A SEGUNDA
GUERRA MUNDIAL E O DESENVOLVIMENTO DE VITÓRIA DA CONQUISTA E DA REGIÃO
29th/jan/2009 . 9:44 pm
Ruy Medeiros
Às vezes, notas de
jornal antigo despertam a atenção para fatos relevantes. É o caso de dois
artigos que hoje são transcritos e comentados. Ambos relacionam o
desenvolvimento de Vitória da Conquista com a Segunda Grande Guerra. Ei-los:
“VITÓRIA DA CONQUISTA”
“(…) Na pecuária reside a principal riqueza do Município, vale
dizer, sua mais importante fonte de renda. No decurso da Segunda Guerra
Mundial, os rebanhos, mercê de incessante demanda nos centros consumidores,
lograram notável incremento, especialmente o bovino. Consoante dados do Serviço
de Estatística da Produção, filiado ao Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, o rebanho pecuário totalizava, em 1946, o efetivo de 410.500
cabeças, das quais 250.000 de bovinos, 28.000 de equinos, 6.000 de asininos,
8.000 de muares, 7.000 de suinos, 18.500 de ovinos e 30.000 de caprinos. A
quantidade de carne produzida foi de 859.376 quilogramas, no valor de 5.261.499
cruzeiros.
“Conquanto a pecuária seja, como se nota, a principal riqueza do
município, cabe à produção agrícola papel de relevo em sua vida econômica.
Digna de nota é a circunstância de se achar generalizada a plicultura, graças à
parte, a excelência de seus solos aptos a variadas culturas. O valor dessa
produção foi, em 1946, de 4.224.191 cruzeiros. Os produtos a que se achavam
atribuídos valores mais expressivos foram abacaxi, o feijão e a banana.
“O Município é, ainda, rico em minérios, possuindo cristal de rocha de
notável pureza, águas marinhas, ametistas, esmeraldas, ultimamente exploradas
no distrito de Anagé (ex-Joanópolis) e, até mesmo, segundo se presume, diamante
até hoje inexplorado.
“O estabelecimento de ligação permanente com o litoral sulbaiano,
tornado realidade com a conclusão durante a última guerra, da rodovia Vitória
da Conquista a Ilhéus, abriu promissoras perspectivas à vida econômica do
Município, que passou a contar, naquela zona, com importante mercado de consumo
para os produtos de sua atividade, dali recebendo, em troca, as mercadorias de
que necessita”. ( Jornal do Brasil, edição de 24 de julho de 1949. A
transcrição acima é parcial).
SURTO DE PROGRESSO
“É inegável o surto de progresso por que está passando a nossa cidade.
Apesar de primitivamente sem plano; horrivelmente desarrumada. Conquista hoje
obedece a uma planta que a vai corrigindo. Força é dizer que tal correção nunca
poderá ser completa. É que se cuidou disso muito tarde e as rendas municipais
não oferecem margem às desapropriações em massa.
“A par de erros e velharias sem remédio, sentimos aqui um ritmo novo de
vida. Poucas ou nenhumas cidades do interior baiano cresceram tanto em tão
pouco, como Conquista. A guerra, agente de males para todos, teve aqui, para
nós, esse lado bom, que de nenhum modo a justifica.
“Devido em grande parte à guerra, o surto de progresso, por que passa
Conquista, acentuar-se-á com a paz, através do trabalho esclarecido de seus
habitantes, apoiados pela Prefeitura, a quem toca, neste particular, a posição
de vanguardeira, se não quiser trair a confiança do povo”. ( “A Conquista”,
edição de 2 de julho de 1944).
As notas acima foram transcritas, ainda, pelo seu valor de fonte
subsidiária ao estudo da história recente do Município. Como se vê, não se trata
de texto oficial, mas isso não diminui sua importância.
GUERRA E EXPORTAÇÃO
Resta saber se, realmente, o Conflito Mundial repercutiu favoravelmente
ao desenvolvimento econômico do Município e região. Tudo indica que sim. Tudo
indica que aqueles artigos de jornal refletem a realidade. Entretanto, é
necessário que fique explicitado como isso ocorreu.
Não se deve esquecer que o período de guerra, em geral, beneficiou a
economia brasileira como um todo (não quer isso dizer que ela tenha melhorado o
nível de vida do povo brasileiro em seu conjunto).
Caio Prado Junior explica que “no curso da Guerra, sobretudo em sua
última fase e prolongando-se nos anos subsequentes, assistimos a um
revigoramento esporádico do tradicional sistema do passado, abrindo-se para tal
sistema (isto é, uma economia exportadora de produtos primários e voltada
essencialmente para o exterior), nova e brilhante oportunidade. Com uma
intensidade de que havia muito o país não tinha notícia, o Brasil se fazia alvo
de forte demanda internacional de gêneros alimentares e matérias-primas
exigidos agora pelas necessidades da luta em que se empenhavam as grandes
potências de que o Brasil era e ainda é tributário.
