Sertão da
Ressaca
4th/jan/2009 . 2:29 pm
História: Documentos da Conquista do Sertão da Ressaca
Ruy Medeiros
O tema sobre documentos Históricos acerca do Sertão da Ressaca é muito
vasto, por isso optei por pronunciar apenas sobre pequenos aspectos da questão:
Documentos que se relacionam com a invasão do “Sertão da Ressaca”, existentes
na Torre do Tombo ( Arquivo Nacional), no Arquivo Histórico Ultramarino, ambos
em Lisboa, Portugal, e no Arquivo da Propaganda Fide, em Roma.
Começo por dois documentos fundamentais existentes na Torre do Tombo: a)
Uma carta de Pedro Barbosa Leal na qual este propõe a conquista de toda a faixa
de terra entre os rios Pardo e das Contas, nos “campos que abeiram as matas que
se avizinham do mar” e as terras entre os rios Doce e Jequitinhonha; b) O
Regimento que Pedro Leolino Mariz conferiu a André da Rocha Pinto, nomeando-o
cabo maior da conquista das terras ocupadas do gentio bravo, desde o Rio das
Contas, grande até o rio São Matheus.
Ambos os documentos fazem parte do “fundo” denominado “Manuscritos do
Brasil”, que é uma importante coleção de Códices. No caso, os documentos
mencionados encontram-se no livro nº 7 dos “Manuscritos do Brasil”.
Por que o documento de Pedro Barbosa Leal é importante para o estudo da
invasão do Sertão da Ressaca? – Por vários motivos: 1º) É um documento do qual
se pode extrair o Grau de Conhecimento que os portugueses possuíam da vasta
região entre os rios Pardo e das Contas, por volta de 1.720; 2º) É um documento
de caráter estratégico – um verdadeiro programa de invasão e ocupação efetiva
de uma área extensa não controlada ainda por portugueses; 3º) demonstra a
motivação econômica para a ocupação do Sertão entre mencionados rios. Não tenho
dúvida de que Pedro Barbosa Leal pretendia efetivamente ocupar o Planalto da
Conquista, pois quando ele fala em campos que abeiram as matas, certamente está
a referir-se à caatinga e mata-de-cipó que se aproximam da Mata-Atlântica.
Imagina aquele sertanista ( que também fora Superintendente das Minas) a
bandeira para a invasão do território e a criação de dois arraiais, um dos
quais entre o rio das Contas e os Ilhéus, para “Conquistar e franquiar todo o
continente que vai das Minas do Rio de Contas pelas cabeceiras do Jequiriça,
Cairu, Camamu e Ilheos até a do Jequitinhonha e Rio Grande”, em suas palavras.
Outro arraial deveria ser construído, segundo Pedro Barbosa Leal, entre o
Jequitinhonha e o rio Grande, a fim de “Conquistar e Franquiar o Certão das
cabeceiras de Porto Seguro, rio das Caravelas até o rio Doce”. Então, imaginava
Pedro Barbosa Leal a conquista de vasta área na qual está incluído o Planalto
da Conquista, grosso modo – o “Sertão da Ressaca”. O autor pormenoriza chefias
dos arraiais e quantitativo de homens. Mas, demonstrando espírito de
estrategista, Pedro Barbosa Leal prevê ainda: “Para o estabelecimento, aumento,
e conservação da conquista se deve criar uma povoação na ponta da Barra do
Morro de São Paulo, na terra firme, a donde se assista a quem comandar aquelas
tropas, com escrivão, almoxarife para o que pertencer à Fazenda Real, assim das
presas que se fizerem, como para as despesas das armas e munições donde se hão
de fazer todas as expedições para um e outro sertão, assim da gente para as
tropas, como das munições e armas de todas as partes da conquista, e se hão de
rotar e abrir estradas para a dita povoação, por onde se há de comunicar, tanto
com os socorros e provimentos dos arraiais, como para o recolhimento das presas
que se forem fazendo”. Palavras de Pedro Barbosa Leal.
