O GADO E OS
PRIMÓRDIOS DE CONQUISTA
30th/jan/2009 . 10:25 pm
Ruy Medeiros
INTRODUÇÃO
João, rei de Portugal, em 1728, em ordem enviada a Vasco Cesar Fernandes
de Menezes, mandou que este tomasse a “resolução de Conquistar” os índios, na
zona do sertão, pois, como disse o Monarca, “se o vio o que escreveste em carta
de 12 de agosto do anno passado que sendo vós informado por pessoas práticas e
zelosas de meu serviço de que agrande porção de terra que há no certão dessa
capitania, desde as Minas do Rio de Contas athe o rio Pardo, rio Verde e
cabeceiras do S. Matheus erão as melhores que tinhão todo o Brasil assim para a
creação de gado como para a cultura de qualquer lavoura, achando-se vários
roteyros e paulistas que affirmavão haverem aly minas riquíssimas de ouro e
pedras preciosas… “esclarece o Rei que, da conquista, haveria de “resultar
grandes interesses há minha fazenda, não só no descobrimento de novas minas (…)
se não também povoando-se aquelle certão de fazendas de gado e plantando-se
mantimentos, que os paulistas reputão esta grande parte do certão pela joia
mais preciosa do Brasil.”
O documento, de que acima se transcreve trechos, evidencia que o sertão
compreendido nos limites do Pardo, Verde e cabeceiras do São Mateus teve como
motivação para sua conquista a criação de gado, além da cata de minas e plantio
de mantimentos.
Todo o sertão baiano, com exceção em parte de Minas de Rio de Contas e
Jacobina (estas durante sua fase aurífera), inclusive a área ocupada pela
antiga Imperial Vila da Vitória, hoje Município de Vitória da Conquista,
encontrou na criação de gado a principal ocupação econômica.
A ordem de El Rey para Vasco Cesar Fernandes de Menezes e outras
determinações subsequentes num mesmo sentido foram observadas.
O gado está na origem da conquista da região conquistense e está,
especificamente, na origem da consolidação do rancho primitivo, início da cidade
de Vitória da Conquista.
Disso não há dúvida.
O GADO E A CAATINGA
Também parece não haver dúvida de que a área da caatinga foi utilizada
para criação de gado.
Aqui, ocorreu o que aconteceu em todo sertão do nordeste e a explicação
de Capristano de Abreu para o fato de ter o gado se estendido pelas caatingas,
aplica-se igualmente, à região de Conquista.
Diz aquele festejado historiador; “do que não pode haver dúvida é que as
caatingas pouco remuneram a lavoura, como então, mais ainda que hoje, se praticava,
– simples latrocínio da natureza, sem compensação alguma oferecida por parte do
homem. Urgia dar-lhes destino, mesmo porque a área dos catingais era enorme, e
descurá-la tanto montava a deixar sem proveito a maior parte do País. A criação
do gado resolveu o problema “que a mata é incompatível com a criação do gado,
ainda agora se vê no Amazonas. A pouca luz que coa através das copas unidas do
arvoredo não permite a formação de pastos; para os ruminantes a opulência
vegetativa redunda em inanição irremediável, A caatinga é bem mais
hospitaleira, apesar dos espinhos que caracterizam grande parte de suas
árvores, herança dos tempos de luviais, armas nas lutas contra as colossais
preguiças herbívoras, hoje extintas, então muito numerosas, – no entender de W.
Detmer, botânico ilustre, que há anos visitou a Bahia”.
Pode-se acrescentar que não era simplesmente a rarefação de luz a não
permitir a formação de pastos que determinou a escolha da caatinga para o
assentamento dos rebanhos, em verdade a este fator – de importância fundamental
– deve-se acrescentar que os poucos reccursos técnicos e diminutos cabedais dos
colonizadores eram impeditivos do domínio da mata. Assim, era conveniente da
destino à caatinga, pois “descurá-la tanto montava em deixar sem proveito a
maior parte do país”.
Mais tarde, entretanto, com a consolidação do domínio da área, a mata
seria ocupada, como nos provam cronistas e registros antigos e, dentre estes,
um de 1858, que informa: “Constantino Gonsalves da Costa e he senhor e
possuidor de um pedaço de terras, no logar denominado Matas do Tarugo, que he
situado nesta frequesia de Nossa Senhora da Victoria, cuja terra povoada por si
em mil oitocentos de dezenove, segundo o direito e domínio que sobre ela tem
por herança do falecimento do seu seo pae o Sargento-mor Raymundo Gonsalves da
Costa”.
GADO E FISCO
Não resta dúvida, por outro lado, que, a par da vantagem privada ( venda
de carne e couro pelo criador), a pecuária era encarada pelo governo como
atividade geradora de receita para o Tesouro Público. Com o gado pretendia o
governo aumentar a sua arrecadação tributária e não é outro o sentido da
expressão “resultar grandes interesses à minha fazenda”, Na citada ordem real.
