A UESB e a Autonomia Universitária (Digitado,
04/1999)
Uma das lutas maiores dos
professores de nível superior foi aquela pela autonomia das universidades.
Vencida a luta contra a cátedra vitalícia, uma forte palavra de ordem do
movimento estudantil nas décadas de 50 e 60, os estudantes e professores
centraram poder de fogo contra a ditadura militar e a favor da autonomia
universitária.
Foi o movimento dos mais
responsáveis, dos que realmente amavam a liberdade e o ensino. A luta contra a
intromissão militar na universidade foi conduzida com força, nas ruas e nos
espaços internos das escolas. Muitos foram presos em razão do combate pelo
ensino livre e de qualidade.
É sempre bom lembrar: O Decreto-lei
477/69 passou a ser a justificativa “legal” da ditadura militar para expulsar
estudantes e professores das escolas, inclusive das universidades. Muitos foram
expulsos. O atual Presidente da República, por exemplo, foi aposentado
compulsoriamente da USP - Universidade de São Paulo, quando era professor e
sociólogo. A “base legal” (?) de sua expulsão foi o Decreto-lei 477/69,
instrumento fascista contra o ensino e os professores.
Aquele terrível Decreto-lei nazista
passou a ser alvo de ódio de professores e estudantes, os quais sempre
entenderam que a sua revogação era “tarefa primordial” das “forças
democráticas” (assim se falava então). As universidades foram peadas
militarmente. A reação foi-se formando aos poucos, a partir dos jovens, na
década seguinte, especialmente a partir de 1975. A luta pela revogação
do 477 era um dos aspectos da luta pela autonomia universitária.
No final dos anos 70, mais
especialmente a partir dos anos 80, iniciou-se o processo que ficou conhecido
como “universidade emergente”. Pequenos atos de rebeldia e de desobediência
criadores foram-se estabelecendo e impondo nova forma de conceber e gerir a
universidade. Professores e alunos retomavam antigas “palavras de ordem” com
novas táticas. Aos poucos, os colegiados acadêmicos foram fortalecendo-se,
associações de professores foram criadas, estudantes reorganizaram-se, a luta
pela qualificação de professores ganhou espaço, nova concepção de universidade
foi-se estabelecendo. Não era só a estrutura tecnocrática pretendida pelos
militares que era contestada, mas a própria função da universidade. Não se tratava,
segundo professores e estudantes avançados, apenas de modernizar a estrutura da
universidade, porém de mudá-la estruturalmente considerando sua função
política. O saber não devia ser apenas o saber técnico. A universidade
precisava romper com o seu caráter de
“aparelho ideológico do estado”, na expressão de outros.
“aparelho ideológico do estado”, na expressão de outros.
Na Constituinte de 1988, a luta ecoou. A busca
da autonomia universitária reconhecida constitucionalmente foi bandeira que
abrigou o maior número de professores e estudantes, juntamente com a luta pelo
“ensino público, gratuito e de qualidade”. Da redação definitiva da
Constituição da República passou a constar a autonomia universitária. A
Constituição do Estado da Bahia tinha que abrigar o instituto e o abrigou.
Uma das questões postas pela
autonomia universitária é exatamente a eleição direta por votação secreta de
todos os seus dirigentes, ou mais estritamente, de seus reitores.
A legislação aplicável às
universidades federais dispõe que o reitor seja nomeado a partir de uma lista
tríplice formada por professores universitários escolhidos de votação uninominal
secreta e direta. O colégio eleitoral escolhe os professares e os três mais
votados compõem a listra tríplice. Daí sairá o Reitor, por nomeação do Sr.
Presidente da República.
No Estado da Bahia, a legislação
prevê providência semelhante àquela existente no âmbito federal, porém não
define que a votação dos candidatos a figurarem na lista tríplice tenha a forma
de votação uninominal. Na Bahia, a lei não prevê votação uninominal, e os
decretos que aprovaram os regulamentos das respectivas universidades prevêem a
eleição direta, voto secreto, mas não definem a forma uninominal de votação. No
entanto, o regulamento de cada universidade, devidamente aprovado, diz que cabe
ao órgão máximo da Universidade resolver os casos omissos e fixar a
interpretação de suas normas.
