O Retorno da
Tortura
15th/mar/2009 . 9:38 pm
Ruy Medeiros
A comunidade conquistense manifestou-se fortemente contra desmandos
praticados por agentes públicos vinculados à Polícia Civil. Em razão da grita
geral e de processos movidos contra policiais e auxiliares irregulares,
ocorreram mudanças de comando na equipe de polícia em Vitória da Conquista. Na
época, foram denunciados crimes, inclusive espancamento de presos. Há processos
em curso em mais de uma Vara
Crime, no Fórum local, buscando apuração de responsabilidades e punição de
agentes que agiram criminosamente no exercício dos respectivos cargos que
exerciam.
Passado pouco tempo, eis que ressurgem a tortura e abusos praticados por
policiais civis, em Vitória da Conquista.
Em 14 de junho foi preso, em sua residência, na localidade de Lagoa de
João Gomes (Lagoa das Flores), o sr. Ronaldo Arruda da Silva, sob acusação de
ser criminoso voltado à modalidade de assalto a transporte coletivo de
passageiros.
Ronaldo Arruda Silva tem endereço certo e sempre laborou naquela
localidade, em trato agrícola. Não seria difícil observar seu cotidiano.
Nenhum trabalho de observação
prévia sobre a pessoa de Ronaldo Arruda da Silva foi feito. Bastou acusação ou
mera suposição. Foi preso por agentes que se deslocaram até sua residência em
automóvel não oficial. Sua prisão não foi imediatamente registrada. Só o seria
após a família tomar conhecimento e um agente policial exigí-lo.
Preso, Ronaldo Arruda da Silva foi levado a vários pontos do mato e
submetido a espancamentos seguidos de acusação e de ordens para que confessasse
assaltos que, segundo seus algozes, teria cometido. Foi brutalmente seviciado.
Seu corpo encontra-se ainda coberto de hematomas, especialmente no tórax e nas
nádegas. Durante algum tempo necessitará de tratamento, embora tenha retornado
já ao trabalho.
A forma da prisão, seu não registro imediato, o uso de veículo
particular e os espancamentos denunciam a presença ainda, na polícia do Estado,
em nosso município, de policiais que agem contra a lei. Cometeram crimes.
Pode-se muito bem avaliar o que seria um inquérito policial feito sob as
circunstâncias descritas: um monstrengo digno apenas dos atoos praticados em
campos de concentração pelos nazistas. É evidente que, denunciados os fatos,
sempre haverá quem não os assuma e passe a dizer que o preso foi espancado por
outros presos ou por terceiros. Mas é fato que, requisitado à presença do Dr.
Juiz de Direito da 2ª Vara Crime, conduzido da prisão até o Fórum, aí ficaram
evidenciadas as marcas do crime de tortura praticado por agentes policiais.
Somente a intervenção de terceiros e especialmente o denodo da Advogada Maria
da Purificação Cordeiro impediram que a brutalidade tivesse seguimento contra o
preso. Em momentos como esse, a sensibilidade do Juiz é importante. A soltura
do preso, determinada pelo magistrado, ajudou a desvendar porões imundos.
É preciso que se dê um basta a tal tipo de comportamento criminoso. Uma
polícia que se julga competente não necessita de tortura como método de
investigação.
Ressalve-se, aqui, que os fatos não são atribuídos a todos os policiais
civis indistintamente. São atribuídos a um pequeno grupo. É preciso que, ao
lado de medidas judiciais, sejam adotados comportamentos administrativos que
evitem que fatos semelhantes àqueles aqui relatados ocorram novamente.
A essa altura, é necessário que o inquérito policial seja completamente
revisto pois não se pode atribuir qualquer valor a inquérito realizado sob
circunstância de terror.
Neste momento, também é necessário que sejam adotadas algumas medidas
outras, na âmbito da polícia civil local. A cadeia da Delegacia de Crimes
contra o Patrimônio encontra-se lotada. Há pouco tempo havia 54 presos em
espaço exíguo, dormindo amontoados em piso de cimento. A alimentação é escassa.
O Estado da Bahia, cujo representante no Senado diz estar preocupado com a
pobreza, tem deixado os presos passarem fome. Houve momentos em que 25
“quentinhas” (único alimento do dia) foram divididas por 56 presos. Estes
certamente não têm orgulho de ser baianos, nem brasileiros.
É preciso banir, também, esse outro tipo de tortura.
* Publicado em “Jornal da Semana”, 23 a 29 de junho de 2000
Nenhum comentário:
Postar um comentário