Ruy Medeiros
À memoria de Vladimir Herzog e Manoel Fiel Filho
Estranha
ordem do dia, ou mensagem de co(re)momeração foi lida nos quartéis
por determinação do Presidente da República. Dela pode ser feito
um resumo naquilo que respeita à história: não houve ditadura no
Brasil.
Trata-se
de negar para esconder algo de que se envergonha?
Em
verdade, cabe pedido de desculpas, no mínimo, por aqueles que
impuseram a ditadura:
Desculpa
por atentar contra a
democracia: depondo Presidente eleito cujos poderes, depois de
limitados, foram restituídos pelos eleitores em plebiscito; cassando
mandatos legislativos e executivos legitimamente conquistados em
eleições; suspendendo direitos políticos; estabelecendo eleições
indiretas para governadores e senadores (uma cadeira por Estado
federado); extinguindo partidos políticos; impondo a um Congresso um
Presidente e uma Constituição, para que esse os aprovasse sem
recurso à recusa; impondo Decretos-leis aprovados por decurso de
prazo;
Desculpa
por atentar contra a ciência,
a cultura, a inteligência, liberdade de pensar, cantar, ler e
liberdade de informar: censurando livros, músicas, teatro, filmes,
jornais e revistas; expulsando professores, estudantes e cientistas
das escolas e universidades, impondo a necessidade de exilio a
intelectuais, isto é, impedindo a vivência democrática.
Desculpa
por atentar contra a
liberdade: vigiando, coagindo, prendendo e ameaçando pessoas e
grupos.
Desculpa
por atentar contra a vida:
matando e torturando.
Desculpa
por fazer isso tudo e deixar
como herança: pesada dívida pública, impedindo investimentos
necessários para a implementação de direitos sociais; não
esclarecimento de crimes perpetrados pelo poder, luto incerto,
sofrimento, nódoa marcante e indelével na história do País;
Agora,
como se não bastassem luto mal realizado e corpos ocultados, ao
invés da voz da verdade – a negativa dessa.
Ossos,
como em Perús, que eram enterrados clandestinamente com finalidade
de apagar crimes de governantes, agora têm como sequência o
vergonhoso enterro da verdade. Em nota, os ossos da verdade são
sepultados à luz do dia, negando ossos escondidos.
Enterro
da verdade feito ao modelo de qualquer república banana.
Antígona,
filha de Édipo, foi proibida por Creonte de dar sepultura a seu
irmão. Ergueu-se no entanto contra a proibição de seu tio e lançou
terra sobre o cadáver insepulto que se destinava a ser pasto de
abutres. Antígona foi punida: viva foi enterrada no túmulo dos
labdácidas (ancestrais de Édipo).
Lá,
na Grécia, o fato é lendário. E aqui?
O
poder muitas vezes não devolveu corpos no Brasil e as Antígonas
brasileiras não receberam sequer desculpas, no entanto, tanto tempo
é passado.
Recebemos
elas e nós a abominável mentira.
Esses
que negam sua existência.
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