segunda-feira, 28 de março de 2016

Com essa burguesia medíocre é dramático que a gente não consiga reaglutinar os oprimidos

Blog do Fábio Sena Entrevistar o professor de Direito, advogado e historiador Rui Medeiros é sempre uma riquíssima experiência de aprendizagem política. Dedicado estudioso da história política e social do Brasil, extraordinário memorialista e crítico mordaz do pragmatismo que adoeceu os partidos políticos brasileiros, ele tem o excelente hábito de não tergiversar nem deixar com meias respostas às perguntas que lhe são formuladas. Num cenário sombrio, de uma crise política e econômica que, para alguns, pode até colocar em xeque o regime democrático, é salutar ouvir os esclarecimentos de quem, no lugar de optar pela defesa passional de quaisquer dos lados em confronto, assume uma postura analítica. Não se trata, porém, de uma postura fria, calçada em dados e estatísticas. Rui Medeiros realiza uma leitura minudente do cenário, apontando responsáveis – o capitalismo à frente – e jogando luzes nas sombras. Abaixo, a íntegra da entrevista: BLOG DO FÁBIO SENA: Que avaliação mais geral pode ser feita do cenário político atual no Brasil? RUI MEDEIROS: A exaustão do modelo partidário do Brasil está exposta. Já não existem programas (exceto para época eleitoral ou para captação de apoio em fase de reaglutinação, mas nada sério, e sem fundamentação). Veja-se o recente projeto neoliberal tardio do PMDB cujo objetivo é de obter apoio da burguesia em momento de crise e firmar-se como alternativa, sem tocar no essencial que é a exaustão partidária. Não há partidos fortes hoje no Brasil, há partidos com maior ou menor número de deputados que agem como as birutas dos aeroportos: ficam sempre à espreita de para onde o vento sopra. A representatividade se dilui em atuação de bancadas e a população não decide diretamente. A incorporação dos movimentos sociais ao Estado promovida a partir do governo FHC e aprofundada pelas gestões do PT paralisou ações populares e destituiu de autonomia entidades diversas. Sem autonomia, não têm força ou programa e não sabem como agir diante de propostas antitrabalhistas do governo atual, optando por tentar segurar Dilma Roussef no Governo, de forma geral. Nessa situação a direita política cresce, políticos de matizes diversas são vaiados e viúvas da ditadura e vivandeiras de quartéis são aplaudidos. BLOG: A crise é econômica, política, partidária, ideológica, moral… E o que mais? RUI: Crise de cultura, crise de quadros. Veja, Fábio, você já atravessou uma fase em que a música predominante é tão ruim? É uma “sofrência”. Já reparou como os meios de comunicação cada vez são mais repetitivos e como a retórica substitui a fundamentação? Já observou como os clichês são utilizados e desdobrados? Até o riso e o tom dos apresentadores televisíveis são previsíveis, repetitivos. Os juristas são substituídos por repórteres. Que dizer dos quadros da burguesia? Você conhece algum parlamentar ou algum ministro que possa ser chamado de estadista? Nesse momento de crise, acusações sobre quem é mais indecente substituem o discurso doutrinário e a proposta para direcionar rumos. E o discurso para saber quem é bom, desde que o bom seja da direita. Nada de pensamento perigoso, apontam os parlamentares. A criminalização da atividade política adiciona um dado a mais: a judicialização de conflitos, pois a mediocridade não os resolve em instância do parlamento. Você fala em crise moral, mas já viu como são os políticos que pagam com a forte exposição (seletiva) na mídia, e empresas e empresários (seus mantenedores) são meros figurantes na coxia? Porque não falam (ao contrário endeusam) a ética das instituições? Afinal temos um conjunto de instituições que suprimem nossa liberdade, limitam nossa autonomia de conduta, a todo momento ajusta nossas ações. As instituições com suas razões de Estado, seus cálculos, não são éticas. Como dizem os burgueses elas são sólidas, estão funcionando. Sólidas e funcionando para os grupos? Para os vazamentos de informes que deveriam ser sigilosos durante um tempo? Para a restrição aos direitos previdenciários? Éticas e sólidas como? – Para suprimir direitos, atendendo reclamos dos setores retrógrados de nossa população. BLOG: Na sua avaliação, qual a responsabilidade do PT nesta crise toda? RUI: Há aqueles que culpam o botequim da esquina pela inflação. Absolve o capitalismo e sua dinâmica de crise, atribuir a crise a um partido, a um fulano. A crise é do capitalismo, que se desdobra com maior força num lugar ou noutro (Estados Unidos num momento, Grécia, noutro, Portugal e Espanha…). Bem, será que aí também o combalido PT é responsável? Há políticas que são aplicadas para minorar efeitos da crise estrutural do capitalismo ou para adiá-las que parecem adequadas, aliviam, porém lá adiante cobram o preço. A avaliação que o PT fez da crise (marolinha, lembra-se?) a partir do consumo cobrou preço alto. Houve “renúncia” parcial a ingresso de tributos para manter (ou diminuir) preço, expansão do crédito para consumo, sob entendimento que a crise era de