terça-feira, 22 de maio de 2012


Há 44 anos, um desesperado maio
29th/dez/2008 . 5:30 am 

Por Ruy Medeiros*
para Érico Gonçalves Aguiar, in memorian
Antecedentes
As eleições de 1962 foram bem polarizadas em Vitória da Conquista. Apesar de concorrerem ao mandato de prefeito mais de um candidato, a disputa esteve mesmo entre José Fernandes Pedral Sampaio, candidato da coligação PSD/MTR, e Jesus Gomes dos Santos, candidato da coligação UDN./PRP. Dr. Hugo de Castro Lima, apesar do grande prestígio que gozava na cidade, candidato do PTB, não conseguiu ampliar sua candidatura, e Jorge Stolz Dias, que houvera sido barulhento prefeito numa interinidade, candidato pelo PSP, não tinha expressão eleitoral suficiente.
Quando as eleições foram apuradas, confirmou-se o favoritismo de José Fernandes Pedral Sampaio. Este obtivera 7.051 votos, enquanto Jesus Gomes dos Santos conseguira 4.667 votos. Hugo de Castro Lima foi agraciado com 555 votos, e Jorge Stolz Dias com 96.
Aquelas eleições culminavam um processo de divergências acentuadas entre grupos. Já em 1954, não fora fácil ao grupo de Gerson Sales viabilizar a eleição de Edvaldo de Oliveira Flores. Contra este insurgiu-se mesmo uma parcela do PSD, que resolvera apoiar a candidatura de dr. Nilton Gonçalves, candidato com discurso populista. Foi a campanha do “Tostão contra o Milhão”, que tanto marcou a década de 50 em Vitória da Conquista. O “Tostão” era dr. Nilton Gonçalves, e o “Milhão” era Edvaldo Oliveira Flores. Deu “Milhão” na cabeça. Em 1958, Gerson Gusmão Sales, que havia sido prefeito, pretendeu voltar ao governo, sucedendo seu correligionário Edvaldo Oliveira Flores, e o conseguiu. Em disputa contra José Fernandes Pedral Sampaio, Gerson foi eleito prefeito de Vitória da Conquista. Então, Gerson já não estava mais no PSD. Candidatara-se pela UDN. Pedral fora candidato pelo PSD. O resultado numérico das eleições demonstrara que Gerson Sales ainda tinha muito peso eleitoral. Conseguira 7.320 votos, contra 5.432 de José Pedral.
Mas a oposição foi retomando seu curso de crescimento. Na câmara, despontava Alberto Farias, vereador muito combativo. O jornal “O Conquistense” (título que antes pertencera à situação), passou a ser veículo de aglutinação de forças. À medida que iam aproximando-se as eleições de 1962, a situação foi complicando-se para Gerson Sales. Este e seu grupo optariam por tentar dividir a oposição. Finalmente, o candidato apresentado pelas forças “gersistas” foi um vereador que houvera militado na oposição: Jesus Gomes dos Santos, poeta. Sim, o poeta de “Maria Guabiraba” e da “Procissão”, poesias que lhe causaram dor de cabeça durante as eleições, por seu conteúdo social.
José Fernandes Pedral Sampaio vencera o pleito com ampla margem de votos, considerando-se o número de eleitores da época. Foram 2.384 votos de diferença em relação a Jesus Gomes dos Santos.
O novo prefeito inicia seu governo municipal numa fase agitada da história do país. Desde a posse de Jânio Quadros na presidência da República a situação agravara-se. Era evidente que a crise não era apenas institucional.Era algo bem mais profundo. João Goulart, vice-presidente, substituto legalmente previsto de Jânio Quadros, só conseguiu tomar posse após forte reação aos militares que pretendiam dar um golpe de Estado. Surgiu uma solução: o vice-presidente assumiria o cargo de presidente da República sob um sistema parlamentar. Antiga proposta de emenda constitucional adotando o parlamentarismo foi desengavetada e aprovada. João Goulart assumiu a presidência e depois conseguiu, via plebiscito, retomar o sistema presidencialista.
A fase de governo de João Goulart coincide com momento de lutas sociais. Do ponto de vista político mais amplo, surgiu o debate em torno das chamadas “Reformas de Base”. Os reformistas, inclusive o setor majoritário das esquerdas, divulgavam amplamente que o País só cresceria e só sairia da crise se adotasse um amplo conjunto de reformas: reforma do sistema bancário; alteração na política de exportação, câmbio e capital estrangeiro; reforma agrária; reforma urbana; reforma da educação etc.
