quinta-feira, 24 de maio de 2012


                                               A crise que engolfa o Mundo


                                                                                              Ruy Medeiros




Mais de um milhão de crianças encarceradas no Mundo. Estados que desmoronam e são   “recriados” a partir de fora. Milhões de desempregados. Fome e miséria. Decréscimo de população na África. Choques étnicos. Massacres. Genocídios.
O mundo está imerso numa crise que, sob muitos aspectos, é mais grave que a “grande depressão” de 1929.
As estatísticas sociais apenas revelam parte do problema, até porque reduzir sofrimento a números tem indisfarcável sabor de cinismo. Porém, quando lidas compreensivamente, extrapolando situações para os números, percebe-se com nitidez o crime social que ocorre sob nossos olhos, muitas vezes já banalizados pela repetição minuto a minuto de imagens chocantes. A repetição na forma como é realizada, sobretudo nas telas de TV, vem desempenhando o trabalho ideológico de banalizar a tudo, de dar a tudo certo caráter de normalidade ou, o que é também muito grave, de espetáculo.
Então, massacres étnicos mostrados de minuto a minuto são lidos por  “consumidores” como consequência normal, banal, da crise e esta sequer é questionada. Ou são veiculados em reportagens formatadas como espetáculo,  como se tivessem o mesmo valor de uma ficção de “Rambo” ou de outro fascista qualquer. E a linguagem televisiva tem realmente vendido fascismo, quer quando trabalha com a ficção, quer quando trabalha com a realidade. As estatísticas - números frios - chegam já trabalhadas ideologicamente pelos meios de comunicação  - chegam-nos esvaziadas ou, o que é pior, cheia do fascismo tão presente nas programações da TV e das rádios.
Não se pergunta o que significam mais de um milhão de crianças encarceradas no mundo. A explicação já vem dada: A crise. Que crise? - Porque? . Como? Por que crianças? Qual a dor? Qual o sofrimento? Quais as consequências? Basta ao poder dizer: Sinto muito, é a crise. Tudo explicado? Mesmo a dor mais recôndita? Mesmo o crime de Estado que isso representa? Sim. Porque punir aí significa ficar impune quanto aos próprios crimes. E o poder cinicamente - porque é poder - transfere o seu crime. Criminosos são os outros.  “O inferno são os outros”,  diria Sartre.
Que significa um continente ( África ) perder quase ou a metade de sua população? - Que crime tremendo a estatística encobre?
O mundo é cada vez mais um mundo de poucos, a serviço do bem estar de poucos, mesmo que isto ( ou exatamente porisso) signifique fome, guerra, miséria,  “limpezas étnicas”,  doenças.
20 grupos controlam o essencial da economia do mundo e impõem a ditadura, a fome, a morte.
O mundo está imerso em profunda crise. Desde os anos 70 (embora possa se recuar a 1964), as recessões ocorrem mais amiudamente. Momentos de crescimento ( que às vezes não chegam a ocupar toda capacidade ociosa das empresas) são logo substituídos por períodos de recessão.
O capitalismo intensificou o uso industrial de conquistas da ciência para sair da crise, de forma mais massiva e mais veloz. Ampliou o comércio. Tentou ganhar mais produtividade. Fez a especulação financeira. Mas nada disso resolveu. E a situação descamba para um paradoxo: crise mesmo diante de momentos de expansão econômica (porque a expansão passou a significar destruição de capacidade produtiva, de máquinas e de produtos).
De todo acréscimo científico-tecnológico à produção e da concorrência, resultam hoje desemprego e superprodução. As empresas, para diminuirem custos e aumentarem lucros,  adotaram técnicas e conhecimentos que tornam absoletos produtos e máquinas. A velocidade em adotar novas técnicas é fundamental para as empresas, sob pena de sucumbirem na concorrência com as mais rápidas.