Ou seja, a lei baiana deixou campo
um pouquinho maior para a universidade estadual no que se refere à forma de
votação para candidatos a figurantes na lista tríplice a ser submetida ao
Governador do Estado para que, dentre aqueles, nomeie o Reitor. A universidade
pode definir a “forma de votação”, se por listas, se por chapas, se uninominal,
etc...
Mas, a situação, como em outros
momentos, “está pegando fogo”. Sempre se sabe que as eleições na UESB -
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia são disputadíssimas. Mas também se
sabe que aí vigora uma prática que tem sido obedecida desde a eleição de Carlos
Botelho: O mais votado é aquele cujo nome é submetido ao Governador. Assim
ocorreu com Pedro Gusmão e assim ocorreu com o atual Reitor, Waldenor Alves
Pereira Filho (como dizem os mais velhos - “o filho de Nôzinho Coletor”). Na
eleição deste, foi feito um pacto entre os concorrentes: o menos votado não
aceitaria a nomeação a fim de que a maioria não fosse frustrada em sua escolha.
Waldenor, apesar de não ser filiado aos partidos dos que vêm governando a Bahia
nos últimos anos, foi nomeado Reitor.
Agora, a briga retorna. E retorna
inclusive quanto à forma de votação: É que o Conselho Universitário
regulamentou a votação dos pretendentes a cargo de Reitor na forma de chapa.
Isto é, os participantes do Colégio Eleitoral votam em uma chapa. A chapa
vencedora já terá os três nomes mais votados, submetidos ao Governador de Estado
para que um dentre eles seja nomeado Reitor. Este articulista soube que,
posteriormente, por interferência do Sr. Secretário de Educação, o Conselho
Universitário da UESB reuniu-se a fim de dar nova regulamentação à matéria
(“forma de votação”). Aquele Conselho, que não estava legalmente obrigado a dar
outra regulamentação, reuniu-se e aprovou outra opção: a forma de votação
plurinominal. Isto é, o eleitor vota em três candidatos. Os mais votados farão
parte da lista tríplice. De novo, um grupo de professores está contestando a
validade da norma que prevê a votação plurinominal.
Não dá muito para entender porque o
Conselho Universitário da UESB aceitou a interferência do Sr. Secretário de
Educação em matéria de competência daquele colegiado. Porém muito menos é
aceitável o comportamento de pessoas que buscam aquela interferência ou que, em
prejuízo da pouquíssima autonomia universitária, querem que a forma de votação
seja imposta de cima pra baixo.
A pequena autonomia universitária
que hoje se tem foi conquistada com luta. Alguns que a buscaram foram expulsos
das universidades, tiveram careiras coarctadas pelo arbítrio militar. Errou o
CONSU da UESB quando, a pedido do Secretário de Educação, reapreciou a matéria
(embora a tenha reapreciado de forma legal, possível, apesar de não agradar aos
políticos situacionistas). Erram aqueles que querem jogar fora o pouquinho de
autonomia de que gozam as universidades. É tão pouquinho que quase não se vê,
mas foi fruto de uma luta de gerações.
É evidente que o Estado é um só. É
uma bobagem achar que, com tantos regulamentos e peias do estado burguês, a
presença de um Reitor de oposição cause estragos. Também é bobagem achar que a
ocupação de espaços no estado burguês é algo revolucionário. A autonomia
universitária é importante, não porque se possa “aproveitar brechas”, ou coisa
semelhante. Ela é importante porque o ensino precisa da mais ampla liberdade
(maior mesmo que a denominada autonomia universitária).
Neste sentido, não se pode abraçar
soluções que impliquem em diminuir a autonomia da UESB. Abraçá-las seria
atentar contra a história e contra a liberdade de ensino.
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