 1979), diz: “Piri, s.m.
(tupi). Bot. Espécie de junco ( cyperus giganteus) que nasce nos terrenos
pantanosos; piripiri, tabua. 2. Terreno pantanoso onde vegeta preferentemente
essa espécie de junco. Piri-da-mata-virgem: planta ciperácea (cephalocarpus
dracoenula)”. Já Hildebrando de Lima (“Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa”)
registra: “Piripiri, s. m. ( Bras). Piri, planta aquática de que se fazem
esteiras”. Antonio de Morais Silva (“Grande Dicionário da Língua Portuguesa”)
informa: “Piri, s.m. Bras. do N. Espécie de junco II Terreno alagadiço onde
cresce essa planta”. “Piripiri (….) Bot. Designação brasileira. Erva vivaz da
família das ciperáceas II Bras. O m. q. piri, Planta aquática de que se fazem
esteiras (…)”. Aurélio Buarque de Holanda ( “Novo Dicionário Aurélio”),
escreve: “Piri. { Do tupi} pi’ ri, “junco. s.m. Bras. N. espécie de junco da
família das ciperáceas ( Rhynchospora Cephalotes), que cresce nos terrenos
pantanosos, e do qual se fazem esteiras; piripiri (…)”. “Piripiri, s. m. Bras.
Piri: “as crianças sentadas em fresca esteira de piripiri” (Raul Lima, “Fio do
tempo, pag. 127)”. Antenor Nascentes (“Dicionário Etimológico Resumido”)
informa: Piri. Do tupi pi’ri , “junco”. Vicente Chermont de Miranda (
“Glossário Paraense”) documenta: Piri ( Piry), s.m. Cyperus Giganteus. Grande
ciperácea dos campos baixos e atolentos conhecida pelo nome de tábua no
continente”. Antonio Geraldo da Cunha (“Dicionário Etimológico Nova Fronteira
da Língua Portuguesa”) menciona: “Piri, s.m. espécie de junco, piripiri, c.
1777, forma reduzida de piripiri (….) piripiri, s.m. espécie de junco da fam.
das ciperáceas, piri (…)”. Grande Enciclopédia Delta Larousse traz: “Piri,
s.m.. bot. o mesmo que capim-de-bolota”.
Então, foi no sentido de “junco” (plantas junciformes), geral, não
específico, que a palavra piri foi recepcionada na língua portuguesa.
O sentido original, tupi, seria
também este?
- Luiz Caldas Tibiriçá (“Dicionário Tupi-Português”) diz: “Piri – nome
de várias plantas que nascem no bbrejo; por ext. brejo”. “Piripiri – junco;
Taquarinhas com que os índios faziam flauta-de-pan”. Silveira Bueno (
“Vocabulário Tupi-Guarani Português”), esclarece: “Piri – s. junco aquático de
que se faziam esteiras”, Piripiri – s. Mais comum pirpiri, junco aquático. Veja
piri”. Mario Arnaud Sampaio ( “Vocabulário Guarani Portuguës”) ensina: “Piri.
Junco. Planta juncácea, de talos lisos flexíveis e pontiagudos, que nascem nos
lugares úmidos. Cyperus juneifolius (…)”.
Assim, os dicionários da língua portuguesa e os que vertem o tupi para o
português atestam que “piri” foi recepcionado pela língua portuguesa com o
sentido que tinha no tupi: Planta junciforme, quer se trate de juncácea,
tifácea ou ciperácea. O leitor observou que os dicionaristas falam de “junco”,
mas especificam às vezes o que querem dizer com isso, e respectivamente falam
em planta ciperácea (ora Cephalocarpus dracoenula, era Cyperus Gaganteus, ora
Rhynchospora Cephalotes, ou Cyperus juneifolius), e em planta juncácea. Mas se
admitirmos ( o que não é errado) que “piri” também é tabua, aí estariamos
diante de pelo menos duas tifaceas: Typha dominguensis Pers. e Typha L.
Portanto não é errado dizer que piri
também é taquara, taquarinha, criciúma.
Também há quem afirme, como visto, que piri é forma reduzida de
piripiri, ou que também significa piripiri.