Quem vê a descrição da linha de montagem nº 4 da Fábrica Tahara ( da Toyota, Japão), pode imaginar a  “loucura”.  Sobre aquela linha, William Greider diz, dentre outras coisas:  “A linha de montagem conhecida como nº 4 assemelha-se a uma louca construção de um jogo de Erector, com enormes e vagarosos equipamentos industriais movendo peças de um lado para outro. estranhamente confiantes no que estavam fazendo. Um brilho fluorescente esverdeado emanava da complexa superestrutura da linha, à medida que elementos desconectados de um carro flutuavam silenciosamente pela semi-escuridão. A carcaça vazia de uma carroceria azul deslizava para a frente lá em cima, capô aberto, sem portas nem motor. Lá embaixo, seus elementos de força, o motor e a transmissão, continuavam independentemente no chão da linha, carregados por um veículo baixo sem condutor. Enquanto lá em cima forças hidráulicas abaixavam a carroceria para encontrar com o chassi, o conjunto dos controles eletrônicos do carro perfaziam uma rota paralela através do complexo, aguardando seu momento.
“Um robô avançava para instalar os assentos. Outro, com olhos de câmera, fixava as portas. Um outro parafusava as rodas dianteiras. À medida que os elementos do “Lexus” se  reuniam,  um enorme engenho de transporte virava os veículos de lado, em posição mais conveniente para as operações de acabamento a serem feitas por mãos humanas. As máquinas operavam todas os pesados levantamentos também a maior parte do trabalho de precisão”.  (Greider, William - “O Mundo na corda Bamba”,  Geração Editorial, São Paulo, 1998).
O avanço tecnológico daquela linha de montagem permitiu à Toyota fabricar o carro  “Lexus” com apenas 18,4 horas de trabalho humano. O carro, na época, que era produzido em menor tempo era o Continental,  da Ford, em Wixom, com 34 horas de trabalho humano.
Pela descrição, percebe-se o quanto de operários foram dispensados e a brutal corrida das fábricas americanas para eliminar as vantagens da Toyota e não sucumbirem na concorrência. Resultado: Novos avanços, dispensa de empregados, maior produção.
A produção de mercadorias em quantidade maior, que a demanda exigiu, por outro lado, novas dispensas de mão de obra. A concorrência é intensificada.
O desemprego em massa de operários passou a ser constante não apenas em países em desenvolvimento: Em busca de menores salários e de incentivos fiscais, várias fábricas do “primeiro mundo” fecharam ou passaram a produzir apenas parte de suas mercadorias. Poderosos grupos econômicos passam a chantagear operários e suas organizações - afinal podem demonstrar como é fácil hoje desativar uma fábrica nos Estados Unidos ou na Europa e abrir outra em países em desenvolvimento - com mão de obra barata e com incentivos fiscais. Com tal prática comprimem os salários e o movimento dos operários não tem como responder à ofensiva. Oferecem os grandes grupos nos “países emergentes”  fábricas e empregos, mas sempre em troca de um movimento operário controlado, salários baixos e incentivos fiscais. O resultado é desemprego em países avançados, crise no movimento sindical, salários comprimidos em todos os países, perda de direitos ( inclusive  previdenciários) por parte dos trabalhadores.
O mundo, sobretudo em razão do grande número de desempregados, não amplia com a mesma força a demanda. Mercadorias ficam sem compradores. A  concorrência aguça o processo e como a lógica é diminuir custos, mais pessoas são lançadas ao desemprego e, portanto, menor fica o mercado consumidor.
A ampliação do comércio  mundial na década de 80 e inícios dos anos 90  (quando muitas barreiras foram destruídas) não foi suficiente para que a crise fosse debelada.
A expansão do comércio foi realmente extraordinária. Em 1991 as 500 maiores multinacionais venderam 5,2 trilhões de dólares ( em 1971 eram 721 bilhões de  dólares), porém o trabalho humano investido por aquelas  diminuiu bastante.
Como nunca, o capitalismo buscou a especulação financeira. De tal monta foi esta que títulos e ações e moedas distanciaram-se de sua base material e foi inevitável choque de reajustes com reflexos nas bolsas de valores de todo o mundo. Não apenas fundos de pensão eram jogados na especulação de aplicações nas bolsas. Mas títulos de países, moedas nacionais, etc, circulavam e circulam rapidamente. A cada boato de dificuldades de empresas ou de países, estabelece-se o pânico. Joga-se até mesmo na forma de ataques especulativos e os países são obrigados a dispor de suas reservas contra os ataques e a pagarem juros elevados. A microeletrônica permite que o movimento econômico-financeiro seja acompanhado bem de perto. Os grandes investidores retiram seus investimentos rapidamente de um país para outro. Podem fazê-lo de forma massiva e espantosamente rápido: Em 1989  as transações em moeda estrangeira correspondiam a 640 bilhões de dólares ao dia, porém no início da década de 90, aquelas transações eram da ordem de 1,2 trilhão por dia. Ora, as trocas  de moedas ocorrem exatamente porque os investidores precisam de moedas nacionais para comprarem ou venderem ações. Porisso as transações com moedas são forte indício do movimento desenfreado. Em 1996, William Greider disse, com base estatística, que   “o volume total global de títulos financeiros publicamente comercializados (cerca de 24 trilhões) aumenta a cada 24 dias”.
