terça-feira, 22 de maio de 2012


Política Externa do Regime Militar do Brasil.
12th/mar/2009 . 4:06 pm 

Ruy Medeiros.
1. Introdução
Não se pode falar de modelo único na política externa dos governos militares no Brasil. Há aspectos diferenciadores entre a política externa que vai de abril de 1964 a 15 de março de 1974, e aquela do período posterior. Embora regimes voltados para a manutenção do statu quo e basicamente posicionados em favor das potências imperialistas, os períodos de governo de Humberto Alencar Castelo Branco ( de 15.4.64 a 15.3.67), Artur da Costa e Silva (15.3.67 a 29.8.69), junta militar (29.8.69 a 31.10.69) e Emílio Garrastazu Médici (31.10.69 a 15.3.74), implementam uma política externa diferente daquela que seria adotada no período seguinte, de Ernesto Geisel (15.3.74 a 15.3.79) e João Batista de Oliveira Figueredo (15.3.79 a 15.3.85).
Os governos do ciclo ditatorial, de início executam uma política externa de total alinhamento aos Estados Unidos e direcionado pelo conceito de fronteiras ideológicas e da inevitalidade da guerra. Trata-se de uma política formulada de acordo com os conceitos da Doutrina da Escola Superior de Guerra e da idéia da inteira integração do Brasil a uma cultura ocidental cristã. este período vai do governo de Humberto de Alencar Castelo Branco a Emílio Garrastazu Médici, portanto de 15.4.64 a 15.3.74. O segundo período apresenta uma política externa de maior envolvimento no mundo e é marcada pelo conceito de “pragmatismo responsável”. Não se confunde, no entanto, com a “política externa independente”, que fora preconizada por San Tiago Dantas para o período imediatamente anterior ao ciclo da ditadura militar, isto é, para a política do governo de João Goulart, deposto pelo golpe de 31 de março de 1964.
É o que, resumidamente, veremos.
2. Os primeiros governos militares – Sua política externa.
2.1. Antecedentes -
Jânio da Silva Quadros, Presidente de República, de 31.1.61 a 25.8.61, e João Goulart, Presidente de República, de 7.9.61 a 1.4.64, ensaiam em seus curtos governos uma política externa que se autodenominou de “independente”. Política Externa Independente é o que preconizam os ministros das relações exteriores Afonso Arinos (governo Jânio Quadros) e San Tiago Dantas ( governo João Goulart). O segundo destes ministros sintetizou em quatro pontos o seu conceito de referida política: “a) Contribuição à preservação da paz, através da política de coexistência e do apoio ao desarmamento geral e progressivo; b) Reafirmação e fortalecimento dos princípios de não intervenção e autodeterminação dos povos; c) Ampliação do mercado externo brasileiro mediante o desarmamento tarifário da América Latina e a intensificação das relações comerciais com todos os países, inclusive os socialistas; d) Apoio à emancipação dos territórios não autônomos, seja qual for a forma jurídica utilizada para sua sujeição à matrópole” (Dantas, San Tiago – “Política Externa Independente”).
O ensaio de política externa de San Tiago Dantas foi curto. O golpe de estado de 31 de março de 1964 terminou por desferir-lhe fundo golpe, alterando substancialmente as diretrizes da política externa do Brasil.
2.2. A política externa fortemente aliada ao “bloco ocidental”- 1964 a 1974.
No período de 1964 a 1974, sob os governos de Castelo Branco, Costa e Silva, Junta Militar e Garrastazu Médici, a política externa do Brasil funda-se na idéia da inevitabilidade da guerra entre blocos contendores no mundo marcado pela “ guerra fria”, a noção, muito cara à Escola Superior de Guerra, das “fronteiras ideológicas” e o alinhamento aos Estados Unidos. É claro que, questões outras ocorrem, como a velha motivação da política externa brasileira do equilíbrio da (na) Bacia do Prata. O regime implantado pelos golpistas de 1964 teve apoio decisivo, mesmo quando da preparação, dos Estados Unidos da América. Em 1965, a Aliança para o Progresso, já instalada desde antes no país, resolve firmar dois acordos com o Brasil, de financiamentos, no valor de Cr$ 23 bilhões de cruzeiros. Mais tarde, no ano seguinte, novo empréstimo é concedido ao Brasil, no valor de Cr$ 130 bilhões. Embora, no início de 1968, com fortes denúncias de sua interferência no Brasil, tenham os EEUU dito que não concederiam mais ajuda militar de segurança ao país, a colaboração não cessou. Muitos militares brasileiros continuaram a ser treinados por oficiais americanos, especialmente para ações contra-revolucionárias.
No período, causaram forte repulsa popular os acordos celebrados entre o Ministério da Educação do Brasil com a USAID – acordos MEC-USAID, no valor de U$ 32 milhões, que importavam em forte intromissão daquela potência na organização do ensino superior no Brasil.
