terça-feira, 22 de maio de 2012


O Retorno da Tortura
15th/mar/2009 . 9:38 pm 

Ruy Medeiros
A comunidade conquistense manifestou-se fortemente contra desmandos praticados por agentes públicos vinculados à Polícia Civil. Em razão da grita geral e de processos movidos contra policiais e auxiliares irregulares, ocorreram mudanças de comando na equipe de polícia em Vitória da Conquista. Na época, foram denunciados crimes, inclusive espancamento de presos. Há processos em curso em mais de uma Vara Crime, no Fórum local, buscando apuração de responsabilidades e punição de agentes que agiram criminosamente no exercício dos respectivos cargos que exerciam.
Passado pouco tempo, eis que ressurgem a tortura e abusos praticados por policiais civis, em Vitória da Conquista.
Em 14 de junho foi preso, em sua residência, na localidade de Lagoa de João Gomes (Lagoa das Flores), o sr. Ronaldo Arruda da Silva, sob acusação de ser criminoso voltado à modalidade de assalto a transporte coletivo de passageiros.
Ronaldo Arruda Silva tem endereço certo e sempre laborou naquela localidade, em trato agrícola. Não seria difícil observar seu cotidiano.
Nenhum trabalho de observação prévia sobre a pessoa de Ronaldo Arruda da Silva foi feito. Bastou acusação ou mera suposição. Foi preso por agentes que se deslocaram até sua residência em automóvel não oficial. Sua prisão não foi imediatamente registrada. Só o seria após a família tomar conhecimento e um agente policial exigí-lo.
Preso, Ronaldo Arruda da Silva foi levado a vários pontos do mato e submetido a espancamentos seguidos de acusação e de ordens para que confessasse assaltos que, segundo seus algozes, teria cometido. Foi brutalmente seviciado. Seu corpo encontra-se ainda coberto de hematomas, especialmente no tórax e nas nádegas. Durante algum tempo necessitará de tratamento, embora tenha retornado já ao trabalho.
A forma da prisão, seu não registro imediato, o uso de veículo particular e os espancamentos denunciam a presença ainda, na polícia do Estado, em nosso município, de policiais que agem contra a lei. Cometeram crimes.
Pode-se muito bem avaliar o que seria um inquérito policial feito sob as circunstâncias descritas: um monstrengo digno apenas dos atoos praticados em campos de concentração pelos nazistas. É evidente que, denunciados os fatos, sempre haverá quem não os assuma e passe a dizer que o preso foi espancado por outros presos ou por terceiros. Mas é fato que, requisitado à presença do Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara Crime, conduzido da prisão até o Fórum, aí ficaram evidenciadas as marcas do crime de tortura praticado por agentes policiais. Somente a intervenção de terceiros e especialmente o denodo da Advogada Maria da Purificação Cordeiro impediram que a brutalidade tivesse seguimento contra o preso. Em momentos como esse, a sensibilidade do Juiz é importante. A soltura do preso, determinada pelo magistrado, ajudou a desvendar porões imundos.
É preciso que se dê um basta a tal tipo de comportamento criminoso. Uma polícia que se julga competente não necessita de tortura como método de investigação.
Ressalve-se, aqui, que os fatos não são atribuídos a todos os policiais civis indistintamente. São atribuídos a um pequeno grupo. É preciso que, ao lado de medidas judiciais, sejam adotados comportamentos administrativos que evitem que fatos semelhantes àqueles aqui relatados ocorram novamente.
A essa altura, é necessário que o inquérito policial seja completamente revisto pois não se pode atribuir qualquer valor a inquérito realizado sob circunstância de terror.
Neste momento, também é necessário que sejam adotadas algumas medidas outras, na âmbito da polícia civil local. A cadeia da Delegacia de Crimes contra o Patrimônio encontra-se lotada. Há pouco tempo havia 54 presos em espaço exíguo, dormindo amontoados em piso de cimento. A alimentação é escassa. O Estado da Bahia, cujo representante no Senado diz estar preocupado com a pobreza, tem deixado os presos passarem fome. Houve momentos em que 25 “quentinhas” (único alimento do dia) foram divididas por 56 presos. Estes certamente não têm orgulho de ser baianos, nem brasileiros.
É preciso banir, também, esse outro tipo de tortura.
* Publicado em “Jornal da Semana”, 23 a 29 de junho de 2000

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