Anistia
“Vale a Pena Sonhar”
Ruy
Medeiros
Vale
a pena ler - e como vale - o livro de Apolonio de Carvalho: “ Vale a Pena Sonhar ” (Editora Rocco, Rio de
Janeiro, 1997).
Ainda
adolescente, não me lembro em que capítulo, lí em “Os Subterrâneos da Liberdade”, de Jorge Amado, referência a um jovem tenente de 25 anos que embarcara em
busca da Espanha para alistar-se nas fileiras da guerra anti-fascista do povo espanhol.
Aquilo me ficou na lembrança e me impressionou fortemente. Depois, militante
jovem na esquerda, soube que o tenente de que fala Jorge Amado era Apolônio de
Carvalho. Aqui e alí o nome passou a ser familiar. terminei por saber de quem
se tratava. Quando de um dos muitos “rachas
“ do partidão, voltei a ler e ouvir o nome do tenente. Afinal, o PCBR, que
criara com outros dissidentes, deu muito o que falar, inclusive na Bahia. Não
demorou muito, eis que aparece em jornais e no écran da televisão a imagem de
um homem de 57 anos junto a u’a maioria jovem: Era 1970. O homem de 57 anos era
Apolonio de Carvalho. Estava dentre aqueles que foram “trocados” pelo cônsul
alemão que houvera sido seqüestrado pela esquerda armada em luta contra a
ditadura militar.
- O Autor -
Apolonio
Carvalho nasceu em Corumbá, em 1912, filho de Cândido Pinto de Carvalho Junior,
militar, e de Inês Carvalho, descendente de proprietários rurais. Em 1930,
ingressa na Escola Militar de Realengo, como opção de sobrevivência, pois não
teria como custear Faculdade de Medicina. Já na escola Militar de Realengo
mantém contato com professores e colegas de esquerda. Transferido para Bagé,
comanda a bateria do 3º Grupo de Artilharia a Cavalo, e passa a militar na ANL
- um tipo de “frente popular”, que teve grande importância na década de 30,
apesar de ter contado pouco tempo de existência legal. Em razão de sua
participação política, é preso em maio de 1936.
Após
adquirir a liberdade, Apolonio Carvalho, por decisão aceita do PCB, viaja à
Espanha. Vai participar, junto às Brigadas Internacionais, da Guerra Civil
Espanhola. Então, a república Espanhola fora levada a uma das guerras mais
sangrentas pelos generais fascistas,
Francisco Franco na direção. Democratas e Comunistas de todo o mundo ouviram o
grito do povo espanhol e foram criadas as B
Brigadas Internacionais.
Apolônio
participa ativamente dos combates anti-fascistas na Espanha e quando as
Brigadas saem do solo espanhol e cruzam a fronteira da França, é confinado com
muitos companheiros no campo de Argelès -sur - mer, campo de concentração enfemisticamente
chamado de campo de acolhida. Daí foge e vai para a França.
A
luta é difícil e tenaz. Libertada a França, seus serviços são reconhecidos. É
aí, na luta, que conhece aquela que desde então seria sua companheira - Renée.
Derrotado
o Estado Novo no Brasil e anistiados os condenados por crimes políticos,
Apolonio volta a seu país de origem e à
militância de esquerda. Após algum tempo de atuação legal, o PCB foi posto na
ilegalidade e Apolônio voltou a combater sob a clandestinidade. Durante os
Governos de JK e de Jango, pode atuar na “semilegalidade”. Mas o golpe militar de 1964 o empurra de novo
para a clandestinidade.
Percebendo
a insuficiência político-organizativa do PCB, junto a outros companheiros cria
o PCBR - Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, grupamento de esquerda
armada, do qual é eleito secretário geral. Em janeiro de 1970, o PCBR começa a
cair quase que completamente, no Rio, em São Paulo e no Paraná. Apolonio e seus principais
dirigentes (Salatiel Rolim, Mario Alves, Miguel Batista, Nicolau Tolentino...)
são presos.
Sofreu
todo tipo de tortura na prisão. Sobreviveu a elas. Ficou preso durante cinco
meses.
Saiu
do cárcere com outros 39 presos políticos,
“trocados” pelo embaixador da Alemanha, que fora sequestrado por um
grupo de esquerda, e todos “expulsos”
para a Argélia.
Apolonio
só voltaria ao Brasil após a anistia.
-
O Livro -
Apolonio
de Carvalho, em estilo direto - geralmente narrrativo (apenas em poucos
momentos disserta) - conta a sua vida. Os relatos, sobretudo das condições de
luta na Espanha e na França ocupada, emocionam. Conclui que vale a pena sonhar
e mais que isso, muito mais.
O livro é realmente importante. Após
relatar quem eram seus pais e de falar sobre sua infância, o autor traz
informações (as vezes explicações) valiosas sobre o clima político na Escola
Militar do Realengo no início da década de 30, o clima nos quartéis, sobre a
ANL, as prisões políticas, as frentes de combate na Espanha (relatos muitas
vezes emotivos das lutas, dificuldades, solidariedade e divergências entre os
anti-fascistas), combates do grupo a que o autor pertencera na Resistência
(luta contra os nazistas na França), o retorno ao Brasil, as lutas do PCB, a
criação do PCBR, a expulsão para a Argélia (1970), o retorno ao Brasil com a anistia.
Ressalte-se que o autor não teme comprometer a objetividade com depoimentos
emotivos e é com muito carinho, respeito e admiração que se refere à
companheira de luta na Resistência francesa e de sua vida a partir de então -
Renée. A leitura prende. Há muitas vezes algo de suspense, de tensão.
As divergências no campo da esquerda
não podem impedir que se lavre um tributo de respeito ao homem que, hoje com 86
anos, reafirma sua vontade de continuar lutando.
Não deixe de ler o livro de Apolonio
de Carvalho.
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