Embora tenha havido algumas demandas comerciais com os EEUU, especialmente no que se refere à exportação de café solúvel, a tônica da política externa foi exatamente a de atrelamento do Brasil aos Estados Unidos. Em 1971, pode-se dizer que o relacionamento entre os dois países ficara submetido a dois princípios: a) O Brasil seria o principal aliado dos EEUU na América Latina; b) O Brasil seria considerado pelos EEUU, independentemente da política interna dos militares, o lider do Hemisfério Sul. Nixon sintetizou, quando da visita de Garrastazu Médici aos Estados Unidos, 7.9.71, sua política externa em relação ao Brasil com a seguinte afirmativa: “Onde for o Brasil, irá a América Latina”.
Apesar da submissão da política externa conduzida por Vasco Leitão da Cunha ( sob Castelo Branco) e Mário Gibson Barbosa ( sob Garrastazu Médici), tentava-se criar uma imagem interna de patriotismo, ou nacionalismo. A adoção do limite de 12 para 200 milhas das águas territoriais brasileiras foi fortemente utilizada para encobrir a submissão da política externa brasileira. Um dos principais acordos internacionais do período é acordo atômico com os EEUU, pelo qual a Usina de Angra dos Reis deveria receber 12 toneladas de urânio enriquecido fornecido pela agência de energia nuclear norte-americana.
O Brasil, no período, toma partido do “ocidente” e cuida de fortalecer posições no âmbito da América Latina. Em 1965, enviara tropas à República Dominicana a fim de impedir a revolução social naquele país. Volta-se para fortalecer sua posição no Prata, através do Paraguai e, depois, do Uruguai. Com o Paraguai firma o Acordo de Itaipu, para geração e distribuição de Energia Elétrica. tenta, via OEA, a adoção de um acordo comum sobre medidas contrárias às ações oposicionistas no continente, em conjunto com a Argentina, Paraguai, Equador, Haiti e Guatemala. Com o Paraguai celebra novo acordo, em 1971, para integração rodoviária, assistência técnica e científica e combate aos movimentos guerrilheiros, e com o mesmo país constrói a ponte sobre o Rio Apa. Com a Costa Rica assina declaração contra o terrorismo. Com a Bolívia, acordo econômico e de cooperação é assinado, em 1972, especialmente na área de empreendimentos rodoviários e petróleo. Com a Argentina contrata a construção da usina de Sete Quedas. Com Argentina e Uruguai firma acordo sobre transporte internacional terrestre.
Então, a política externa brasileira, nas gestões do período de 1964 a 1974, conduzidas por Vasco Leitão de Cunha e Mário Gibson Barbosa (houve uma interinidade com Jorge de Carvalho e Silva), fundamentalmente observa a regra da inevitabilidade da guerra e que, neste caso, o Brasil pertence ao Bloco do ocidente; da existência de fronteiras ideológicas às quais se submete a política do país; de que o Brasil é principal aliado dos EEUU no hemisfério Sul e líder da América Latina. O país envolve-se na cooperação com os regimes ditatoriais da América Latina (reconheceu, por exemplo, o Governo de Pinochet, no Chile, logo 2 dias depois do golpe contra Allende) e continua a velha preocupação da diplomacia brasileira de manter o equilíbrio da (na) Bacia do Rio da Prata. Pode-se dizer que houve uma correspondente da “ linha dura” para a política externa. Também esta lembra a política de relações exteriores de Eurico Dutra.
3. A política externa do “pragmatismo responsável”.
O Ministro das Relações Exteriores, Antonio Francisco Azeredo da Silveira, cunha uma expressão para caracterizar a política externa do regime militar brasileiro sob Ernesto Geisel: “Pragmatismo Responsável”. A “doutrina” da política externa de Azeredo da Silveira pode ser considerada, em relações exteriores, a outra face da “distenção lenta, gradual e segura” com que Ernesto Geisel caracterizava sua política interna.
Realmente, a partir de Geisel, a política externa brasileira, sem deixar de apoiar os EEUU e de manter a colaboração com os regimes autoritários dos países latino-americanos, promove uma ofensiva para relacionar-se com grande número de países e reaproximar-se de outros dos quais havia se afastado.
Trata-se de um período (Geisel e Figueredo) muito movimentado da política externa.
Há razões que permitem entender a virada: Internamente, a crise do “milagre econômico” fazia com que o país necessitasse de novos mercados para seus produtos e matérias primas; externamente, a crise passava a criar dificuldades para o Brasil, pois os capitais externos não vinham como antes. Por outro lado, cada vez mais ficava evidente que o bipolarismo do mundo cedia lugar ao multipolarismo e que a “detente” avançava. A fase mais crítica da guerra-fria e dos movimentos de libertação nacional parecia estar passando. A crise da dívida externa passou a agudizar.
