quarta-feira, 30 de maio de 2012


                                               Por uma História do Sertão


                                                                       Ruy Medeiros. (Digitado 03/1999)

O  Sertão da Bahia encontra-se sequestrado da História.
Realmente, não há uma História do Sertão ou uma História da Bahia onde o Sertão seja História.
O Sertão da Bahia   aparece apenas  como      “conquista da terra” ( entradas e bandeiras), como ciclo econômico ( gado, algodão, ouro, diamante) e algumas vezes como coronelismo localizado ( perfil e mando de alguns coronéis). Não aparece inteiro como Sertão que é.
Efetivamente, de início o que no Sertão interessa aos historiadores baianos é a sua  “Conquista”:   o movimento de  “entradas e bandeiras”. O Sertão é espaço em processo de conquista ou conquistado. Embora se fale na reação indígena, os índios aí não fazem a História. O que conta é a luta e a dominação; o que importa é a  “conquista da terra”.
O grande movimento de invasão territorial sobre áreas habitadas pelos indígenas ocupa o espaço maior na  “informação” sobre a origem de um município, ou de uma cidade, ou de uma vila. E o complexo processo de contato entre duas culturas, duas  ”sociedades”,  dois objetivos de viver, é substituído com a  “notícia” de uma  “luta contra os índios”e de  “dominação” destes. Trata-se de uma notícia vaga, a partir de documentos mal analisados, à beira quase sempre da leuda ( “origens que se perdem no tempo” conforme formulação popular).
Mas, no processo de invasão territorial não se historia o Sertão, mas apenas sua  “conquista”.  São coisas diferentes: Uma coisa é a história de homens que vieram, outra é a História dos que eram e estavam, viviam, tinham cultura e,  em determinado momento entram em choque com aqueles que invadiram e que aqui passaram a estabelecer seu modo de vida com construções e conflitos duradouros. Não se trata apenas dos encontros, mas do tipo de encontro, da solução, das fusões, dominações, choques de cultura, etc. Não é a história um simples episódio ( ou conjunto de episódios), mas um processo e, quanto ao Sertão, não poderia ser diferente.
Também o Sertão da Bahia aparece como compartimento de uma economia, geralmente de exportação. Aí se fala em  “ciclos”. O ciclo do gado, na Bahia; o ciclo do ouro, do algodão, do diamante. Isto é: o Sertão é uma determinada produção. Importa saber apenas que produzia tantas arrobas de carne, ou tantos couros, ou que tinha tantos currais e onde estes localizavam. O Sertão aparece apenas como parte de uma produção. Rio de Contas é a produção de ouro, não é a sociedade que aí se estabeleceu; grande parte da Serra Geral é algodão ( quando este é mencionado!),  não é a sociedade aí estabelecida, com a policultura, a escravidão, etc; a Chapada Diamantina é a produção de diamantes, e assim sucessivamente. O que conta é ter sido integrante de um ciclo econômico brasileiro. Às vezes nem isso conta: O  “ciclo da borracha”,  na Bahia, existiu. Quem quer que pesquise as estatísticas de exportação irá encontrar com algum destaque quantitativos e valores de borracha exportados pela Bahia. Houve mesmo estabelecimentos de importância dotados de grandes prensas utilizadas no semi-processamento da borracha, quer no interior, quer em Salvador. Barreiras,  enquanto núcleo urbano, nasceu junto com a economia da borracha. A borracha da mangabeira, no oeste além São Francisco, e a da maniçoba, no São Francisco, na Serra Geral, em Jequié, etc, foi importante para fixar população, para a ocupação do espaço, a sobrevivência de pessoas, etc. Mas, apesar de compor um  “ciclo econômico” brasileiro, não aparece na História. Aí mesmo o  “ciclo” foi sequestrado.
A idéia de ciclo, que tanta crítica sofre de historiadores mais argutos da economia brasileira ( por importar no desprezo quer às  “economias” subsidiárias, quer ao conjunto da economia), marca a História do Sertão. Assim este só aparece na História onde há um ciclo, mas pode não aparecer mesmo diante do ciclo.
A estupidez é evidente: não se pode reduzir origens e história de Minas do Rio de Contas a parte do ciclo produtor de ouro; não se pode reduzir à Chapada Diamantina produção de diamante. Onde ficam a sociedade subjacente, a cultura, o comércio, a economia de subsistência, as  “drogas do sertão”?
Ãs vezes o Sertão é apenas o coronelismo. Descreve-se o fenômeno do coronelismo e exemplifica-se com figuras de coronéis: Horácio de Matos, Gugé, João da Silva Torres, Leobas, Flanklin Lins de Albuquerque, Chiquinho Brasil, etc, etc. Isto é: o Sertão é  “exemplo” de lugar onde  “floresceu”o coronelismo, com papel destacado para Horácio de Matos e para a Região do Vale do São Francisco. A rigor, não se fala do coronelismo no Sertão, mas no coronelismo com ocorrências em espaços sertanejos.
Nas Histórias da Bahia o sertão não é uma sociedade, nem gera um processo histórico. É apenas um  “lugar”.  Não é  “uma História”,  muito menos  “a História”.
Mesmo  ( e sobretudo) a História factual não vê o Sertão. Alguém já  leu em algum livro de  “História da Bahia” a ocorrência do “Mata Maroto” fora da capital?  No entanto, o fenômeno teve expressão em áreas sertanejas. A  “Independência da Bahia” é contada como fato do Recôncavo e de Salvador,  no entanto houve enorme sacrifício sertanejo nas lutas pela  “Independência da Bahia”.  A Revolução de 30 na Bahia não foi movimento tenentista, pois seu apoio decorreu de coronéis dissidentes. São alguns exemplos.
Uma história, factual, omite o Sertão; outra, de caráter economicista, vê o Sertão como mero lugar de produção.
É evidente que alguns estudos que enfocam o Sertão fogem à regra, e anunciam outras possibilidades. É o caso do celebrado  “Uma Comunidade Rural no Brasil Antigo”,  de Lycurgo Santos Filho; ou de  “Fidalgos e Vaqueiros”,  de Eurico Alves Boaventura, ou de  “Da Sesmaria ao Minifúndio”, de Erisvaldo Fagundes Neves, ou o precioso  “Engenhos de Rapadura”,  de Marúsia Jambeiro, talvez mesmo  “O Médio São Francisco”,  de Wilson Lins.
Alguns estudos foram feitos por historiadores para obtenção de grau de mestre, com relevante interesse, cuja publicação seria de fundamental importância para a História do Sertão. Assim são os trabalhos de Albertina Vasconcelos ( dissertação sobre a sociedade da economia mineradora no Sertão), Maria Aparecida Souza ( dissertação acerca da Conquista do Planalto da Conquista, com enfoque especial para a parentela de João Gonçalves da Costa), e de Isnara Ivo (dissertação sobre família, poder e violência na região do Planalto da Conquista), trabalhos de cunho científico.
O certo é que o Sertão precisa estar na História, não em mero lugar. A tarefa não significa que se parta de uma visão puramente  “sertanófila”,  mas tem alcance maior: a História do Sertão da Bahia. A Bahia não foi nem é só a sua capital e o Recôncavo. Espaço e sociedade se interpenetram.
Ao trabalho.

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