A especulação desenfreada, junto ao movimento superprodutivo, em inícios de 1996, quebrou o México. E o capital financeiro segue desestabilizando países, destruindo moedas. Ninguém o controla. Como explicar que as ilhas Cayman sejam a quinta potência mundial em empréstimos bancários?
Mercado altamente desconfiado, o mercado financeiro não corre -, risco: os investimentos são transferidos rapidamente de um país para outro ( inclusive investimentos com dinheiro  “sujo”), ou quando percebem possibilidades de ganhos maiores especulam contra moedas nacionais. Pouco importam aos fundos de investimento que países inteiros se desestabilizem, com consequentes efeitos de proliferação da miséria e da criminalidade.
Não se pense, no mundo em que o capital vê o globo como um espaço único, que a crise nas bolsas de valores dos países emergentes da Ásia terminem por aumentar a hegemonia dos EUA ou da Alemanha. Isso pode ocorrer momentaneamente, porque as dificuldades financeiras na Ásia terminarão por impedi-la de ter um comércio comprador mais ativo com os EUA e com a Europa, pois o Dólar ou Marco mais caros significam dificuldade de compras. E o Japão, grande produtor e grande especulador ( suas corretoras detêm um terço dos bônus do Tesouro dos Estados Unidos) tendem a  fazer a crise propagar-se com maior impulso. É a lógica do mercado globalizado: Os momentos de recessão cada vez mais estão pertos uns dos outros e cada vez mais são sincronizados mundialmente. A especulação financeira, as quedas nas bolsas, os desajustes macroeconômicos são apenas manifestações de uma crise muito mais profunda - a crise do próprio capitalismo.
E não se pode menosprezar a força da crise. Países inteiros são sucateados. Estados são destruídos e precisam ser reconstruídos pela “comunidade internacional”,  como ocorreu com o Afeganistão, a Libéria e a Somália.
Dentre outras coisas, sobre a Libéria, disseram técnicos do Banco Mundial:”
“De início, a guerra na Libéria deveu-se principalmente a razões sociais e políticas, tendo como objetivo essencial o controle do Governo Central. O financiamento externo ajudou a desencadear a guerra. Pouco a pouco, o controle dos ricos recursos naturais e de outras riquezas do país, além de constituirem um instrumento de obtenção de fundos para  guerra, passou a ser um fim em si mesmo para as facções em luta.
“Essas fucções dependem de um suprimento constante de venda gerada pela exportação de borracha, madeira, minério de ferro, ouro e diamantes. Durante períodos de conflito intenso, grande parte da venda é utilizada para compra de armas e munições. Quando não há combate, cria-se um  “excedente” de renda que serve para o enriquecimento pessoal dos líderes e para as recompensas que mantêm a lealdade dos membros da facção. Isto, juntamente com riquezas que os membros da facção enfrentam em relação às suas perspectivas econômicas após a guerra, gera nas fileiras inferiores fortes pressões pela participação nas sobras. Contudo, os combatentes de baixa hierarquia raramente recebem pagamento direto, recorrendo ao saque e à pilhagem como meio de vida.
“Como a luta realmente esgota o  “excedente” enquanto continuarem altas as perspectivas de enriquecimento privado, as facções ficarão altamente motivadas a manter o equilíbrio entre situações  “nem de guerra nem de paz”.  Isso ajuda a explicar as dificuldades de obtenção de paz duradoura na Libéria”         (“Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial”,  Banco Mundial,  Washington, setembro de 1997).
O que fatos ocorridos nos espaços da ex-Iuguslávia, Afeganistão, Libéria, Somália, Zaire, etc, anunciam  senão a presença cada vez mais marcante da barbárie?
É isto: O capitalismo está encaminhando o mundo para a barbárie. 

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