quinta-feira, 24 de maio de 2012


                                               Marighella, Agora em Livro



                                                                                              Ruy Medeiros.


                                  


                                   “Carlos Marighella - O Inimigo Número Um Da Ditadura Militar”, de autoria de  Emiliano José (Editora Sol e Chuva, São Paulo, 1997), está fadado à citação como uma das principais obras da história política do Brasil referente ao período da ditadura militar. E o é. Embora o livro seja a biografia do indômito Carlos Marighella,  vai além da simples história de vida do revolucionário baiano.
                                   Apesar de abranger lapso temporal bem maior (até mesmo por necessidade acompanhar Marighella desde sua infância), o forte do livro é o último período de militância do guerrilheiro urbano.


                                   O Autor

                                  

                                   Emiliano José é autor já conhecido. Seu primeiro livro, “Lamarca, O Capitão da Guerrilha”, escrito em parceria com Oldack Miranda, já alcançou 14 edições e serviu como roteiro do filme  “Lamarca”.  Deu forma de livro a seus principais artigos publicados na imprensa (“Narciso no Fundo das Galés - Combate Político Através da Imprensa”),  e  “Imprensa e Poder, Ligações Perigosas”.
                                   Nascido em cidade do interior de São Paulo, Emiliano José está na Bahia há quase trinta anos.
                                   Militante político, iniciou trajetória na luta das esquerdas no meio estudantil. Foi diretor da União Brasileira de Estudantes Secundaristas e  participou da AP - Ação Popular, Grupo que evoluiu de posição religiosa Católica com preocupações sociais ao marxismo (tal como o  “marxismo” era entendido nos anos sessenta).
                                   Em consequência de atividades políticas junto à Ação Popular, Emiliano  José foi preso, em dezembro de 1970, permanecendo encarcerado até 1974.
                                   Fora das grades da ditadura, retomou os estudos, ingressando no  curso de jornalismo e passou a escrever para diversos jornais, principalmente para a Tribuna da Bahia. Mas outros jornais e revistas contaram com sua colaboração: Jornal da Bahia, Afinal, Visão, Opinião, Movimento, e ultimamente para Caros Amigos.
                                   Foi superintendente do INCRA na Bahia (1987/1988), Diretor de Pesquisa da Assembléia Legislativa da Bahia, e Deputado Estadual (1988/1990). Atualmente é professor da UFBA (Departamento de Jornalismo) com grau de mestre e aí cursa  doutorado.
                                   Têm relevância seus artigos sobre historia política. Menciono dois que me chamaram a atenção: Um estudo sobre Theodomiro, publicado no primeiro número da revista Caros Amigos, e  “As últimas horas do  Governo Goulart”,  publicado no suplemento  “Fim de Semana”,  do Jornal tribuna da Bahia (9.05.98).


                                   O Livro


                                   “Carlos Marighella - O Inimigo Número Um da Ditadura Militar”  está alicerçado em conjunto amplo de fontes. Embora, como o próprio autor admite, o ponto de partida tenha sido  “O dossiê Marighella “ (reunião de documentos acondicionados por Clara Charrf e Carlos Augusto Marighella,  auxiliados pela Comissão de Familiares de Presos e Desaparecidos durante o Regime Militar), houve consulta a livros, a textos do próprio Carlos Marighella, a jornais e revistas. Em trabalho deste tipo, entrevista é algo indispensável e o autor  vale-se de nada menos que 40,  quase todas feitas  por ele mesmo. Depoimentos foram examinados  (inclusive o prestado por Yves do Amaral Lesbaupin ao deputado Nilmário Miranda, que é fundamental para o esclarecimento das condições em que Marighella foi assassinado a mando da ditadura militar).
                                   A quantidade de fontes, a qualidade destas e o poder de crítica que o autor do livro exerce sobre as mesmas garantem a confiabilidade ao relato (já que análises políticas diferenciadas são possíveis, podendo o conhecedor da esquerda no período optar por outra visão, sem deixar de mencionar que às vezes a análise fica em aberto).
                                    No entanto, parece-me que o autor deveria ter alguma reserva quando recepcionou a informação de Flávio Médici de Carvalho segundo a qual Marighella manteve contato com General A. Albuquerque Lima em março de 1969 (página 231 do livro). A informação também foi aceita em nova edição de “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender. A. Albuquerque Lima nunca abrira espaço para discussão com a esquerda em sua trajetória. Manteve-se sempre fascista. Não tinha condições ele, isolado ou mesmo com pessoas de sua facção, controlar a esquerda e qualquer desenvolvimento da guerrilha  fugiria de seu domínio,  sendo-lhe assim inconveniente.
                                   O autor usa proposital e conscientemente de técnica de escritura capaz de prender a atenção de quem o lê. Ao invés do tradicional escrito linear-cronológico, distribui os capítulos em forma de temas biográficos - A morte de Carlos Marighella vem, assim, em primeiro lugar, seguido da memória (recuperação da história e a vitória junto à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos para a responsabilização do Estado quanto ao assassinato do líder guerrilheiro). Há algo de  “fílmico” na estruturação da matéria do livro. A busca sempre presente do clima em que a história desenvolve-se aproxima quase que visualmente o leitor da cena.
                                   Ressalte-se também a vivência do autor. Afinal, o livro foi escrito por quem viveu as adversidades do regime fascista implantado em 1964. Isso conta muito.
                                   Estilo direto, com sucessões de narração/dissertação/narração, o livro alcança  somar vigor literário à documentação. O autor nunca deixa o personagem isolado de seu pano de fundo histórico e de suas circunstâncias.
                                   Aí está Marighella -  o menino que, nascido em 1912, brincou nas ruas da cidade da Bahia, o aluno que respondia provas escolares em versos, o militante preso e torturado pelo Estado Novo, o deputado pelo PCB da reconstitucionalização de 1946, o insatisfeito com a não reação de seu partido (PCB) ao golpe militar, o fundador da ALN, o Guerrilheiro Urbano que acuou a ditadura militar e que foi assassinado por esta em 1969. E, também, o companheiro da forte e guerreira Clara Charf.
                                   O livro ajuda a romper o tabu em torno de Marighella. A interdição (por ação da ditadura e por autocensura) a relatos sobre Marighella começou a ser quebrado pelo Grupo  “Tortura Nunca Mais” e depois pela Associação de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Teve impulso maior com o reconhecimento da culpabilidade do Estado quanto à morte do guerrilheiro urbano. O livro ajuda a romper de vez o tabu: Pode-se e deve-se falar sobre Marighella, apesar de seu amaldiçoamento pelas classes dominantes.
                                   Parabéns, Emiliano José, por seu livro.

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