Que é piripiri?
No artigo referido ( “Olhar sobre a Serra do Piripiri”) disse que
Piripiri foi incorporado à língua portuguesa com significado de junco e de
brejo. E que piripiri é aumentativo de piri.
Quando falei que piripiri é “aumentativo”, desejei exatamente dizer
abundância, ou extensão, tanto que deixei claro: “Uma extensão de piri é um
piripiri”.
Mas, não seria errôneo dizer que piripiri é aumentativo de piri. Que diz
o filólogo Antenor Nascentes ( “Dicionário Etimológico Resumido”)? – Diz:
“Piripiri, aum. de pi’ri “junco”.
É evidente que em tupi faz-se aumentativo pela posposição do sufixo
guaçu, que pode apresentar-se nas formas açu, uçú, uaçu, mantendo o mesmo
significado. Mas, o coletivo (idéia de multiplicidade) se faz com o emprego do
sufixo tyba (ou tuba), rendaba e reya (araçatuba é lugar em que há muito araçá,
rerityba é local onde há muita ostra, etc). Ora, há casos em que a repetição
pode significar aumentativo: “Em alguns casos especiaes, a repetição do próprio
substantivo ou do suffixo que junto delle exprimia abundância, serve também
para formar o grau aumentativo” (Ayrosa, Plínio – “Primeiras Noções de Tupi”,
São Paulo, 1933). Como vimos, Antenor Nascentes diz que “piripiri” é
aumentativo de piri. Optei, no entanto, pelo entendimento que piripiri é uma
extensão grande de piri. São idéias analógicas.
Piripiri significa, dentre outras coisas, junco e brejo. Com este
sentido, dentre outros, foi recepcionado pela língua portuguesa e é vocábulo
dicionarizado.
O mestre Antonio Geraldo da Cunha ( “Dicionário Histórico das Palavras
Portuguesas de Origem Tupi”), é esclarecedor:
“Piripiri (……)
Ëspécie de junco da família das ciperáceas, piri. 1.587. G.S. Sousa,
Notícia do Brasil ( ed. Pirajá da Silva, II, XIX, 116): As embarcações de que
este gentio (caités) usava, eram de uma palha comprida como a das esteiras de
tabua, que fazem em Santarém, a que eles chamam periperi, a qual palha fazem em
molhos muito apertadas com umas varas como vime, a que eles chamam timbós, que
são muito brandas e rijas, e com estes molhos atados em umas varas grossas
faziam uma feição de embarcações, em que cabiam dez a doze índios, que se
remavam muito bem, e nelas guerreavam com os Tupinambás neste rio de S.
Francisco, e se faziam uns a outros muito dano”. 1874 Taunay. Histórias
Brasileiras 22: Os arredores da villa de Miranda são baixos e apaulados,
cobertos, não raras vezes em vasta extensão de piripiris, juncos que mergulham
as raízes n’agoa ou no lodo e morrem na época dos grandes calores”. 1878 Idem
Narrativas Militares 33: Vinha então a nossa tropinha por trilha alagada e
aberta em campos de juncos piripiris; (…) 1935 Jorge de Lima, calunga i,15:
Agora terreiros varridos com meninos jogando carrapeta, castanha, mulheres de
pernas cruzadas em esteiras de periperi, batendo os bilros nos papelões de renda,
negrotas catando cafunê nas amigas, sentadas nos batentes dos mocambos, cães
avançavam contra o trem acompanhando a carreira de Balduina”.
Luiz Caldas Tibiriçá ( “Dicionário de Topônimos Brasileiros de Origem
Tupi”) assenta: “Piripiri – cid. do Piaui; de piripiri, brejo”.
Acredito ser correto dizer que Piripiri, uma extensão de piris, veio a
significar “brejo”, por força de metonímia, como disse antes:…..
O próprio nome piri passou a significar brejo ou algo semelhante,
conforme indicado por Bernardino José de Souza ( “Dicionário da Terra e da
Gente do Brasil”): “Peris: Terrenos que no inverno ficam cobertos d’água,
formando um lago florido, e no verão se transmudam em savana escura, seca, com
torroadas, cobertas de juncos secos, razão de seu nome, pois que peri ou piri é
uma gramínea própria do Pará e Maranhão” (…) “Piri: Terreno alagadiço, onde
vegeta abundantemente a gramínea piri (cyperus giganteus Vahl)”
Mas, qual a grafia certa? Piripiri? Periperi?