“Essa intensificação da demanda não se reflete tanto no volume da
exportação, cujo aumento não será muito sensível. Circunstância que devemos
notar desde já e que mostra o esgotamento da capacidade produtiva da economia
brasileira de exportação. Mas no valor, o efeito será considerável, ascendendo
a exportação brasileira de gêneros alimentícios e matérias primas para altos
níveis” (Prado Júnior, Caio – História Econômica do Brasil. 19a. Edição,
Editora Brasiliense, São Paulo, 1976, págs. 301/302).
É justamente aí que se insere o quadro econômico e que se beneficiará
Vitória da Conquista. Com efeito, não se tratava tanto de aumento de
exportação, mas do aumento do valor externo dos produtos de exportação. É
lógico que havia condições externas favoráveis à demanda de gêneros agrícolas e
matérias primas brasileiros, mas a capacidade produtiva de áreas tradicionais
não acompanhava aquela demanda. O país necessitava de exportar. Manter o rítmo
de exportação era muito necessário para sua economia dependente.
“NÍVEIS DE PREÇO”
A par disso deve lembrar-se, como assinala Celso Furtado, que o nível de
“preços de exportação cresceu em 110 por cento”, entre 1939 e 1944, “enquanto o
nível de preços internos se elevou 98 por cento” no mesmo período.
Para os produtores ou grupos dotados de condições (conhecimentos
técnicos, equipamentos, etc) de exportar era vantagem escoar os produtos para o
exterior ao invés de forçar a demanda interna ou colocar seus gêneros à
disposição do mercado consumidor interno.
EXPANSÃO DE NOVAS ÁREAS
Ora, não tendo havido aumento substancial das exportações, mas tendo
havido relativo esgotamento da “capacidade produtiva da economia de exportação”
em certas áreas, a manutenção do ritmo de exportação só se explica pela
integração de outras regiões às exigências de demanda da época ora estudada. Ou
seja, para que o país pudesse continuar exportando, outras regiões teriam que
fazer sua integração á economia voltada para o mercado consumidor externo. Não
quer isto dizer, entretanto, que a integração tenha sido feita através da venda
direta de produtos de novas áreas para o exterior, pois os centros consumidores
internos necessitavam igualmente de gêneros em grandes quantidades. Aliás, é
lícito argumentar-se que geralmente era nestes grandes centros internos que
coincidentemente atuavam os grupos exportadores, interessados mais nos altos preços
externos que os produtos alcançavam que na venda para o mercado interno.
Parece, assim, que áreas próximas a centros consumidores internos
tradicionais tiveram seus produtos colocados no circuito da exportação e, por
outro lado, para atender suas próprias necessidades voltaram-se para áreas
relativamente novas, isto é, áreas cujas potencialidades econômicas não tinham
sido exploradas a contento. Assim, estas áreas mais distantes de grandes
centros foram beneficiadas, seja com consumo de seus produtos nestes centros,
seja mesmo pela exportação de parte de seus gêneros. Este raciocínio se fixa se
for ainda levado em consideração que a população brasileira na década de 1940
sofreu substancial acréscimo e que o período foi de expansão urbana e de
industrialização, fatores estes condicionantes de aumento da demanda. Também
pode-se alegar que as áreas tradicionalmente voltadas para a exportação
especializavam-se em determinado gênero, fixando uma monocultura e determinando
que suas populações fossem buscar em outras regiões produtos necessários à sua
subsistência.
IMPACTO SOBRE O MUNICÍPIO E REGIÃO
O Município de Vitória da Conquista e Região integraram-se naquele
quadro e beneficiaram-se da conjuntura patrocinada em nosso país pela Segunda
Guerra Mundial. Este conflito colocara na ordem do dia uma demanda maior de
produtos agrários para abastecimento dos grandes centros. O bolsão produtivo da
região de Vitória da Conquista (incluindo Itapetinga e Itambé) não ficou
estranho ao fenômeno, fato que gerou fluxo de renda para a região, estimulando
o produtor para ocupação de áreas disponíveis de terras. Manifesto do Sr.
Juvino Oliveira (que mais tarde seria prefeito de Itapetinga), datado de
inícios da década de 1940, intitulado “Aos fazendeiros, negociantes e industriais
da zona de Couro d’Anta e Potiraguá”, nos fala em “carros voltando carregados
de produtos da zona, como sejam madeiras, porcos, feijão e outros gêneros
alimentícios, tão carentes nos centros de grandes consumos”.
O quadro econômico da década de 1940, favorável à exportação, formado
principalmente pela repercussão do segundo grande conflito mundial, explica em
grande parte o desenvolvimento experimentado por Vitória da Conquista e região
naquele período.
Vitória da Conquista, 3 de janeiro de
1978 – FIFÓ -9
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