quinta-feira, 24 de maio de 2012


                                                           Anistia


                                               “Vale a Pena Sonhar”
                                                                                                          Ruy Medeiros


                                               Vale a pena ler - e como vale -  o  livro de Apolonio de Carvalho:  “ Vale a Pena Sonhar ” (Editora Rocco, Rio de Janeiro, 1997).

                                               Ainda adolescente, não me lembro em que capítulo, lí em  “Os Subterrâneos da Liberdade”,  de Jorge Amado, referência a  um jovem tenente de 25 anos que embarcara em busca da Espanha para alistar-se nas fileiras da guerra anti-fascista do povo espanhol. Aquilo me ficou na lembrança e me impressionou fortemente. Depois, militante jovem na esquerda, soube que o tenente de que fala Jorge Amado era Apolônio de Carvalho. Aqui e alí o nome passou a ser familiar. terminei por saber de quem se tratava. Quando de um dos muitos  “rachas “ do partidão, voltei a ler e ouvir o nome do tenente. Afinal, o PCBR, que criara com outros dissidentes, deu muito o que falar, inclusive na Bahia. Não demorou muito, eis que aparece em jornais e no écran da televisão a imagem de um homem de 57 anos junto a u’a  maioria  jovem: Era 1970. O homem de 57 anos era Apolonio de Carvalho. Estava dentre aqueles que foram  “trocados”  pelo  cônsul alemão que houvera sido seqüestrado pela esquerda armada em luta contra a ditadura militar.



                                               - O Autor -



                                               Apolonio Carvalho nasceu em Corumbá, em 1912, filho de Cândido Pinto de Carvalho Junior, militar, e de Inês Carvalho, descendente de proprietários rurais. Em 1930, ingressa na Escola Militar de Realengo, como opção de sobrevivência, pois não teria como custear Faculdade de Medicina. Já na escola Militar de Realengo mantém contato com professores e colegas de esquerda. Transferido para Bagé, comanda a bateria do 3º Grupo de Artilharia a Cavalo, e passa a militar na ANL - um tipo de  “frente popular”,  que teve grande importância na década de 30, apesar de ter contado pouco tempo de existência legal. Em razão de sua participação política, é preso em maio de 1936.

                                               Após adquirir a liberdade, Apolonio Carvalho, por decisão aceita do PCB, viaja à Espanha. Vai participar, junto às Brigadas Internacionais, da Guerra Civil Espanhola. Então, a república Espanhola fora levada a uma das guerras mais sangrentas pelos  generais fascistas, Francisco Franco na direção. Democratas e Comunistas de todo o mundo ouviram o grito do povo espanhol e foram criadas as B   Brigadas Internacionais.

                                               Apolônio participa ativamente dos combates anti-fascistas na Espanha e quando as Brigadas saem do solo espanhol e cruzam a fronteira da França, é confinado com muitos companheiros no campo de Argelès -sur - mer,  campo de concentração enfemisticamente chamado de campo de acolhida. Daí foge e vai para a França.

                                               Em solo Francês, Apolonio passa a lutar ao lado da  “Resistência”. A França fora ocupada pelos Nazistas.

                                               A luta é difícil e tenaz. Libertada a França, seus serviços são reconhecidos. É aí, na luta, que conhece aquela que desde então seria sua companheira - Renée.

                                               Derrotado o Estado Novo no Brasil e anistiados os condenados por crimes políticos, Apolonio volta a seu país  de origem e à militância de esquerda. Após algum tempo de atuação legal, o PCB foi posto na ilegalidade e Apolônio voltou a combater sob a clandestinidade. Durante os Governos de JK  e de Jango,  pode atuar na  “semilegalidade”.  Mas o golpe militar de 1964 o empurra de novo para a clandestinidade.

                                               Percebendo a insuficiência político-organizativa do PCB, junto a outros companheiros cria o PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, grupamento de esquerda armada, do qual é eleito secretário geral. Em janeiro de 1970, o PCBR começa a cair quase que completamente, no Rio, em São Paulo e no Paraná. Apolonio e seus principais dirigentes (Salatiel Rolim, Mario Alves, Miguel Batista, Nicolau Tolentino...) são presos.

                                               Sofreu todo tipo de tortura na prisão. Sobreviveu a elas. Ficou preso durante cinco meses.


                                               Saiu do cárcere com outros 39 presos políticos,  “trocados” pelo embaixador da Alemanha, que fora sequestrado por um grupo de esquerda, e todos  “expulsos” para a Argélia.

                                               Apolonio só voltaria ao Brasil após a anistia.


                                             - O Livro -



                                               Apolonio de Carvalho, em estilo direto - geralmente narrrativo (apenas em poucos momentos disserta) - conta a sua vida. Os relatos, sobretudo das condições de luta na Espanha e na França ocupada, emocionam. Conclui que vale a pena sonhar e mais que isso, muito mais.
                                  
                                               O livro é realmente importante. Após relatar quem eram seus pais e de falar sobre sua infância, o autor traz informações (as vezes explicações) valiosas sobre o clima político na Escola Militar do Realengo no início da década de 30, o clima nos quartéis, sobre a ANL, as prisões políticas, as frentes de combate na Espanha (relatos muitas vezes emotivos das lutas, dificuldades, solidariedade e divergências entre os anti-fascistas), combates do grupo a que o autor pertencera na Resistência (luta contra os nazistas na França), o retorno ao Brasil, as lutas do PCB, a criação do PCBR, a expulsão para a Argélia (1970), o retorno ao Brasil com a anistia. Ressalte-se que o autor não teme comprometer a objetividade com depoimentos emotivos e é com muito carinho, respeito e admiração que se refere à companheira de luta na Resistência francesa e de sua vida a partir de então - Renée. A leitura prende. Há muitas vezes algo de suspense, de tensão.
                                  
                                               As divergências no campo da esquerda não podem impedir que se lavre um tributo de respeito ao homem que, hoje com 86 anos, reafirma sua vontade de continuar lutando.
                                  
                                               Não deixe de ler o livro de Apolonio de Carvalho.  

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