terça-feira, 22 de maio de 2012


Diversificação econômica, fator demográfico e participação política em Vitória da Conquista
31st/jan/2009 . 10:02 pm 

Ruy Medeiros
O presente estudo analisa o surgimento de um discurso político, em Vitória da Conquista, diferente do discurso tradicional voltado exclusivamente para o interesse da grande propriedade territorial. Isto é, procura responder porque surgiu um sentimento oposicionista mais aberto à participação popular, em nosso município, até meados da década de 1950.
TEMPO DE CORONEL
É fato que a disputa política em Vitória da Conquista desenvolvia-se entre famílias ou grupos de famílias tradicionais, defendendo, essencialmente, o mesmo tipo de política. A divergência era mera contradição no seio dos senhores proprietários rurais “donos de gado e gente”.
A crônica política presencia uma série de pequenos acontecimentos que, na perspectiva dos interesses locais, eram julgados relevantes. Disputas e acordos de famílias, empreitadas e jagunços, comícios com circunstantes armados são ingredientes do processo político, num quadro de economia agrária, onde o poder de mando era disputado apenas por fazendeiros.
A Revolução de 1930 não teve o dom de modificar substancialmente, entre nós, as relações de poder deferidas às famílias de feição tradicionalista. Juracy Magalhães, escolhido Interventor do Estado, em nota oficial de 24.09.1930, diz “ter resolvido não se fazer, por ora, nenhuma modificação na situação dominante dos municípios, conservando-as até que seja estudado o assunto, tomando então medidas que forem necessárias sem a menor preocupação partidária”. Mais tarde, em 1933, através do Partido Social Democrático, o “Tenente” passou a apoiar-se nas “oligarquias” locais. Em Vitória da Conquista, o Partido Social Democrático tem como chefe Deraldo Mendes Ferraz, expressão de primeira grandeza do latifúndio na região.
A escolha do interventor se não fosse deferida a um grupo familiar agrário, o seria para outro de base econômica idêntica, pois as chefias políticas locais derivavam sua importância do fato de serem grandes proprietários rurais e a economia do tempo era predominantemente agrária – “criação de gado”. Esta diretriz do Sr. Juracy Magalhães está claramente definida em carta enviada ao Sr. Getúlio Vargas acerca do momento político baiano.
Assim, com força decorrente do seu próprio poder econômico e dotado do auxílio do Governo do Estado, o chefe familiar disputava o governo local apenas com outro chefe de característica idêntica.
A economia agrária, nucleada em propriedades relativamente grandes, projetava-se política e socialmente sobre o município. O dono da terra detinha o monopólio do poder político.
O comerciante – pela própria fraqueza do comércio naquele tempo – e os profissionais liberais não podiam apresentar alternativa política. Às vezes fornecedor, e sempre cliente do comerciante, o grande fazendeiro impunha a fidelidade daquele ao seu desígnio. Único cliente, com condições de pagar serviços, diante de uma massa de miseráveis, o fazendeirão dominava e colocava a seu serviço os poucos profissionais liberais.
Os pobres do campo, por sua vez, são inteiramente dominados por um conjunto de mecanismos capazes de impedir o desenvolvimento de uma consciência política. São geralmente agregados da fazenda. Sua inteira dependência ao dono da terra, reforça-se por laços de compadrío e outras características de um sistema de clientela. Não se vinculam a um sistema político, dependem do dono da fazenda, dependência esta mais brutal quando se sabe que a atividade dominante, “a pecuária”, absorve pouquíssima mão de obra. Sem terra e sem trabalho numa região em que “o exército de reserva de mão-de-obra” é amplo, o emprego é um “dom divino”e a “agregação” um favor que impõe a fidelidade. A estrutura social, definida pelo conjunto de fazendas símiles, entorpece qualquer pensamento político por parte do pobre do campo. Não é o trabalho subordinado contratual que existe; o que existe é o trabalho do camponês que aparece como favor deferido a este pelo dono da terra.
O monopólio da terra, a disparidade entre homens disponíveis ao trabalho e a inexistência de mercado de trabalho, fazem com que o fazendeiro seja o dono da vida e imponha seu domínio à legião dos pobres dos campos.
