quarta-feira, 23 de maio de 2012


Conquista Tropeira

Ruy Medeiros

Afonso Arinos, em texto célebre, após considerar o trabalho do bandeirante, que penetrou pelo sertão e criou núcleos de população isolados, afirma corretamente que “quem salvou a obra épica, mas efêmera, do bandeirante, foi o trabalho modesto e paciente do tropeiro”.
Não foi diferente com os núcleos que surgiram no Sertão da Ressaca cujos principais focos foram a Imperial Vila da Vitória, hoje Vitória da Conquista, e Santo Antonio da Barra, hoje Condeúba, para, para só depois, surgirem outros – Poções, Tremedal, etc, que se comunicavam com outras regiões pelo trabalho do tropeiro.
Muares adquiridos na famosa feira de Sorocaba teriam formado os primeiros lotes de Tropas do Sertão da Ressaca e que atingiram grande importância, transportando gêneros diversos entre localidades sertanejas entre si e entre essas e aquelas do litoral. Posteriormente, a região passou a criar seus próprios muares e, inclusive, vendê-los para outras localidades.
Da região conquistense e do Alto Sertão as tropas levavam rapaduras, cachaça, fumo, arroz, toucinho, requeijão, etc, e traziam do litoral louças, vidros, ferragens, panos, objetos de metal, etc. Alguns desses produtos aqui chegados eram encaminhados para o norte e noroeste de Minas Gerais.
As rotas iniciais das tropas – e durante muito tempo – dirigiam-se para Ilhéus, Nazaré, Cachoeira e Rio Pardo, com seus pontos intermediários. Outras transitavam secundariamente para Maracás e povoações do Vale do Jequiriçá. Com o surgimento de novos núcleos de população ou aparecimento de um novo produto, outras rotas iam despontando. É o que aconteceu em fins do Século XIX e primeiras décadas do Século XX com a borracha da mangabeira (Oeste da Bahia) e da maniçoba, que exigiam tropas para o transporte, ou o pó de palha (cera do ouricuri), no período da 2ª Grande Guerra e após. Novo produto que necessitasse de transporte tinha sempre nas tropas o meio de seu escoamento.
Mesmo após a abertura de estradas e o advento do automóvel e das vias férreas, as tropas continuaram a levar e trazer produtos, diminuindo, no entanto, seu percurso. Algumas passaram a necessitar apenas de chegar a Jequié ou à estação ferroviária de Machado Portela, onde deixavam mercadorias ou onde as recebiam. Mas, não havendo estradas, inviabilizando a utilização de caminhões, as tropas continuaram seu labor, permitindo a sobrevivência de núcleos do interior, levando e trazendo encomendas, mercadorias não encomendadas, mas possível de ser vendidas, cartas e recados. Uma rota importante como a de Conquista a Ilhéus perdurou, pois rodovia só foi aberta na década de 1940 e faltavam às vezes regularidade de transporte rodoviário pela falta de caminhões.
A atividade tropeira impunha complemento: eram necessários arreios, selas, tacas, cangalhas, panacuns, caçuás, alforges, ferraduras, chapéus, etc, e quem os fizesse ou os vendessem, artesãos e negociantes.
Seleiros artesãos e donos de selaria tiveram seus nomes registrados, dentre outros, João Fernandes Sobrinho, Joaquim José Dias e Agenor A. Brasil, que aqui atuaram nas décadas de 10, 20 e 30 do século passado, e outros que depois vieram.
Donos de tropas estavam distribuídos por todo o grande território de Conquista (depois Vitória da Conquista), a exemplo de Antonio Feliciano Freire, Alípio Alves Pereira, Arlindo Gigante, Clemente Teixeira Santos, Fernando Gonçalves Quaresma, Julião J. Silva e Manoel José Teixeira.
As tropas não apenas eram viabilizadoras de comércio, pois muitas vezes o tropeiro e seus auxiliares eram incumbidos de levar cartas, deixar recados ou aceitar em sua companhia para viagem pessoa que, por variados motivos, temia viajar isoladamente. Muitas pessoas, que vieram para o Sertão da Ressaca, fizeram acompanhando tropa. Para homenagear com a lembrança, esse foi o caso do marinheiro Espanhol, abandonado doente no porto de Salvador, Blesa Serrano, que veio seguindo tropa para o sertão onde se tornou professor respeitado.
A tropa de muares era acionada pelo tropeiro (seu chefe), os camaradas, o cozinheiro e o arreeiro. Surgiram tropas em que o tropeiro condutor não era necessariamente seu proprietário, mas preposto deste, como era o caso de Dr. Nicanor Ferreira, médico, dono de tropas, que tinha um tropeiro a seu serviço.
Era a tropa distribuída em lotes, geralmente compostos de entre sete e nove muares, podendo haver tropas com quatro ou mais lotes, pois não havia número máximo destes. A partir de determinado ponto às vezes os lotes eram separados para destinos deferentes, onde se “cortavam” os lotes. Em Vitória da Conquista, há uma povoação denominada “Corta-Lote”, e esse nome preserva a memória de local onde a tropa se dividia.
O tropeiro viajava a cavalo e o restante de pessoal geralmente em jumentos. À frente de tropa estava uma besta ou égua, toda bem arreiada e enfeitada: era a madrinha da tropa. Guizos bem distribuídos e chocalho maior pendurado no pescoço tilintando denunciavam seu movimento e avisava a todos que a tropa seguia ou chegava à vila ou ao povoado. Não só guizos e cincerro distinguiam a madrinha, pois esta era ornamentada de fitas, penduricalhos de metal, espelho preso à testa, boneca e penachos na cabeça, compondo vestimenta que lhe dava importância. Era o principal animal da tropa e direcionava o trajeto do restante de muares, já acostumada às trilhas sertanejas.
Vitória da Conquista deve muito às tropas, aos tropeiros, arreieiros, cozinheiros e camaradas que palmilharam sertões e fizeram o encontro desses entre si e com o litoral em sua faina.

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