-Ambas são usuais (as citações feitas já o indicam).
Alguns dicionários registram as variantes. Grafam a forma piripiri,
dentre outros: O “Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa”, da Academia
Brasileira de Letras; o “Grande Dicionário da Língua Portuguesa’ de Antonio de
Morais e Silva; o “Pequeno Dicionário da Língua Portuguesa de Hildebrando Lima;
o “Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa”, de Adalberto Prado e Silva e
outros; o “Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa”, de Aurélio Buarque de
Holanda; “O Dicionário Histórico das Palavras Portuguesas de Origem Tupi” e o
“Dicionário Etimológio Nova Fronteira da Língua Portuguesa”, de Antonio Geraldo
de Melo (este último autor acata também a variante periperi). Tanto em textos
antigos (exemplo – Gabriel Soares de Souza, em “Notícia do Brasil”), quanto em
novos (exemplo – Jorge de Lima, em “Calunga”) aparece a forma periperi, o mesmo
ocorrendo quanto à forma piripiri (exemplos- Taunay, em “Narrativas Militares”,
de 1874, e Raul Lima, em “O Fio do Tempo”, 1970). Tranquilino Torres (“O
Município da Victoria”), usou, em fins do século passado, “periperi; alguns
mapas atuais grafam periperi. O IBGE, falava em “Periperi de Poções”, para
indicar o distrito que se transformou em Município de Planalto. Em início do
século atual, o Dr. Alberto Leal, em sua planta de levantamento da área
pertencente à Nossa Senhora da Vitória, grafou Pery Pery. Uma cidade do Piaui é
chamada Piripiri. E Odibar/Paulo Diniz dizem: “Em vim de Piri Piri”- ( “cana de
canavial/ dá licença de chegar/ eu vim de Piri Piri/ eu vim de Piri Piri/ vim
prá ver como é que é/
O amor que existe aqui….”)
Como se vê, o vocábulo é democrático, admite variantes.
Porque “periperi”? – Ocorreu uma
dissimilação:
O i é repetido sucessivamente (piripiri). Em nossa língua ocorre
processo em que o i, numa palavra em que ele se repete é substituído por e:
José de Sá Nunes, quando estudou o vocábulo Jequié ( Boletim Geográfico, nº 66,
ano VI, 1948, páginas 608-614), demonstrou que no caso (Jiquié) o i átono
passou a e: Jequié. Penso que ocorreu o mesmo fenömeno de dissimilação com a
palavra piripiri, embora não seja expert neste tipo de questão.
De tudo, concluo:
a) A palavra Piri foi recepcionada em nossa língua como junco, no
sentido geral, especialmente tabua (esta só é junco em sentido geral,
especficamente, não o é); e no sentido de brejo, ou terreno alagado, com piris;
b) Piripiri é uma extensão de junco, juncada (embora não seja errado
dizer que também pode significar o aumentativo de piri, ou abundância de piri);
c) A língua portuguesa recepcionou a palavra piripiri em dois sentidos
básicos: a) junco; b) brejo (área alagadiça, várzea);
d) Periperi é variante de piripiri; ambas as formas são abonadas por
autores antigos e modernos;
e) A recepção da palavra piripiri no sentido de brejo ocorreu por efeito
de continuada metonímia (sentido diacrônico desta, tal como empregado na
linguística histórica);
f) A forma periperi deve ter ocorrido por força do fenômeno da
dissimilação.
Este artigo é uma forma de respeitar a contribuição que o amigo Mozart
Tanajura ofereceu para a elucidação do “topônimo periperi”.
É claro que há outros sentidos para a palavra piripiri, mas não é objeto
do presente artiguinho, que nasceu por força do olhar sobre a serra que envolve
Vitória da Conquista. Dá, pois, “licença de passar, eu vim de piripiri”( da
serra – é evidente) “prá ver como é que é/ o amor que existe aqui”
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