Igaporã e sua
História
20th/jan/2009 . 12:02 am
Ruy Medeiros
“ Uma Comunidade
Sertaneja – da Sesmaria ao Minifúndio (um Estudo de História Regional e Local)”
é a história do município de Igaporã, dentro do contexto da Serra Geral da
Bahia. Trata-se de importante monografia escrita pelo professor Erivaldo
Fagundes Neves. De logo, ressalte-se que não se trata do modelo tradicional de
história local desenvolvido até hoje no Brasil ( com raras exceções), que é
mera atualização do modelo das velhas corografias. Não. Trata-se de resultado
de pesquisa muito séria e com bom nível interpretativo.
O autor
Erivaldo Fagundes Neves nasceu no distrito de Bonito, hoje município de
Igaporã, Bahia, em 1946. É filho de Joaquim Fagundes Chaves e Adelina Rodrigues
Neves. Seu pai era pequeno proprietário rural (médio proprietário em relação ao
contexto de Igaporã).
Joaquim Fagundes Chaves de seus dois consórcios teve dez filhos. Família
grande, como a maior parte das famílias sertanejas. Difícil manter todos
juntos.
Erivaldo, logo migrou para São Paulo em busca de trabalho e saber. Antes
da cidade grande, conheceu os bancos da escola rural, em Caitité, do Ginásio
Anísio Teixeira, e os do seminário dessa “Corte do Sertão”. Aí também fez o curso normal
(magistério). Quando chegou em São Paulo, julgou ser conveniente cursar o
“pré-vestibular”. E o fez.
Retornou à Bahia e foi aprovado para o Curso de História da Universidade
Católica do Salvador. Os estudos eram divididos com a militância política entre
os colegas. Formou-se em 1976. Mas não ficou na licenciatura. Cursou
especialização em “Conteúdo e Métodos no Ensino Superior” (na UFBA), e mestrado
em História na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Atualmente é
professor de História na Universidade Estadual de Feira de Santana, na qual
ingressou em 1978 e da qual foi vice-reitor (1987-1991).
Erivaldo Fagundes Neves tem estudos publicados em revistas
especializadas e pacientemente está elaborando estudo mais amplo sobre o sertão
baiano (Região da Serra Geral). É um estudioso e incentivador da história do
interior baiano.
O Livro
“Uma Comunidade Sertaneja: Da Sesmaria ao Minifúndio ( um estudo de
História Regional e Local)”, publicado em maio de 1988 pela Editora da
Universidade Federal da Bahia (EDUFBA), resulta de demorada e ampla pesquisa em
arquivos (a fonte oral é milionésima parte).-
O autor situa o universo de seu estudo e filia as origens de “Bonito”
(hoje Igaporã) a um dos “mega. latifúndios” da casa da torre. Na busca
das origens históricas de sua terra natal, Erivaldo desce a detalhes de
nominação dos primeiros habitantes portugueses e das primeiras fazendas. Dos
velhos papéis saltam para o livro novo os Azevedos. Os Gondins, os Prates, os
Almeidas, os Carvalhos Cotrim, os Meiras, os Costa, os Gomes, os Ladeiras, os
Vilas Boas, os Pereira de Castro, os Xavier do Rego, troncos de tantas famílias
sertanejas. Emergem as velhas fazendas Bonito de Baixo, Bonito de Cima,
Caraíbas, Gameleira, Lagoa Funda, Santo Antonio, São Bento, Tamanduá, etc. e
suas subdivisões posteriores.
Os capítulos iniciais do livro (1, 2 e 3), que tratam da caracterização
e localização do objeto de Estudo, das Sesmarias do Alto sertão, do Povoamento,
Posse e Propriedade da terra, apesar de amparados em profunda pesquisa
arquivística e de resultarem muito positivos para a concretização do projeto de
descobrir a história de Igaporã, às vezes apresentam problemas de exposição da
matéria: Há algo como fragmentações aqui e alí. Problema que fica um tanto
minorado com a contextualização do “local” num espaço maior, mas que não deixa
de dificultar o curso da leitura.