Os sindicatos passaram a atuar de forma mais ampla e fora criada a CGT (impedida, depois, por força dos acontecimentos, de estruturar-se legalmente). As esquerdas mobilizavam-se e o PCB buscava sua legalização. O “programa” do “desenvolvimentismo nacional” ganhava espaço entre políticos, intelectuais e a população.
A direita passou a articular o golpe, que seria desferido em 31 de março, ou 1º de abril, tanto faz. O fato de haver sido desferido em 1º de abril, dia da mentira, não impede a realidade do autoritarismo implantado.
Em Vitória da Conquista, as idéias de “Reformas de Base” alcançaram repercussão. Na década de 60, eram aqui discutidas e fizeram-se acompanhar de movimento mobilizador. Os bancários realizaram greve. Os pedreiros fundaram seu sindicato. Os estudantes organizaram seus grêmios e passou a haver certo movimento estudantil.
A polarização nacional repercutia em Vitória da Conquista e aqui se acentuou quando João Goulart assinou o decreto da Reforma Agrária, tímida medida de desapropriação de áreas ao longo das rodovias federais. A medida motivou muitos protestos e, em Vitória da Conquista, políticos de direita e fazendeiros reagiram. No Cine Conquista, realizaram um ato durante o qual criticaram veementemente o presidente da República, combateram a idéia de reforma e os comunistas. Os discursos dos oradores diziam mais que o simples descontentamento com a reforma agrária trombeteada, apesar de tímida em sua proposta oficial.
Mas os derrotados nas eleições de 1962 ainda viviam o desconforto da derrota. Não a aceitavam. Parecia-lhes absurdo a perda do mísero poder local. Na imprensa, com o jornal “O Sertanejo”, e na câmara, com os vereadores da UDN e do PTB, desenvolviam a oposição, quer à administração local, quer às reformas pretendidas.
O golpe
Em abril, o golpe. Parecido com todos os golpes, já disseram. O estabelecimento da ditadura, parecida a todas as ditaduras, já disseram também. A ditadura que dizia ser feita para salvar a democracia, começou como começam as ditaduras em geral – proibindo o direito de emissão do pensamento contrário ao poder e o direito de reunião. Tudo seguido de prisão, torturas, exílios, cassação de mandatos, expulsões de empregos etc, etc. A orgia sádica dos vencedores. Há situações para as quais as definições não bastam. A situação de terror imposta pela ditadura militar no Brasil é uma daquelas.
Em Vitória da Conquista, era chegada a hora da desforra. Não se tratava apenas (no entender de alguns derrotados em 1962) de combater a subversão e os comunistas. Era preciso ir à forra. Vingar-se. O caminho até maio foi difícil, mas aquele terrível mês de maio chegou. “O Sertanejo” agitava a defesa dos golpistas e, na Câmara de Vereadores, os edis da UDN e do PTB falavam em “incorporar Vitória da Conquista aos fatos nacionais recentes”. Ou seja – para ser claro – o golpe deve agir mais intensamente no município, é o que queriam dizer. Depois, abertamente, sugerem e aprovam o convite para que aqui venha apurar fatos uma comissão dos novos senhores do poder (novos?).
Maio de 1964 A.D. (A.D.?)
Em 5 de maio de 1964, eles chegaram. Em 6 de maio começaram o trabalho sujo auxiliados pelo despudor da delação. Os “comunistas” iriam “ver como se faz”.
Já no dia seguinte, 6 de maio, as prisões tiveram início. Pára um ônibus, estacionado na praça Barão do Rio Branco, no centro da cidade, eram conduzidos os prisioneiros. Dali foram levados às celas do Batalhão de Polícia (hoje 9º BPM/VC), onde eram interrogados, respondendo a IPM – Inquérito Policial Militar, sob supervisão do sr. Antonio Bendochi Alves Filho, capitão do Exército.