Entretanto, de forma analítica, percebe-se claramente a importância do gado
como fato gerador de tributos no trecho de documento assinado por ouvidor de
Ilhéus, em 1780, ora transcrito:
“Repartindo huma superfície de 55 legoas de frente, e que tem pouco mais
ou menos 80 de fundo, que fazem 4.400 quadradas em porções de 3 legoas à frente
e huma de fundo a cada heréo (sic) e deixando para logradouro entre fazenda e
fazenda huma na conformidade das ordens de S. M. se accommodarião 560
fazendeiros, os quaes passados 5 annos que lhe dão para povoarem de gados as
fazendas, produziria por hum calculo raciocinavel nos primeiros 10 annos cada
fazenda de dizimos 20 bezerros, que avaliados pelo baixo preço de 2.000 rs cada
cabeça faz hum total de 22:400$000 rs que tanto devia crescer e entrar no
contrato dos dizimos; além d’este lucro ainda contava segundo proveniente do
primeiro, que he a tirada de gado para os açougues, calculando que cada fazenda
passados os primeiros cinco annos e nos 10 sucessivos, não tirasse para elles
mais do que 40 bois, produzirão estes 22.400 couros, que entrados no tejo
pagarião nesta alfandega como he costume a 250 cada couro, 5.600$000 rs. Ainda
acresce a estes lucros o terceiro proveniente igualmente do primeiro e vem a
ser o foro de cada sesmaria que são 4.000 rs por legoa, passados os primeiros 5
annos que sendo 560 fazendas e tendo cada huma 3 legoas, pagaria cada sismeiro
12.000 rs. Que faz o total de 6:720,000 rs.
“Conhece-se facilmente, que montarião as rendas em questão nesta estação
somente 34:720$000 rs…”
O gado, portanto, serviria para integrar vasto território à economia
colonial, além de criar condições propícias à cobrança de tributos tão
desejados pela coroa poertuguesa.
PRIMEIROS REBANHOS
Há comprovantes de que o gado, motivador da conquista, veio tão cedo
quanto esta.
Realmente, documentos datados de 1780 já nos falam da existência de
fazendas de gado, com que os moradores “forneçam aos açougues da Vila de
Jaguaribe, Povoação de Nazareth e Aldea, tendo a fazer dilatado caminho para
lhe introduzir os gados”. Balthasar da Silva Lisboa, em memória datada de 1802,
já neste ano dá notícia de “grandiosas fazendas” aberta por João Gonçalves da
Costa.
O princípe de Wied Neuwied, escrevendo por volta de 1816, informa,
falando sobre a região de Conquista, que o “Sr. Capitão-mór Miranda (…) nas
solidões das montanhas vizinhas cria muito gado”. Diz o mesmo Princípe que
“João Gonçalves da Costa, assim como vários de seus filhos, possuem em comum
uma vasta extensão de terras, onde conservam grande quantidade de gado em
estado selvagem”.
ESCOADOUROS
Uma vez estabelecida a criação, outra questão do escoamento do gado para
o mercado consumidor. O problema das estradas assumiu importância fundamental,
sobretudo daquelas em direção ao litoral.
Manuel da Cunha Menezes, Governador da Bahia, em 1776, propôs a João Gonçalves
da Costa a construção de uma estrada que ligasse o litoral até sair na Estrada
Geral do Rio São Francisco. Sabe-se que o Sertanista terminou o trabalho em
outubro de 1779.
Documento de 1783 (Ofício dos Governadores Interinos da Bahia para
Martinho de Mello e Castro) atesta que era necessária uma estrada que
troduzisse o gado do sertão para as proximidades de Ilhéus e que “para este
grande e trabalhoso projeto se apresentou João Gonçalves da Costa, povoador do
referido Sertão de Ressaca homem natural de Chaves, com o valor e espírito dos
antigos paulistas e sem a sua ambição; a elle distribuiu o Governador as ordens
e elle foi o que teve a paciência e a constancia de se metter pelas asperas
mattas, serras alagadiças que pelo espaço de 80 ou mais legoas se interpõem
entre as ditas villas da beira mar e o referido Sertão de Ressaca. Demarcou e
abriu a estrada, que discorre a margem do rio das Contas, donde a fez partir
para as villas da foz do mesmo rio, para a do Camamú e desta para todo o
território das outras villas, fazendo logo descer hum lote de gado, que foi o
primeiro que aquelles moradores virão e tambem o primeiro que parte se
destribuiu pelos lavradores e parte se talhou nos açougues publicos, o que
nunca se tinha visto desde a descoberta e povoação daquella comarca” ( isto é,
de Ilhéus).
O citado Maximiliano, que visitou a região nos idos de 1816, mostra os
diversos caminhos do arraial da Conquista, para Salvador. Caminhos necessários
à integração da região com o litoral dentro do contexto da economia da colônia.
Diz ele: “Para ir do arraial da Conquista, através do sertão da Baía, à capital
da capitania, podem-se escolher vários caminhos. A estrada principal de Minas
Novas e de Minas Gerais a essa cidade, passa pela vila de “Caieté”, vila do Rio
das Contas e Vila da Cachoeira de Paraguassu. Mais próxima do Arraial, onde me
achava eu, há uma outra, acompanhando o curso do Rio Gavião. A ela se chega em
dois dias de viagem; mas, representa um rodeio. O caminho que as “boiadas” da
zona da Conquista costumam tamar para atingir a capital é o mais curto; foi
este que eu preferi, porque poucos viajantes o frequentam, tanto mais que umas
tropas acabavam de ser atacadas por salteadores, nas margens do Gavião”.
O problema de estradas para escoamento de gado, apesar dos caminhos
descritos, perdurou por muito tempo e, pode-se dizer, só viria ser solucionado
no século atual.
Como o título do presente ensaio sugere, seu objetivo é o estudo de fase
primitiva, entretanto, findando-o, deve-se dizer que as fazendas de gado, mais
tarde, tomariam feição não simplesmente de uma empresa econômica, mas de uma
mini-organização social. Delas surgiriam as personalidades políticas da vila e,
depois, os coronéis, já em nosso século.
Escrever a história do gado em Conquista, de forma correta, será
escrever não apenas a crônica econômica de um ciclo, mas a história
político-social do município. A sociedade conquistense, durante muitas décadas,
gravitou em torno dos currais e foi “mandada” pelos donos de gado.
Vitória da Conquista, 22 de novembro
de 1977 – FIFÓ – 7
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