O país necessitava atuar num mundo mais complexo de que aquele que era definido a partir do conceito de “fronteiras ideológicas”. Agora, diante da crise, percebia-se que o Brasil tinha interesse e que os objetivos militares de fazer do país uma potência deveria levar em consideração outros fatores. É exatamente isso que a ditadura militar vai fazer. Fará sem deixar de apoiar suas congêneres na América Latina. Além disso, a ditadura desgastava-se e sofria de isolamento político internacional. A ampla ofensiva buscava também a saída do isolamento, num mundo em que as ditaduras iam caindo.
A partir de Geisel, a presença da diplomacia brasileira no mundo é bem maior. A ditadura militar passa a adotar medidas imprevisíveis mesmo para o perfil do governo ditatorial até então.
Assim é que o governo brasileiro reconhece de imediato o poder que, em Portugal, emergiu da “Revolução dos Cravos”, mas não se recusa a conceder asilo político ao presidente deposto (Américo Thomás) e ao Primeiro Ministro (Marcelo Caetano) daquele país. Reconhece também a independência da Guiné-Bissau, em julho de 1974, a independência de Angola e seu Governo do MPLA, e o do Moçambique. Nestes novos países, cria embaixadas. Com o presidente português, Ramalho Eanes, em 1978, firma comunicado conjunto em favor da autodeterminação dos povos. Suspende relações diplomáticas com o regime de Anastazio Somoza da Nicarágua, em 1979.
Relações diplomáticas são implementadas com outros países, a nível de embaixada, como foi o caso da Líbia, Bulgária e Hungria, Serra Leoa, Gabão, Maurício Jamaíca, Romênia, (1974) e o país estabelece relações diplomáticas com os Emirados Árabes, Barein, Omã, Moçambique, e permite, em 1979, a instalação de um escritório da OLP (Organização para a Libertação da Palestina), em Brasília.
São estabelecidas relações com a República Popular da China (em agosto de 1974) e rompidas relações com Formosa (depois retomadas) e com a URSS e com Cuba ( para este país, em janeiro de 1982, foi enviada uma missão empresarial brasileira).
Trata-se de um período em que inúmeros acordos comerciais foram celebrados. A diplomacia da ditadura cuidou de buscar países do terceiro mundo, ampliar sua presença na América do Sul, ajudando sobretudo as ditaduras militares da região, mas de conservar íntegras suas relações com o chamado mundo desenvolvido. Complicadores que surgiram na América Latina, com a Argentina (problemas com transporte terrestre, descontentamento com o enchimento da barragem de Ilha Solteira e com o fato de aviões ingleses terem feito parada no Brasil quando se destinavam às Malvinas), foram removidos e a velha questão do equilíbrio do Prata foi mantida com aproximação e ajuda aos governos do Paraguai e do Uruguai. Com os Estados Unidos da América surgiram problemas referentes a protecionismo de produtos americanos, à questão nuclear, e às críticas do Governo estadunidense à política interna da ditadura militar (desrespeito aos direitos humanos), tendo o Brasil rompido o acordo militar vigente com os EEUU desde 1952.
A questão da energia atômica foi uma das motivações centrais da diplomacia brasileira no período. Neste sentido, foram feitos acordos de apoio técnico com a Alemanha (1975), a China Popular (1979), a Argentina, Peru (1978). Também o foi a questão da Amazônia, com medidas de caráter militar, comercial, científicas e geopolíticas, consubstanciadas em vários acordos com os países amazônicos.
4. Conclusão.
Pensamos que este é o panorama mais geral das relações exteriores da ditadura militar no Brasil. Há períodos distintos dentro do ciclo autoritário, assim como breves exceções dentro do quadro geral. Por exemplo, permitiu o governo Médici, em outubro de 1971, que o industrial Horácio Coimbra acertasse com Pequim a exportação de produtos brasileiros, no valor de cinco milhões de dólares para a China. Mas esta “abertura” foi algo excepcional. Sob os governos até Médici o comum era a consideração geopolítica de fronteiras ideológicas e o amarramento aos Estados Unidos. A partir de Geisel, houve abertura das ações diplomáticas para o mundo, maior equilíbrio em relação aos Estados Unidos. No entanto, nos dois momentos, a preocupação em manter a paz nos países de fronteira foi uma constante e isso sobretudo foi pensado e aceito pelo regime autoritário brasileiro como apoio aos regimes ditatoriais.
O panorama é breve, dadas as condições de tempo impostas pelo curso.
O presente texto é resumo de aula do ciclo “História Recente do Brasil”, promovido pelo Departamento de História da UESB.
Vitória da Conquista, 12 de novembro de 1998.
Postado em: Col. Ruy MedeirosGeral.

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