Foram presos Alcides Araújo Barbosa (presidente do Sindicato dos Comerciários), Altino Pereira (presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil), Aníbal Lopes Viana (jornalista e suplente de vereador), Atenor Rodrigues Lima, “Badú”, (comerciário), Edvaldo Silva (presidente da Associação dos Panificadores), Érico Gonçalves Aguiar (agricultor), Franklin Ferraz Neto (juiz trabalhista), Galdino Lourenço (motorista), Gilson Moura e Silva (radialista), Hemetério Alves Pereira (livreiro), Hugo de Castro Lima (médico), Ivo Vilaça Freire de Aguiar (funcionário público), Jackson Fonseca (radiotécnico), João Idelfonso Filho (publicitário), José Luiz Santa Izabel (bancário), José Fernandes Pedral Sampaio (engenheiro civil, prefeito), Juracy Lourenço Neto (comerciário), Lúcio Flávio Viana Lima (bancário), Luis Carlos (bancário), Paulo Demócrito Caires (estudante), Péricles Gusmão Régis (comerciário e vereador), Raimundo Pinto (comerciante), Raul Carlos Andrade Ferraz (advogado), Reginaldo Santos (bancário, diretor do jornal “O Combate”), Vicente Quadros Silva Filho (radiotécnico) e outros.
Depois, foram presos Everardo Públio de Castro (professor), Anfilófio Pedral Sampaio (funcionário público e suplente de vereador), Camilo de Jesus Lima (escritor e oficial do Registro de Imóveis), este preso em Macarani e transportado para Vitória da Conquista. Flávio Viana de Jesus, marceneiro e diretor do Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil, não suportando mais a pressão de boatos e intimidações, entregou-se à prisão. A repressão não ficou nisso. O Sindicato dos Trabalhadores na Construção Civil foi fechado e a população foi atemorizada. No próprio dia 6, por determinação militar, a Câmara de Vereadores cassou o mandato do prefeito e empossou no cargo o vereador Orlando da Silva Leite, que seria eleito formalmente, pela Câmara Municipal, prefeito, em junho. O cerco aumentava, a direita divulgava boatos, os meios de comunicação elogiavam os ditadores. Em 13 de maio de 1964, um dos presos, Péricles Gusmão Régis(1) apareceu morto na cela onde fora aprisionado. Era um vereador combativo. Embora vinculado ao MTR – Movimento Trabalhista Renovador – pelo qual fora eleito, tinha ligação com grupo de esquerda (sempre que ia a Belo Horizonte, voltava com literatura política entregue pelo grupo, ao que consta). Sua morte não foi bem explicada e a informação oficial (que aparece em seu registro de óbito) é a de suicídio. É possível que tenha sido assassinado. Um dos presos na época relata que ouvira de um companheiro de cela a informação de que havia ocorrido luta corporal entre Péricles Gusmão Régis e o capitão Bendochi Alves Filho. O primeiro parente a ver o corpo nu de Péricles estranhou a grande quantidade de hematomas e de cortes e ficou com a impressão de que Péricles tenha sido torturado, amarrado com fios metálicos finos que o cortaram quando tentara desvencilhar-se. Os cortes teriam sido provocados pelo fio, e não pela lâmina de barbear encontrada na cela(2).
O grande cortejo fúnebre de Péricles Gusmão Régis não foi simples homenagem ao morto. Aí estava presente o profundo sentido de protesto: protesto, pesar e homenagem.
Dentre os presos, Atenor Rodrigues Lima (Badú), Camilo de Jesus Lima, Flávio Viana de Jesus, Franklin Ferraz Neto, Hemetério Alves Pereira, João Idelfonso, José Pedral, Paulo Demócrito e Raul Ferraz foram transferidos para Salvador, onde permaneceram respondendo a IPM. Seriam liberados depois, demorando mais o professor Everardo, que ficou onze meses e que seria o único formalmente condenado por crime político, em razão do referido IPM, retornando anos depois à prisão(3). José Pedral teve seus direitos políticos suspensos por dez anos, quando da edição do Ato Institucional nº 2 pela ditadura militar.
* Ruy Medeiros é advogado e historiador

Nenhum comentário:

ó quão dessemelhante

Ruy Medeiros | ó quão dessemelhante 0  6 de novembro de 2024, 0:28  / Anderson BLOG  @blogdoanderson Lembro-me dos colegas que antes de mim ...