Não havia ninguém em condições de se opor eficazmente ao “coronel”. O poder de mando local enraizava-se no controle de terra e efetivava-se através da família.
O poder municipal e mesmo as instituições de estado sediados no município colocavam-se à disposição do núcleo familiar que dominava a prefeitura e sua atuação, às mais das vezes, era permanente cumprimento dos desejos daquela família. Se é verdade que a força armada privada dos proprietários rurais, após 1930, vai gradativamente declinando, não é menos verdade que a delegacia de polícia pode ser colocada a serviço dos fazendeiros mais importantes. Note-se, aliás, que o cargo de delegado normalmente mal remunerado, em Vitória da Conquista sempre esteve, com raras exceções, em mãos de familiares de proprietários de terra. O clientelismo e o controle econômico fixam as bases eleitorais dos núcleos familiares.
TEMPO DE MUDANÇA
A dinâmica social seria responsável pela mitigação daquele domínio puramente familiar.
Novos fatores vão penetrar a realidade social, refletindo politicamente nas disputas em torno do mando local. Outros personagens e fatos novos começarão a conspirar contra o monopólio do poder assegurado às famílias tradicionais.
Como e porque a vida política municipal vai contar com novos participantes ao lado dos núcleos familiares agrários?
É que, a partir da década de 1940, o mundo social do município se transforma.
O setor urbano amplia-se na referida década e, para usar palavras de um observador do tempo, “vieram as primeiras casas comerciais dignas desse nome”. As ligações rodoviárias com outros centros e a Segunda Guerra Mundial auxiliaram grandemente o desenvolvimento da cidade.
Começaram a ser criadas condições para a relativa independência dos comerciantes, pois a ampliação do setor urbano proporciona o surgimento de novos consumidores, deixando o consumo de ser monopólio dos fazendeiros. O fato, aliás, de ao lado da pecuária, desenvolverem-se atividades agrícolas para suprimento da cidade que crescia, introduz o agricultor na cena política, embora bem menos importante de que o pecuarista.
Aos poucos, o comerciante passa a ser considerado nas articulações políticas dos criadores de gado bovino.
Mas não é só o comerciante o dado novo na sociedade. É certo que os proprietários rurais, agrupados nos partidos políticos, os cortejam. Mas outros fatores iniciam seu crescimento, com tendência a solapar o domínio dos ricos proprietários territoriais.
É que, no decorrer de toda aquele década e na década seguinte, o núcleo urbano não para de crescer e seu contingente populacional vai se aproximando do contingente populacional da zona rural. Se se notar que esse crescimento de população é, grandemente, ensejado pela migração, conclui-se que milhares de pessoas deixam de estar diretamente sob o cabresto eleitoral do rico dono da terra. O controle eleitoral sobre os habitantes da cidade passa a ser problemático e, à medida que as atividades econômicas se diversificam, grande número de pessoas deixam de estar sob o domínio direto do fazendeiro de gado.
Assim, o fator populacional, inclusive no que diz respeito à predominância de jovens e o surgimento do comércio desorganizam a velha estrutura de mando e novos agentes sociais têm, necessariamente, de serem contemplados no discurso político.
O MIGRANTE E O DONO DA TERRA
Observou-se que a migração para Vitória da Conquista explica em grande parte o crescimento demográfico do núcleo urbano, Mas a contribuição do migrante não é só esta.
Realmente, o “chegante” por estar desligado de interesses locais tradicionais, arraigados, passou a ser agente democratizador em relação à ordem vigente, pois, dirigido para atividade essencialmente urbana, não precisava dever vassalagem ao latifúndio nem estava ligado a corte clientelista das velhas famílias.
Os componentes da alteração do jogo político vão atuando: comerciantes, comerciários, artezãos, migrantes (“chegantes”). Sobre estes últimos, já em 1945, há quem defenda suas prerrogativas políticas: “Agora que se fala em eleições, o “minhoquismo” veio à tona. Além da corrente de mentalidade arejada, que afirma que qualquer brasileiro poderá dirigir, sem desdouro, o destino de Conquista, há outra corrente de visão estreita e de horizontes acanhados que teima no velho erro de que só um filho da terra poderá e deverá dirigí-la.
