terça-feira, 22 de maio de 2012


Conversa Conquistense nº 01
1st/mar/2009 . 9:24 pm 

O Artífice e sua Tenda
Ruy Medeiros
Quando, no medonho tempo, ingressei na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, lá estava um ano escolar à frente o estudante Flávio Scaldaferri. Tinha ele, ao que me lembro, predileção por uma calça bege de sarja (ou algum tecido semelhante) e era visto sempre acompanhado de um gravador. Resoluto, estudioso, imaginavam todos que dalí sairia um bom Advogado, militante denodado de foruns.
Mas, em setembro de 1977, eu o reencontrei. Já não era Advogado, sendo-o. Adiante explico o embrulho. Parece que não se sentira estimulado e que seu coração pedia outra coisa. Levado à sua presença por Hildebrando Oliveira, responsável por muitas das boas fotografias estampadas no “Dimensão”, encontrei-o, tanto tempo passado, em sua tenda.
Lá estava, naquele setembro, numa casa simplesmente construída, o artífice do Jornal Dimensão. Havia uma grande e tosca prateleira contendo diversas edições do seu jornal, material de impressão (tinta, matrizes, papel) e outras coisas.
Batucava para manter em Itapetinga um jornal semanal (não gostava da palavra hebdomadário) com recursos simples: Uma “composer” IBM com duas ou três esferas de tipos, uma impressora Ricoh de mesa, tinta, papel, matrizes, Letra Set, cola… Com a IBM, datilografava rapidamente, alternando tipos. Corrigia o texto e colava tirinhas de papel sobre a correção a fim de preparar a matriz. Com a Letra Set fazia as manchetes. Os próprios técnicos da empresa Ricoh não acreditavam que daquela impressora pudesse sair o jornal Dimensão com a qualidade gráfica e de espaço que tinha. Mas saía, o bacharel mudado em jornalista e impressor fizera adaptações. O incrível é que, com a matéria preparada, aquele homem compunha todo o jornal num único dia, ou numa única tarde, de assentada. Ele só, no mister de escrever, diagramar, paginar, juntar colaborações, datilografar, corrigir, e ainda ajudava a imprimir. Era um pé de boi. Naquele tempo, o jornal estampava bons artigos dele, Flávio, e de Thomaz Monte (filho).
Eu fora alí para tentar viabilizar a impressão de um jornal planejado para ser semanal: “O Fifó”. É que havia interesse de Flávio Scaldaferri em ter um pé em Vitória da Conquista, e era meu interesse e de vários companheiros editar um jornal de oposição, tipo alternativo. O Fifó saiu. Flávio Scaldaferri era seu editor, eu era o redator e havia vários colaboradores (Gilson Moura, Hildebrando Oliveira, Sebastião Castro, Hélio Gusmão…). Combinamos que Flávio financiaria as quatro primeiras edições e as restantes nós outros tentaríamos pagar com recursos depublicidade. O Fifó conseguiu sobreviver por 15 edições, algumas pagas, outras “na casa do sem jeito”, com pagamento dispensado pelo Editor. Mas foi jornal marcante. Até hoje é consultado por estudantes de vários níveis de Vitória da Conquista. Textos seus são mencionados em dissertação de mestrado.
Continuou Flávio em sua tenda de trabalho, fazendo seu Dimensão, hoje já com 32 anos, e servindo a Itapetinga. Servindo com o que tinha de melhor: sua inteligência e sua cultura.
Dimensão tornou-se parte integrante de Itapetinga. Flávio era dotado de grande amor pela história do Município e algumas edições especiais são guardadas cuidadosamente por leitores e utilizadas por professores e estudantes. Aliás, o primeiro esforço de resgate da história de Itapetinga foi feito por iniciativa de Flávio Scaldaferri, em sua primeira edição especial. Abrigou, nas páginas de Dimensão, memória sobre o nascimento da cidade, escrita pelo Dr. Orlando Bahia. Eu mesmo, por mais de uma vez, fui convidado (e atendi) para escrever algo sobre Itapetinga.
O texto de Flávio era sempre direto e bem escrito. Muito bem escrito e de caráter crítico.
A história foi passando. Nova gráfica. Novos recursos. O artífice dos números iniciais tornara-se artista e sua tenda se transformou em eficiente empresa gráfica. Dimensão continuou a ser editado. Clientes perderam um Advogado, para que toda Itapetinga, em conjunto, o tivesse como seu Advogado, mesmo que jornalista fosse – o seu defensor. Então, o jovem que era visto como promissor advogado, não traíra expectativa, mudou de forum apenas, seu forum era o jornal; sua causa era Itapetinga.
Tentou Flávio Scaldaferri, mais uma vez, editar jornal para Vitória da Conquista. Para isso chamou Júlio Emiliano de Oliveira. Saíram os números do Jornal da Semana, com seus editoriais e com matérias sobre Vitória da Conquista, o qual circulou entre 24 de junho de 1998 a 21 de abril de 2002. Tive a honra de escrever em mais um jornal editado por Flávio Scaldaferri – o Jornal da Semana, enquanto este existiu. E era um bom (desculpe a palavra, Flávio) hebdomadário.
Flávio Scaldaferri faleceu em 30 de abril de 2003.

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