subconsumo, e aconteceu que o Estado arrecadou menos e a população endividou-se. Quando o desemprego chega, a desindustrialização se estabelece, vê-se o drama de quem só tem débitos ou de quem encontra-se na iminência de ser um grande possuidor… de dívidas. É grande parte da população que se encontra “consignada”, não proventos de aposentadoria e salário. A escolha foi difícil, mas para ser honesto, outras escolhas de outros países funcionaram? A crise é do capital. PT e demais partidos com força no congresso e na sociedade são partícipes, mas há uma lógica do capital. Agora, “impostômetros” e impostores querem jogar os efeitos sobre quem não controla capital e a imoralidade é preconizada pelos diversos partidos: arrocho salarial, diminuição de seguro desemprego, alteração, para piorar, dos direitos previdenciários, etc. essa moral também não deve ser combatida? Ela é tão grave quanto outras imoralidades que compõem aquilo que você está, convencionalmente, chamando de crise moral. A própria razão burguesa é imoral. BLOG: O historiador enxerga alguma relação de semelhança entre o que se verifica agora e o ano de 1964? RUI: Todas as crises se parecem. Mas isso ocorre superficialmente quando se trata de momentos históricos. Há explicações de crise econômica aplicáveis às diversas circunstâncias, porém contextos, agentes, grau de desenvolvimento são diferentes e exigem análise “desta” ou “daquela” crise. 1964 foi momento em que um projeto dava sinais de desfuncionalidade e as “novas” alternativas que ele apontava poderiam alterar situações bem estabelecidas num mundo polarizado, com projetos definidos quanto ao uso do poder, enquanto hoje as viúvas de 1964 foram batidas, de um lado pelas transformações sociais e, de outro lado, pela falta de renovação. Muito bom que seus interlocutores sejam medíocres e que ainda a vigilância pela liberdade exista. O próprio modelo de 1964 evoluiu do neoliberalismo para forte intervenção econômica do Estado por meio de empresas estatais e de economia mista (participação de 33% na Economia, com controle de grandes empresas naquele tempo). Muitos se lembram da série de reportagens do Estadão sobre a República Socialista do Brasil (!). Coisa do Estadão, mas que indicava a grande participação do Estado na economia. BLOG: Qual a saída para a crise. O impedimento da presidente é uma alternativa? Aliás, há governabilidade possível com Dilma Rousseff dirigindo a nação ou o governo já se dissolveu? RUI: Não se encontra nos modelos disponíveis de políticas econômicas da burguesia saída para crise. O governo fala em reajuste fiscal, mudanças na Previdência Social, criação de novos tributos. Os opositores fariam isso. O PT poderia deixar de ser tão cauteloso e escancarar: recuperar velha proposta de Serra (quem diria?) da regulamentação do Imposto Sobre Grandes Fortunas, previsto na constituição, tributação de serviços supérfluos (Estados, Municípios), também prevista na Constituição. A burguesia lucrou e lucra muito e deve arcar com despesas. Deveria haver debate sobre essas questões junto à população. A adoção não impedirá a crise, porém trará contribuição às finanças públicas. Quanto ao Impedimento de Dilma, a crise não é ela! Ela se encontra na crise. As frações da burguesia não encontram caminho da governabilidade e querem estabelecer um pacto provisório de poder, com novas regras para o condomínio e submissão de novo síndico a essas regras. Saia ou não Dilma, já está evidente que as instituições devem ser rearranjadas. É necessário mobilização popular para que a burguesia brasileira não provoque maior retrocesso quanto aos direitos trabalhistas, previdenciários, sociais, enfim. Saindo ou ficando Dilma, teremos o mesmo congresso medíocre e as mesmas soluções de gestão do Estado. Quem não conhece práticas gerenciais (reforma do Estado) postas antes em prática pela coalisão anterior? Santa ingenuidade pensar que o impedimento de Dilma é a questão central. BLOG: Se lhe fosse possível dar um conselho a Dilma Rousseff ou a Lula, que conselho seria este? RUI: Não dou conselho a nenhum deles. Acho que eles e demais gerentes do poder precisam analisar trajetórias. Mas isso não é conselho. BLOG: Do ponto de vista da oposição, qual a responsabilidade de partidos como o PSDB e PMDB neste processo? RUI: Não se pode pedir responsabilidade de quem pensa com estômago e nunca ouviu falar, mesmo entre burgueses, no ideal de ser estadista. São pequenos e pensam que salvar o barco é pegar o primeiro bote que aparecer, mesmo que tenha nome de pauta bomba. Que é isso? Será que ninguém notou que não há política legislativa e que o republicanismo está se distanciando? É ridículo ver como PT, PMDB, PSDB, PSB, PV, etc, deixam que a pauta da mídia seja a pauta do Estado. Com essa burguesia medíocre, é dramático que a gente não consiga reaglutinar os oprimidos. - See more at: http://blogdofabiosena.com.br/v2/noticias/politica/rui-medeiros-com-essa-burguesia-mediocre-e-dramatico-que-a-gente-nao-consiga-reaglutinar-os-oprimidos/#sthash.Lev4JWfu.dpuf

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