“Não conhecemos maior despautério. A naturalidade não é título de habilitação para coisa nenhuma.
“(…) sendo assim, por que fazermos dela a razão de ser exclusiva das nossas preferências à escolha de candidatos a prefeito ou a que quer que seja?
“O fato de um cidadão ser conquistense não implica em que esse mesmo cidadão seja capaz ou incapaz de função pública. Logo, a naturalidade não conta.
“Conquistense ou não, o futuro dirigente de Conquista deverá ser, acima de tudo, capaz. Capaz pelo dinamismo. Capaz pela probidade. Capaz pelo conhecimento dos nossos problemas mais instantes e pela boa vontade e coragem de solucioná-los.
“A obsessão pelo “Filho da Terra” é tão perniciosa quanto a obsessão pelo “forasteiro”.
“Mas, como no momento é aquela a que nos ameaça, libertemo-nos de preconceitos anacrônicos e rotineiros, combatendo, desinteressada e superiormente o mal.
“Pela paz e progresso de Conquista, guerra ao “minhoquismo”. (Jornal “A Conquista”, 20 de fevereiro de 1945, página 6)
Os novos agentes sociais, com interesses políticos próprios, serão auxiliados, ainda, pelo parcelamento da terra que se processa nas décadas de 1940, 1950, 1960, e que diminui e dispersa o poder de controle para a mão de vários proprietários menores, com julgo sobre menor número de “roceiros”, em substituição a poucos detentores de grandes fazendas.
NOVO RELACIONAMENTO DE FORÇAS
Mostrou-se que o setor urbano passou a preocupar os importantes donos de terra. Os novos setores passam a ser considerados. Em relação a isso, os grupos familiares, agrupados em agremiações políticas, exercem contínuo cortejamento. O ganho das eleições depende, em grande parte, dos novos agentes sociais. A política da promessa de cuidar dos interesses do núcleo urbano se instala. E os melhoramentos realizados no espaço físico urbano não é, senão reflexo disso. O grupo que consegue a simpatia dos novos agentes tem condições de impor sua hegemonia.
O ESCOADOURO POPULISTA
Se é verdade que novos agentes sociais surgiram na cidade, dotados de interesse próprio, é igualmente verdade que, além da política de cortejamento, surge outro discurso político. Este, que convive com aqueloutro, possui uma formulação mais bem elaborada. Não podia ser diferente. As novas forças sociais, a mendicância, a pobreza, desacredita a estruturação tradicional local do poder. É preciso modernizar o poder e é necessário considerar-se os mais dominados. Plasmava-se, enfim, um povo no sentido político do termo, que necessitava ser considerado em conjunto.
A formulação política oposicionista predominante na década de 1950 – surgida como resultado de todas as transformações locais assinaladas – Em Vitória da Conquista, é um tipo de populismo. O líder da nova corrente, advogado, ex-combatente pela causa da paz, com o slogan de “O Tostão contra o Milhão” mobiliza toda a cidade.
A postura populista do novo líder não significava que em torno de sí deixassem de gravitar personagens ligados ao tradicionaísmo e que se opunham ao núcleo familiar que detinha o controle da administração pública do município ( 1954).
Aquele advogado não conseguiu o mando local com a postura populista, mas sua campanha pôs em evidência um conjunto de interesses e idéias contrárias ao tradicional domínio puramente familiar.
O pensamento oposicionista iria esperar até 1962 para, em curto período, experimentar o governo municipal. Aquele causídico populista, a que este estudo se refere, tempos depois voltaria à cena política e ao governo da cidade aliado aos seus antigos rivais conservadores. Ele, decididamente, apesar de poeta, não teve a vocação política de Camilo Jesus Lima, personagem atraente da paisagem humana conquistense que continuou a defender todos os oprimidos pela vida afora.
Vitória da Conquista, 25 de outubro de 1977 – FIFÓ – 9

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