É bom assinalar que o autor poderia ter enfrentado, quando trata do
povoamento, uma questão crucial: Qual a importância da localização (Serra
Geral) para a fixação dos primeiros povoadores, no contexto maior da ocupação
do território induzido pela mineração? – É que a chamada Serra Geral da Bahia
serviu como traço de união entre duas unidades de mineração que foram muito
dinâmicas durante algum tempo, Minas do Rio de Contas (Chapada Diamantina
Meridional) e Minas Novas (Alto Jequitinhonha, Minas Gerais, antes integrante
da Bahia). Aliás, compõem com a Serra Geral de Minas, segundo, alguns, a
unidade de relevo chamada “Geraisínhos”.
Já os capítulos 4, 5, e 6, que tratam da policultura sertaneja, do poder
local e da escravidão, apresentam uma boa exposição da matéria e um nível mais
aprofundado de análise.
Servem, em verdade, como modelos no gênero. Nunca é demais enfatizar – e
o autor o faz amparado em fontes seguras – que a policultura foi o meio
encontrado pelo colonizador (enquanto colonizador propriamente ou enquanto
simplesmente homem em busca de sobrevivência) para o povoamento não indígena
nas agrestidões sertanejas. Um dos mais lúcidos administradores coloniais ( o
Conde de Sabugosa) chamara a atenção da metrópole de que para garantir o Brasil
era necessária a ocupação agrícola dos espaços interioranos. A distância de
centros de abastecimento, o baixo nível técnico da produção, as dificuldades de
comunicação, a dispersão do povoamento, etc, – impuseram como necessidade a
fazenda policultora. Mesmo que esta, a partir de certo momento, produzisse
excedente de gado ( e de couro exportável) e produzisse algodão para a
indústria estrangeira, a cultura de subsistência era fundamental.
O livro revela o universo sertanejo da terra (que depois seria
parcelada, mas que também voltaria a concentrar-se), com seus oficiais das
milícias, e depois os da Guarda nacional, seus escravos, seus agregados. Uma
aristocracia acanhada, armada, que escraviza, mas que definha com o passar dos
anos.
Cartas, inventários, livros notariais, leis, ofícios, cartas patentes,
livros de tombo, e sobretudo inventários (fontes complementadas pela frequência
a livros fundamentais) sustentam a descoberta da história de Igaporã.
A sociedade contraditória de latifundiários, pequenos proprietários,
agregados, e escravos aparece da crítica, soma e análise dos documentos. Aqui e
alí, na malha social, dados intrigantes: Um escravo casado com u’a mulher
“livre”; uma escrava casada com escravo pertencente a amo diferente; a ativa
mercância de escravos, o aluguel de escravo na agricultura… Fica uma dúvida:
Teria persistido a escravidão negra ilegal? (Não falo aqui do trabalho escravo
atual). A pergunta tem sentido: O autor fala em inventário de 1877 (inventário
de Joaquim José das Neves) que arrola escravos na faixa de 6 a 15 anos. Ora, em
1871 fora editada a Lei do ventre Livre, em 1877, um filho de escravo de seis
anos deveria estar livre. O tráfico já tinha sido abolido. Teria o inventário
sido bem posterior à morte do autor da herança, mas conservada a idade dos
escravos quando da morte daquele? Sabe-se que em alguns lugares do Império,
muitos escravos entraram após a abolição do tráfico ( o visconde de Pedra
Branca, na Bahia, por exemplo, era tido como traficante de escravos).
Abolicionistas utilizavam dados de idade de escravos, quando, isso era
possível, para provarem que sua chegada ao Brasil ocorrera após a extinção do
tráfego, pelo que aqueles não podiam ser mantidos na escravidão, por ser ilegal
a situação.
O livro de Erivaldo Neves soma-se a outros fundamentais para o
conhecimento da história sertaneja, tais como “Engenhos de Rapadura” (de
Marúsia Jambeiro) e “Uma Comunidade Rural no Brasil Antigo” (de Licurgo Santos
Filho).
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