Conquista
Tropeira
Ruy Medeiros
Afonso
Arinos, em texto célebre, após considerar o trabalho do bandeirante, que
penetrou pelo sertão e criou núcleos de população isolados, afirma corretamente
que “quem salvou a obra épica, mas efêmera, do bandeirante, foi o trabalho
modesto e paciente do tropeiro”.
Não
foi diferente com os núcleos que surgiram no Sertão da Ressaca cujos principais
focos foram a Imperial Vila da Vitória, hoje Vitória da Conquista, e Santo
Antonio da Barra, hoje Condeúba, para, para só depois, surgirem outros –
Poções, Tremedal, etc, que se comunicavam com outras regiões pelo trabalho do
tropeiro.
Muares
adquiridos na famosa feira de Sorocaba teriam formado os primeiros lotes de
Tropas do Sertão da Ressaca e que atingiram grande importância, transportando
gêneros diversos entre localidades sertanejas entre si e entre essas e aquelas
do litoral. Posteriormente, a região passou a criar seus próprios muares e,
inclusive, vendê-los para outras localidades.
Da
região conquistense e do Alto Sertão as tropas levavam rapaduras, cachaça,
fumo, arroz, toucinho, requeijão, etc, e traziam do litoral louças, vidros,
ferragens, panos, objetos de metal, etc. Alguns desses produtos aqui chegados
eram encaminhados para o norte e noroeste de Minas Gerais.
As
rotas iniciais das tropas – e durante muito tempo – dirigiam-se para Ilhéus,
Nazaré, Cachoeira e Rio Pardo, com seus pontos intermediários. Outras transitavam
secundariamente para Maracás e povoações do Vale do Jequiriçá. Com o surgimento
de novos núcleos de população ou aparecimento de um novo produto, outras rotas
iam despontando. É o que aconteceu em fins do Século XIX e primeiras décadas do
Século XX com a borracha da mangabeira (Oeste da Bahia) e da maniçoba, que
exigiam tropas para o transporte, ou o pó de palha (cera do ouricuri), no
período da 2ª Grande Guerra e após. Novo produto que necessitasse de transporte
tinha sempre nas tropas o meio de seu escoamento.
Mesmo
após a abertura de estradas e o advento do automóvel e das vias férreas, as
tropas continuaram a levar e trazer produtos, diminuindo, no entanto, seu
percurso. Algumas passaram a necessitar apenas de chegar a Jequié ou à estação
ferroviária de Machado Portela, onde deixavam mercadorias ou onde as recebiam.
Mas, não havendo estradas, inviabilizando a utilização de caminhões, as tropas
continuaram seu labor, permitindo a sobrevivência de núcleos do interior,
levando e trazendo encomendas, mercadorias não encomendadas, mas possível de
ser vendidas, cartas e recados. Uma rota importante como a de Conquista a
Ilhéus perdurou, pois rodovia só foi aberta na década de 1940 e faltavam às
vezes regularidade de transporte rodoviário pela falta de caminhões.
A
atividade tropeira impunha complemento: eram necessários arreios, selas, tacas,
cangalhas, panacuns, caçuás, alforges, ferraduras, chapéus, etc, e quem os
fizesse ou os vendessem, artesãos e negociantes.
Seleiros
artesãos e donos de selaria tiveram seus nomes registrados, dentre outros, João
Fernandes Sobrinho, Joaquim José Dias e Agenor A. Brasil, que aqui atuaram nas
décadas de 10, 20 e 30 do século passado, e outros que depois vieram.
Donos
de tropas estavam distribuídos por todo o grande território de Conquista
(depois Vitória da Conquista), a exemplo de Antonio Feliciano Freire, Alípio
Alves Pereira, Arlindo Gigante, Clemente Teixeira Santos, Fernando Gonçalves
Quaresma, Julião J. Silva e Manoel José Teixeira.
As
tropas não apenas eram viabilizadoras de comércio, pois muitas vezes o tropeiro
e seus auxiliares eram incumbidos de levar cartas, deixar recados ou aceitar em
sua companhia para viagem pessoa que, por variados motivos, temia viajar
isoladamente. Muitas pessoas, que vieram para o Sertão da Ressaca, fizeram
acompanhando tropa. Para homenagear com a lembrança, esse foi o caso do
marinheiro Espanhol, abandonado doente no porto de Salvador, Blesa Serrano, que
veio seguindo tropa para o sertão onde se tornou professor respeitado.
A
tropa de muares era acionada pelo tropeiro (seu chefe), os camaradas, o
cozinheiro e o arreeiro. Surgiram tropas em que o tropeiro condutor não era
necessariamente seu proprietário, mas preposto deste, como era o caso de Dr.
Nicanor Ferreira, médico, dono de tropas, que tinha um tropeiro a seu serviço.
Era
a tropa distribuída em lotes, geralmente compostos de entre sete e nove muares,
podendo haver tropas com quatro ou mais lotes, pois não havia número máximo
destes. A partir de determinado ponto às vezes os lotes eram separados para
destinos deferentes, onde se “cortavam” os lotes. Em Vitória da Conquista, há
uma povoação denominada “Corta-Lote”, e esse nome preserva a memória de local
onde a tropa se dividia.
O
tropeiro viajava a cavalo e o restante de pessoal geralmente em jumentos. À
frente de tropa estava uma besta ou égua, toda bem arreiada e enfeitada: era a
madrinha da tropa. Guizos bem distribuídos e chocalho maior pendurado no
pescoço tilintando denunciavam seu movimento e avisava a todos que a tropa
seguia ou chegava à vila ou ao povoado. Não só guizos e cincerro distinguiam a
madrinha, pois esta era ornamentada de fitas, penduricalhos de metal, espelho
preso à testa, boneca e penachos na cabeça, compondo vestimenta que lhe dava
importância. Era o principal animal da tropa e direcionava o trajeto do
restante de muares, já acostumada às trilhas sertanejas.
Vitória
da Conquista deve muito às tropas, aos tropeiros, arreieiros, cozinheiros e
camaradas que palmilharam sertões e fizeram o encontro desses entre si e com o
litoral em sua faina.
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