Como se vê, imagina o autor do documento ora resenhado, uma verdadeira
operação de guerra e conquista, inclusive com aprisionamento de índios como
escravos. propõe que, na costa, no morro de São Paulo, local estratégico meio
caminho entre Salvador e a foz do rio das Contas, seja estabelecido arraial que
sirva de base de operações para a invasão do território que se inicia após a
Mata Atlântica.
O documento é importante também no que diz respeito à motivação da
invasão do sertão da Ressaca: A busca de ouro, o aprisionamento e combate ao
índio, o estabelecimento de arraiais que garantissem a ocupação territorial.
Não se pode dizer que o texto de Pedro Barbosa Leal não desencadeou
fatos. Em verdade, foi o referido sertanista autorizado a formar bandeira para
acometer aquele sertão. Sabe-se, no entanto, que a tropa teve de retroceder em
razão de terem os seus membros sido vitimados pelo sarampo.
De outra forma, a idéia e a proposta de conquistar o território entre os
rios de Contas, Pardo e São Mateus teve continuidade. É aí que entra o segundo
documento importante, da Torre do Tombo, existente no Livro 7 dos “Manuscritos
do Brasil”. Trata-se do citado “Regimento” que Pedro Leolino Mariz passou, em
1725, a André da Rocha Pinto, dentre outras coisas, nomeando-o “cabo maior da
conquista das terras ocupadas do gentio brabo, desde o rio das Contas Grande
até o rio de São Mateus”.
O Regimento de Pedro Leolino Mariz é também de caráter
estratégico-militar, às vezes definindo mesmo a forma de combate. Foi
organizada uma “bandeira” para conquistar as terras entre os rios São Mateus,
Pardo e das Contas e, no referido regimento, consta a motivação da invasão do
território, incluindo a parte hoje conhecida como Planalto da Conquista. Eram
estes os objetivos: a) Encontrar minas de metais preciosos; b) estabelecer
fazendas de gado; c) dar guerra aos índios de “língua travada”; d) estabelecer
arraiais.
Veja-se que o “Regimento de Pedro Leolino Mariz continua a estratégia e
motivação daquele anterior de Pedro Barbosa Leal. Acentue-se, por igual, que
expressamente Pedro Barbosa Leal fala em campos que ficam de permeio entre a
mata grossa da beira-mar, e as caatingas destes certões. A leitura do documento
indica que a localização refere-se a parte do Planalto da Conquista, que está
“de permeio” entre a Mata Atlântica e a Caatinga.
Então, os documentos referidos – A carta de Pedro Barbosa Leal e o
“Regimento” de autoria de Pedro Leolino Mariz, são dois importantes documentos,
dentre outros existentes na Torre do Tombo, que se referem a invasão da região
hoje centralizada por Vitória da Conquista. É bom que se diga que a Biblioteca
Nacional (Rio de Janeiro) possui cópia de parte do Livro 7 dos “Manuscritos” do
Brasil, incluíndo aí os dois documentos referidos.
