Conversa
Conquistense nº 01
O
Artífice e sua Tenda
Ruy
Medeiros(Digitado, 04/2003)
Quando, no medonho tempo,
ingressei na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, lá estava
um ano escolar à frente o estudante Flávio Scaldaferri. Tinha ele, ao que me
lembro, predileção por uma calça bege de sarja (ou algum tecido semelhante) e
era visto sempre acompanhado de um gravador. Resoluto, estudioso, imaginavam
todos que dalí sairia um bom Advogado,
militante denodado de foruns.
Mas, em setembro de 1977, eu
o reencontrei. Já não era Advogado, sendo-o. Adiante explico o embrulho. Parece
que não se sentira estimulado e que seu coração pedia outra coisa. Levado à sua
presença por Hildebrando Oliveira, responsável
por muitas das boas fotografias estampadas no “Dimensão”, encontrei-o,
tanto tempo passado, em sua tenda.
Lá estava, naquele setembro,
numa casa simplesmente construída, o artífice do Jornal Dimensão. Havia uma
grande e tosca prateleira contendo diversas edições do seu jornal, material de
impressão (tinta, matrizes, papel) e outras coisas.
Batucava para manter em
Itapetinga um jornal semanal (não gostava da palavra hebdomadário) com recursos
simples: Uma “composer” IBM com duas ou três esferas de tipos, uma impressora
Ricoh de mesa, tinta, papel, matrizes, Letra Set, cola... Com a IBM,
datilografava rapidamente, alternando tipos. Corrigia o texto e colava tirinhas
de papel sobre a correção a fim de preparar a matriz. Com a Letra Set fazia as
manchetes. Os próprios técnicos da empresa Ricoh não acreditavam que daquela
impressora pudesse sair o jornal Dimensão com a qualidade gráfica e de espaço
que tinha. Mas saía, o bacharel mudado em jornalista e impressor fizera
adaptações. O incrível é que, com a matéria preparada, aquele homem compunha
todo o jornal num único dia, ou numa única tarde, de assentada. Ele só, no
mister de escrever, diagramar, paginar, juntar colaborações, datilografar,
corrigir, e ainda ajudava a imprimir. Era um pé de boi. Naquele tempo, o jornal
estampava bons artigos dele, Flávio, e de Thomaz Monte (filho).
Eu fora alí para tentar
viabilizar a impressão de um jornal planejado para ser semanal: “O Fifó”. É que
havia interesse de Flávio Scaldaferri em ter um pé em Vitória da Conquista, e
era meu interesse e de vários companheiros editar um jornal de oposição, tipo
alternativo. O Fifó saiu. Flávio Scaldaferri era seu editor, eu era o redator e
havia vários colaboradores (Gilson Moura, Hildebrando Oliveira, Sebastião
Castro, Hélio Gusmão...). Combinamos que Flávio financiaria as quatro primeiras
edições e as restantes nós outros tentaríamos pagar com recursos de
publicidade. O Fifó conseguiu sobreviver por 15 edições, algumas pagas, outras
“na casa do sem jeito”, com pagamento dispensado pelo Editor. Mas foi jornal
marcante. Até hoje é consultado por estudantes de vários níveis de Vitória da
Conquista. Textos seus são mencionados em dissertação de mestrado.
Continuou Flávio em sua tenda
de trabalho, fazendo seu Dimensão, hoje já com 32 anos, e servindo a
Itapetinga. Servindo com o que tinha de melhor: sua inteligência e sua cultura.
Dimensão tornou-se parte
integrante de Itapetinga. Flávio era dotado de grande amor pela história do
Município e algumas edições especiais são guardadas cuidadosamente por leitores
e utilizadas por professores e estudantes. Aliás, o primeiro esforço de resgate
da história de Itapetinga foi feito por iniciativa de Flávio Scaldaferri, em
sua primeira edição especial. Abrigou, nas páginas de Dimensão, memória sobre o
nascimento da cidade, escrita pelo Dr. Orlando
Bahia. Eu mesmo, por mais de uma vez, fui convidado (e atendi) para escrever
algo sobre Itapetinga.
O texto de Flávio era sempre
direto e bem escrito. Muito bem escrito e de caráter crítico.
A história foi passando. Nova
gráfica. Novos recursos. O artífice dos números iniciais tornara-se artista e
sua tenda se transformou em eficiente empresa gráfica. Dimensão continuou a ser
editado. Clientes perderam um Advogado, para que toda Itapetinga, em conjunto,
o tivesse como seu Advogado, mesmo que jornalista fosse – o seu defensor.
Então, o jovem que era visto como promissor advogado, não traíra expectativa,
mudou de forum apenas, seu forum era o jornal; sua causa era Itapetinga.
Tentou Flávio Scaldaferri,
mais uma vez, editar jornal para Vitória da Conquista. Para isso chamou Júlio
Emiliano de Oliveira. Saíram os números do Jornal da Semana, com seus
editoriais e com matérias sobre Vitória da Conquista, o qual circulou entre 24
de junho de 1998 a
21 de abril de 2002. Tive a honra de escrever em mais um jornal editado por
Flávio Scaldaferri - o Jornal da Semana,
enquanto este existiu. E era um bom (desculpe a palavra, Flávio) hebdomadário.
Flávio Scaldaferri faleceu em
30 de abril de 2003.
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