quinta-feira, 24 de maio de 2012


                                   Edivanda Maria Teixeira, Mestra e Líder




                                                                                              Ruy Medeiros.


Há vinte anos, e parece que foi ontem.
O dia 20 de novembro de 1978 foi um dia triste, muito triste. Triste sobretudo para aqueles que lutavam, especialmente para os que combatiam junto ao setor progressista cristão e junto aos explorados.
Em 20 de novembro de 1978, falecia, com 35 anos, Edivanda Maria Teixeira, filha de Wanderley de Matos Teixeira e Guiomar de Souza Teixeira, nascida em 1943.
Desde jovem, Edivanda Maria Teixeira ligou o seu destino ao destino das pessoas humildes. Moça, quase menina, engajou-se no trabalho de alfabetização do MEB -Movimento de Educação de Base, aquele processo de mobilização educativa que seria banido pela ditadura militar imposta furiosamente contra o povo brasileiro em 1964.
Sua trajetória de vida foi a do ensino e da luta; ou para usar a palavra do tempo: sua vida era dedicada à conscientização das pessoas. Profundamente cristã, assumia plenamente, ao contrário de outros, que seu papel era o de educar para a liberdade e para a busca de justiça social. Isso a tornou próxima de pessoas que não possuiam compromisso de luta a partir de convicções religiosas, mas determinado por outras motivações.
No movimento de nosso povo pela liberdade, pelo conhecimento e pela igualdade social, sob as difíceis condições impostas pela ditadura militar, muitos se juntaram a partir de motivações diferentes. A motivação presente em Edivanda era cristianismo imbuído de compromisso com a necessidade de romper as amarras que impediam nosso povo de conquistar o saber, a justiça e a igualdade.
Acompanhou - e tantas vezes esteve à frente - aqueles que lutavam. Ajudou a organizar as CEBS: Em 1969, na casa humilde de seu Geraldo, no bairro das Pedrinhas, nascia a primeira Comunidade Eclesial de Base. O aguadeiro Geraldo reuniu algumas pessoas, após diversos encontros com o Padre Luis Mosconi, e numa noite de 1969, um grupo foi formado para unir a meditação religiosa ao engajamento social.
Naquele tempo, o país vivia sob ditadura, pode-se dizer - sob a fase mais terrível do regime militar. Era a época do império do Ato Institucional nº 5, imposto por uma Junta Militar e sob o qual o ditador Garrastazu Médici governou.
O trabalho das CEBS aos poucos foi crescendo. De início, o trabalho de educação mobilizava em torno de coisas simples - campanha do filtro (educação sanitária básica), da fossa, da limpeza. Mas, aos poucos, foi crescendo: reivindicação de escola, professores, abastecimento d’água...
Edivanda Maria Teixeira, que era professora e que tinha invulgar capacidade de transmitir seu pensamento, educava com o auxílio dos próprios alunos. Quem eram os alunos daquela escola sem livros e sem quadro negro? - Eram donas de casa, domésticas, comerciárias, comerciários, desempregados - gente do povo. A professora sobretudo perguntava, como se não soubesse nada, e ia desenvolvendo análise, a partir das respostas. Assim, os presentes a cada reunião entendiam que podiam aprender cada vez mais sobre si e sobre o mundo lá fora.
A luta das CEBS crescia e o trabalho se avolumava para os padres ( Luís, Afonso, José...) e para Edivanda. Não só as demandas aumentavam como as comunidades cresciam em número. Na zona rural elas se multiplicaram e novas reivindicações próprias dos moradores do campo passaram a ocorrer. Não se tratava mais de apenas lutas urbanas. Porque logo as comunidades do campo, por toda a área da Diocese, passaram a lutar para colocar em prática suas reivindicações: luta por escola, por preço mínimo de produtos, por aguadas, por assistência médica, por cumprimento de leis trabalhistas, por aposentadoria.
Edivanda Maria Teixeira era a principal agente dentro das Comunidades Eclesiais de Base. Desdobrava-se para acompanhar o trabalho de todas. Em 1976, já existiam mais de 22 CEBS. E estas já realizavam encontros de animadores. O trabalho foi evoluindo para a discussão de política, no sentido amplo. Para que o trabalho tivesse unidade, foi criado o jornal mimeografado “Vai e Vem”,  depois substituído pelo  “Animador”.  De ambos, Edivanda foi redatora, organizadora. Até o número 36 do  “Animador”,  junho de 1978, vê-se a presença de Edivanda Maria Teixeira. O jornal não apenas sistematizava os dados do encontro anterior dos animadores das CEBS e trazia suas resoluções, porque sua elaboração implicava em expor idéias com clareza e indicar novos caminhos.
Com o avanço da organização (em 1978 já havia mais de 33 CEBS), outros problemas surgiram:  As CEBS partiram para discutir o papel dos sindicatos e dentro delas surgiu oposição sindical; passou a debater a situação dos bóias frias e, desde 1975, envolveu-se na luta em favor dos posseiros do Pau Brasil (Barra do Choça), que debatiam-se pela posse da terra.
Apresentando o nº 36 do  “Animador”,  Edivanda escreveu um texto que resume pensamento vivo e crítico:
“Companheiro,
eis aqui mais um número do nosso jornal. É vida vivida; a nossa vida sofrida, contada nos encontros e escrita aqui.
O jornal chega agora em suas mãos. Está  nas mãos de tantos companheiros. Abra as suas páginas, como se abre o coração de um irmão.
Esse número do nosso jornal sai mesmo no mês da fogueira e da Copa do Mundo. É mês quente! E no meio deste fogo, de tanto barulho, de tanto grito, de tanta vibração, esse nosso jornal quer ser um momento de parada, de espelho diante da realidade que se vive. Ele quer ser um alerta prá gente não perder a cabeça com a bola e esquecer a nossa luta.
Ele é o  “Animador” que chega em boa hora. Você encontrará palavras, gritos e cantos de um povo que quer se unir e se organizar. Ele ajudará você a se sentir  “classe”,  classe camponesa, classe operária, onde o problema de um é de todos.
Leia com calma! mastigue bem tudo! Não passe por cima das coisas!
Nele você encontrará um povo que:
acorda e  “sacode a cabeça livre”
se une
luta com teimosia
sofre derrotas
mas vencerá....
Esse povo é o melhor time do mundo no jogo da libertação, onde todos devem participar. Os poderosos querem jogar sozinhos e ganhar sozinho. Desse jeito, o gol não vai na trave! Não pode haver vibração! não pode haver vitória!
No campo da vida, todos devem jogar. Todos são iguais! Todos devem ter oportunidades iguais!
Qual o jogo mais importante:
-É esse da luta pela vida ou para ganhar a copa?
Transmita aos outros os fatos, idéias e esperanças.
Bom trabalho! Boa  luta!”
Em 12 de novembro de 1978, após um encontro de animadores, várias pessoas, dentre as quais Edivanda, foram para uma celebração de Missa na Fazenda Pau Brasil. Como sempre, Edivanda animou os camponeses da localidade, discutiu, cantou. Incentivou-os na luta pela posse da terra.
De volta para Vitória da Conquista, sentiu-se mal. Foi hospitalizada até o dia 16, quando teve alta. Retornou para sua casa, mas, no dia 20 de novembro de 1978, sofreu novo ataque cardíaco e faleceu.
Porisso 20 de novembro de 1978 foi um dia triste. Morreu uma grande líder e mestra do movimento dos trabalhadores, que dissera:  “A vida do povo oprimido marcou para sempre minha vida. Não consigo mais viver sem estar ao lado do povo para junto com ele lutar por um mundo mais justo e mais irmão”.

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