Quero, agora, destacar dois documentos, dentre os muitos existentes no
Arquivo Histórico Ultramarino, que também se referem à invasão do Sertão da
Ressaca. São os seguintes: a) Ofício de João Gonçalves da Costa ao Ouvidor de
Porto Seguro, dando conta de conquistas feitas no Sertão da Ressaca, em 1783;
b) a Memória Sumária e Compendiosa da Conquista do Rio Pardo, de 1806. São dois
documentos. O primeiro é uma certidão extraída do original (há certidão do
mesmo teor existente na Torre do Tombo) – Por este documento de 1783,
verifica-se que João Gonçalves da Costa já incursionava pela encosta do
Planalto, pela região onde surgiriam Jequié e Ipiaú, pela área hoje conhecida
como região Pastoril de Itapetinga. O documento menciona lutas contra os índios
Mongoiós e Imborés. O outro documento que aqui ressalto, de grande importância,
é a “Memória Sumária e Compendiosa da Conquista do rio Pardo”. Trata-se de
documento em original, com a assinatura de João Gonçalves da Costa. Esta
“Memória Sumária” já havia merecido publicação, inclusive no Inventário Castro
e Almeida dos documentos Relativos ao Brasil existentes do Arquivo de Ultra Mar
de Lisboa” (hoje Arquivo Histórico Ultramarino), porém a transcrição de Castro
e Almeida publicada no volume 32 dos Anais da Biblioteca Nacional possui uma
pequena falha: Não copia a informação da morte de crianças indígenas apresadas
pela tropa de João Gonçalves da Costa. O documento é relevante pelas
informações contidas sobre os índios, sobre luta ocorrida durante a conquista e
sobre oposição entre Mongoiós e Imborés. Embora João Gonçalves tivesse descido
o rio Pardo para verificar a navegabilidade ou a não navegabilidade desse rio,
o documento é mais importante para o historiador não pela informação sobre a
possível utilização daquele rio, mas pela informação sobre os indígenas e pelo
relato de luta ocorrida em proximidade do “Couro D’ Anta”. Tanto o ofício de
1783, quanto a “Memória Sumária e Compediosa da Conquista do Rio Pardo” estão
acessíveis hoje aos conquistenses graças ao Projeto Resgate, que trouxe para o
Brasil microfilmes dos documentos existentes no Arquivo Histórico Ultramarino,
além de CDS Room, tendo a UESB sido agraciada com CDS Room contendo os
documentos daquele arquivo relativos à Bahia, um bom número dos quais interessa
à história de nossa região.
O Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa) contém o melhor acervo de
documentos referentes ao período colonial do Brasil.
Finalmente, quero falar, rapidamente para não lhes cansar, de um
importantíssimo acervo que interessa a nossa história regional, especialmente à
história do relacionamento entre indígenas e invasores em nosso espaço
Geográfico próximo. Trata-se do rico acervo do “Arquivo da Propaganda Fide”
(Arquivo da Ordem dos Capuchinhos, em Roma). A “Historiografia Conquistense”
ainda não explorou referido acervo. Mas este é importante e revelador. Aí estão
cartas e relatos dos capuchinhos italianos que trabalharam na bacia do rio
Catulé, do Verruga, do Pardo, na área de Itambé, Itapetinga, Potiraguá,
Cachimbo (hoje Capinarana, em Ribeirão do Largo). Aí trabalharam Frei Ludovico
de Livorno, entre os Camacãs e os Aimorés (Guerens), por volta de 1817 a 1820;
Frei Francisco Antonio de Salerno, que trabalhou entre Mongoiós e Imborés, em
Santo Antonio da Cruz, não longe de Inhobim; Frei Rainero de Ovada, na Barra do
Catulé, entre os Aimorés. Todos deixaram escritos – cartas e relatórios -,
muitos dos quais se encontram no Arquivo de Propaganda Fide. De relevo, dentre
os relatos, há uma carta de Frei Ludovico de Livorno à Propaganda Fide, datada
de 14 de julho de 1817, que é fundamental para o estudo etno-antropológico dos
Camacãs. Aliás, o mesmo Frei Ludovico escreveu duas cartas a Baltasar da Silva
Lisboa, que a publicou, sobre aquele povo indígena. Samuel de Lodi compilou
notícias ditadas por referido Frei e as enviou à Propaganda Fide.
Como se vê, ainda temos muito que pesquisar e estudar sobre a história
de nossa região. Este é um trabalho coletivo que exige mentalidade de
colaboração recíproca ao invés de concorrência ou de disputas. A verdade
histórica emerge necessariamente de trabalho de múltipla colaboração. ( texto
adaptado de comunicação feita).
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