terça-feira, 22 de maio de 2012


O GADO E OS PRIMÓRDIOS DE CONQUISTA
30th/jan/2009 . 10:25 pm 

Ruy Medeiros
INTRODUÇÃO
João, rei de Portugal, em 1728, em ordem enviada a Vasco Cesar Fernandes de Menezes, mandou que este tomasse a “resolução de Conquistar” os índios, na zona do sertão, pois, como disse o Monarca, “se o vio o que escreveste em carta de 12 de agosto do anno passado que sendo vós informado por pessoas práticas e zelosas de meu serviço de que agrande porção de terra que há no certão dessa capitania, desde as Minas do Rio de Contas athe o rio Pardo, rio Verde e cabeceiras do S. Matheus erão as melhores que tinhão todo o Brasil assim para a creação de gado como para a cultura de qualquer lavoura, achando-se vários roteyros e paulistas que affirmavão haverem aly minas riquíssimas de ouro e pedras preciosas… “esclarece o Rei que, da conquista, haveria de “resultar grandes interesses há minha fazenda, não só no descobrimento de novas minas (…) se não também povoando-se aquelle certão de fazendas de gado e plantando-se mantimentos, que os paulistas reputão esta grande parte do certão pela joia mais preciosa do Brasil.”
O documento, de que acima se transcreve trechos, evidencia que o sertão compreendido nos limites do Pardo, Verde e cabeceiras do São Mateus teve como motivação para sua conquista a criação de gado, além da cata de minas e plantio de mantimentos.
Todo o sertão baiano, com exceção em parte de Minas de Rio de Contas e Jacobina (estas durante sua fase aurífera), inclusive a área ocupada pela antiga Imperial Vila da Vitória, hoje Município de Vitória da Conquista, encontrou na criação de gado a principal ocupação econômica.
A ordem de El Rey para Vasco Cesar Fernandes de Menezes e outras determinações subsequentes num mesmo sentido foram observadas.
O gado está na origem da conquista da região conquistense e está, especificamente, na origem da consolidação do rancho primitivo, início da cidade de Vitória da Conquista.
Disso não há dúvida.
O GADO E A CAATINGA
Também parece não haver dúvida de que a área da caatinga foi utilizada para criação de gado.
Aqui, ocorreu o que aconteceu em todo sertão do nordeste e a explicação de Capristano de Abreu para o fato de ter o gado se estendido pelas caatingas, aplica-se igualmente, à região de Conquista.
Diz aquele festejado historiador; “do que não pode haver dúvida é que as caatingas pouco remuneram a lavoura, como então, mais ainda que hoje, se praticava, – simples latrocínio da natureza, sem compensação alguma oferecida por parte do homem. Urgia dar-lhes destino, mesmo porque a área dos catingais era enorme, e descurá-la tanto montava a deixar sem proveito a maior parte do País. A criação do gado resolveu o problema “que a mata é incompatível com a criação do gado, ainda agora se vê no Amazonas. A pouca luz que coa através das copas unidas do arvoredo não permite a formação de pastos; para os ruminantes a opulência vegetativa redunda em inanição irremediável, A caatinga é bem mais hospitaleira, apesar dos espinhos que caracterizam grande parte de suas árvores, herança dos tempos de luviais, armas nas lutas contra as colossais preguiças herbívoras, hoje extintas, então muito numerosas, – no entender de W. Detmer, botânico ilustre, que há anos visitou a Bahia”.
Pode-se acrescentar que não era simplesmente a rarefação de luz a não permitir a formação de pastos que determinou a escolha da caatinga para o assentamento dos rebanhos, em verdade a este fator – de importância fundamental – deve-se acrescentar que os poucos reccursos técnicos e diminutos cabedais dos colonizadores eram impeditivos do domínio da mata. Assim, era conveniente da destino à caatinga, pois “descurá-la tanto montava em deixar sem proveito a maior parte do país”.
Mais tarde, entretanto, com a consolidação do domínio da área, a mata seria ocupada, como nos provam cronistas e registros antigos e, dentre estes, um de 1858, que informa: “Constantino Gonsalves da Costa e he senhor e possuidor de um pedaço de terras, no logar denominado Matas do Tarugo, que he situado nesta frequesia de Nossa Senhora da Victoria, cuja terra povoada por si em mil oitocentos de dezenove, segundo o direito e domínio que sobre ela tem por herança do falecimento do seu seo pae o Sargento-mor Raymundo Gonsalves da Costa”.
GADO E FISCO
Não resta dúvida, por outro lado, que, a par da vantagem privada ( venda de carne e couro pelo criador), a pecuária era encarada pelo governo como atividade geradora de receita para o Tesouro Público. Com o gado pretendia o governo aumentar a sua arrecadação tributária e não é outro o sentido da expressão “resultar grandes interesses à minha fazenda”, Na citada ordem real. Entretanto, de forma analítica, percebe-se claramente a importância do gado como fato gerador de tributos no trecho de documento assinado por ouvidor de Ilhéus, em 1780, ora transcrito:
“Repartindo huma superfície de 55 legoas de frente, e que tem pouco mais ou menos 80 de fundo, que fazem 4.400 quadradas em porções de 3 legoas à frente e huma de fundo a cada heréo (sic) e deixando para logradouro entre fazenda e fazenda huma na conformidade das ordens de S. M. se accommodarião 560 fazendeiros, os quaes passados 5 annos que lhe dão para povoarem de gados as fazendas, produziria por hum calculo raciocinavel nos primeiros 10 annos cada fazenda de dizimos 20 bezerros, que avaliados pelo baixo preço de 2.000 rs cada cabeça faz hum total de 22:400$000 rs que tanto devia crescer e entrar no contrato dos dizimos; além d’este lucro ainda contava segundo proveniente do primeiro, que he a tirada de gado para os açougues, calculando que cada fazenda passados os primeiros cinco annos e nos 10 sucessivos, não tirasse para elles mais do que 40 bois, produzirão estes 22.400 couros, que entrados no tejo pagarião nesta alfandega como he costume a 250 cada couro, 5.600$000 rs. Ainda acresce a estes lucros o terceiro proveniente igualmente do primeiro e vem a ser o foro de cada sesmaria que são 4.000 rs por legoa, passados os primeiros 5 annos que sendo 560 fazendas e tendo cada huma 3 legoas, pagaria cada sismeiro 12.000 rs. Que faz o total de 6:720,000 rs.
“Conhece-se facilmente, que montarião as rendas em questão nesta estação somente 34:720$000 rs…”
O gado, portanto, serviria para integrar vasto território à economia colonial, além de criar condições propícias à cobrança de tributos tão desejados pela coroa poertuguesa.
PRIMEIROS REBANHOS
Há comprovantes de que o gado, motivador da conquista, veio tão cedo quanto esta.
Realmente, documentos datados de 1780 já nos falam da existência de fazendas de gado, com que os moradores “forneçam aos açougues da Vila de Jaguaribe, Povoação de Nazareth e Aldea, tendo a fazer dilatado caminho para lhe introduzir os gados”. Balthasar da Silva Lisboa, em memória datada de 1802, já neste ano dá notícia de “grandiosas fazendas” aberta por João Gonçalves da Costa.
O princípe de Wied Neuwied, escrevendo por volta de 1816, informa, falando sobre a região de Conquista, que o “Sr. Capitão-mór Miranda (…) nas solidões das montanhas vizinhas cria muito gado”. Diz o mesmo Princípe que “João Gonçalves da Costa, assim como vários de seus filhos, possuem em comum uma vasta extensão de terras, onde conservam grande quantidade de gado em estado selvagem”.
ESCOADOUROS
Uma vez estabelecida a criação, outra questão do escoamento do gado para o mercado consumidor. O problema das estradas assumiu importância fundamental, sobretudo daquelas em direção ao litoral.
Manuel da Cunha Menezes, Governador da Bahia, em 1776, propôs a João Gonçalves da Costa a construção de uma estrada que ligasse o litoral até sair na Estrada Geral do Rio São Francisco. Sabe-se que o Sertanista terminou o trabalho em outubro de 1779.
Documento de 1783 (Ofício dos Governadores Interinos da Bahia para Martinho de Mello e Castro) atesta que era necessária uma estrada que troduzisse o gado do sertão para as proximidades de Ilhéus e que “para este grande e trabalhoso projeto se apresentou João Gonçalves da Costa, povoador do referido Sertão de Ressaca homem natural de Chaves, com o valor e espírito dos antigos paulistas e sem a sua ambição; a elle distribuiu o Governador as ordens e elle foi o que teve a paciência e a constancia de se metter pelas asperas mattas, serras alagadiças que pelo espaço de 80 ou mais legoas se interpõem entre as ditas villas da beira mar e o referido Sertão de Ressaca. Demarcou e abriu a estrada, que discorre a margem do rio das Contas, donde a fez partir para as villas da foz do mesmo rio, para a do Camamú e desta para todo o território das outras villas, fazendo logo descer hum lote de gado, que foi o primeiro que aquelles moradores virão e tambem o primeiro que parte se destribuiu pelos lavradores e parte se talhou nos açougues publicos, o que nunca se tinha visto desde a descoberta e povoação daquella comarca” ( isto é, de Ilhéus).
O citado Maximiliano, que visitou a região nos idos de 1816, mostra os diversos caminhos do arraial da Conquista, para Salvador. Caminhos necessários à integração da região com o litoral dentro do contexto da economia da colônia. Diz ele: “Para ir do arraial da Conquista, através do sertão da Baía, à capital da capitania, podem-se escolher vários caminhos. A estrada principal de Minas Novas e de Minas Gerais a essa cidade, passa pela vila de “Caieté”, vila do Rio das Contas e Vila da Cachoeira de Paraguassu. Mais próxima do Arraial, onde me achava eu, há uma outra, acompanhando o curso do Rio Gavião. A ela se chega em dois dias de viagem; mas, representa um rodeio. O caminho que as “boiadas” da zona da Conquista costumam tamar para atingir a capital é o mais curto; foi este que eu preferi, porque poucos viajantes o frequentam, tanto mais que umas tropas acabavam de ser atacadas por salteadores, nas margens do Gavião”.
O problema de estradas para escoamento de gado, apesar dos caminhos descritos, perdurou por muito tempo e, pode-se dizer, só viria ser solucionado no século atual.
Como o título do presente ensaio sugere, seu objetivo é o estudo de fase primitiva, entretanto, findando-o, deve-se dizer que as fazendas de gado, mais tarde, tomariam feição não simplesmente de uma empresa econômica, mas de uma mini-organização social. Delas surgiriam as personalidades políticas da vila e, depois, os coronéis, já em nosso século.
Escrever a história do gado em Conquista, de forma correta, será escrever não apenas a crônica econômica de um ciclo, mas a história político-social do município. A sociedade conquistense, durante muitas décadas, gravitou em torno dos currais e foi “mandada” pelos donos de gado.
Vitória da Conquista, 22 de novembro de 1977 – FIFÓ – 7

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