quarta-feira, 30 de maio de 2012


A UESB e a Autonomia Universitária (Digitado, 04/1999)


            Uma das lutas maiores dos professores de nível superior foi aquela pela autonomia das universidades. Vencida a luta contra a cátedra vitalícia, uma forte palavra de ordem do movimento estudantil nas décadas de 50 e 60, os estudantes e professores centraram poder de fogo contra a ditadura militar e a favor da autonomia universitária.
            Foi o movimento dos mais responsáveis, dos que realmente amavam a liberdade e o ensino. A luta contra a intromissão militar na universidade foi conduzida com força, nas ruas e nos espaços internos das escolas. Muitos foram presos em razão do combate pelo ensino livre e de qualidade.
            É sempre bom lembrar: O Decreto-lei 477/69 passou a ser a justificativa “legal” da ditadura militar para expulsar estudantes e professores das escolas, inclusive das universidades. Muitos foram expulsos. O atual Presidente da República, por exemplo, foi aposentado compulsoriamente da USP - Universidade de São Paulo, quando era professor e sociólogo. A “base legal” (?) de sua expulsão foi o Decreto-lei 477/69, instrumento fascista contra o ensino e os professores.
            Aquele terrível Decreto-lei nazista passou a ser alvo de ódio de professores e estudantes, os quais sempre entenderam que a sua revogação era “tarefa primordial” das “forças democráticas” (assim se falava então). As universidades foram peadas militarmente. A reação foi-se formando aos poucos, a partir dos jovens, na década seguinte, especialmente a partir de 1975. A luta pela revogação do 477 era um dos aspectos da luta pela autonomia universitária.
            No final dos anos 70, mais especialmente a partir dos anos 80, iniciou-se o processo que ficou conhecido como “universidade emergente”. Pequenos atos de rebeldia e de desobediência criadores foram-se estabelecendo e impondo nova forma de conceber e gerir a universidade. Professores e alunos retomavam antigas “palavras de ordem” com novas táticas. Aos poucos, os colegiados acadêmicos foram fortalecendo-se, associações de professores foram criadas, estudantes reorganizaram-se, a luta pela qualificação de professores ganhou espaço, nova concepção de universidade foi-se estabelecendo. Não era só a estrutura tecnocrática pretendida pelos militares que era contestada, mas a própria função da universidade. Não se tratava, segundo professores e estudantes avançados, apenas de modernizar a estrutura da universidade, porém de mudá-la estruturalmente considerando sua função política. O saber não devia ser apenas o saber técnico. A universidade precisava romper com o seu caráter de
“aparelho ideológico do estado”, na expressão de outros.
            Na Constituinte de 1988, a luta ecoou. A busca da autonomia universitária reconhecida constitucionalmente foi bandeira que abrigou o maior número de professores e estudantes, juntamente com a luta pelo “ensino público, gratuito e de qualidade”. Da redação definitiva da Constituição da República passou a constar a autonomia universitária. A Constituição do Estado da Bahia tinha que abrigar o instituto e o abrigou.
            Uma das questões postas pela autonomia universitária é exatamente a eleição direta por votação secreta de todos os seus dirigentes, ou mais estritamente, de seus reitores.
            A legislação aplicável às universidades federais dispõe que o reitor seja nomeado a partir de uma lista tríplice formada por professores universitários escolhidos de votação uninominal secreta e direta. O colégio eleitoral escolhe os professares e os três mais votados compõem a listra tríplice. Daí sairá o Reitor, por nomeação do Sr. Presidente da República.
            No Estado da Bahia, a legislação prevê providência semelhante àquela existente no âmbito federal, porém não define que a votação dos candidatos a figurarem na lista tríplice tenha a forma de votação uninominal. Na Bahia, a lei não prevê votação uninominal, e os decretos que aprovaram os regulamentos das respectivas universidades prevêem a eleição direta, voto secreto, mas não definem a forma uninominal de votação. No entanto, o regulamento de cada universidade, devidamente aprovado, diz que cabe ao órgão máximo da Universidade resolver os casos omissos e fixar a interpretação de suas normas.
            Ou seja, a lei baiana deixou campo um pouquinho maior para a universidade estadual no que se refere à forma de votação para candidatos a figurantes na lista tríplice a ser submetida ao Governador do Estado para que, dentre aqueles, nomeie o Reitor. A universidade pode definir a “forma de votação”, se por listas, se por chapas, se uninominal, etc...
            Mas, a situação, como em outros momentos, “está pegando fogo”. Sempre se sabe que as eleições na UESB - Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia são disputadíssimas. Mas também se sabe que aí vigora uma prática que tem sido obedecida desde a eleição de Carlos Botelho: O mais votado é aquele cujo nome é submetido ao Governador. Assim ocorreu com Pedro Gusmão e assim ocorreu com o atual Reitor, Waldenor Alves Pereira Filho (como dizem os mais velhos - “o filho de Nôzinho Coletor”). Na eleição deste, foi feito um pacto entre os concorrentes: o menos votado não aceitaria a nomeação a fim de que a maioria não fosse frustrada em sua escolha. Waldenor, apesar de não ser filiado aos partidos dos que vêm governando a Bahia nos últimos anos, foi nomeado Reitor.
            Agora, a briga retorna. E retorna inclusive quanto à forma de votação: É que o Conselho Universitário regulamentou a votação dos pretendentes a cargo de Reitor na forma de chapa. Isto é, os participantes do Colégio Eleitoral votam em uma chapa. A chapa vencedora já terá os três nomes mais votados, submetidos ao Governador de Estado para que um dentre eles seja nomeado Reitor. Este articulista soube que, posteriormente, por interferência do Sr. Secretário de Educação, o Conselho Universitário da UESB reuniu-se a fim de dar nova regulamentação à matéria (“forma de votação”). Aquele Conselho, que não estava legalmente obrigado a dar outra regulamentação, reuniu-se e aprovou outra opção: a forma de votação plurinominal. Isto é, o eleitor vota em três candidatos. Os mais votados farão parte da lista tríplice. De novo, um grupo de professores está contestando a validade da norma que prevê a votação plurinominal.
            Não dá muito para entender porque o Conselho Universitário da UESB aceitou a interferência do Sr. Secretário de Educação em matéria de competência daquele colegiado. Porém muito menos é aceitável o comportamento de pessoas que buscam aquela interferência ou que, em prejuízo da pouquíssima autonomia universitária, querem que a forma de votação seja imposta de cima pra baixo.
            A pequena autonomia universitária que hoje se tem foi conquistada com luta. Alguns que a buscaram foram expulsos das universidades, tiveram careiras coarctadas pelo arbítrio militar. Errou o CONSU da UESB quando, a pedido do Secretário de Educação, reapreciou a matéria (embora a tenha reapreciado de forma legal, possível, apesar de não agradar aos políticos situacionistas). Erram aqueles que querem jogar fora o pouquinho de autonomia de que gozam as universidades. É tão pouquinho que quase não se vê, mas foi fruto de uma luta de gerações.
            É evidente que o Estado é um só. É uma bobagem achar que, com tantos regulamentos e peias do estado burguês, a presença de um Reitor de oposição cause estragos. Também é bobagem achar que a ocupação de espaços no estado burguês é algo revolucionário. A autonomia universitária é importante, não porque se possa “aproveitar brechas”, ou coisa semelhante. Ela é importante porque o ensino precisa da mais ampla liberdade (maior mesmo que a denominada autonomia universitária).
            Neste sentido, não se pode abraçar soluções que impliquem em diminuir a autonomia da UESB. Abraçá-las seria atentar contra a história e contra a liberdade de ensino.

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