Marighella,
Agora em Livro
Ruy
Medeiros.
“Carlos
Marighella - O Inimigo Número Um Da
Ditadura Militar”, de autoria de Emiliano José (Editora Sol e Chuva, São Paulo,
1997), está fadado à citação como uma das principais obras da história
política do Brasil referente ao período da ditadura militar. E o é. Embora o
livro seja a biografia do indômito Carlos Marighella, vai além da simples história de vida do
revolucionário baiano.
Apesar
de abranger lapso temporal bem maior (até mesmo por necessidade acompanhar
Marighella desde sua infância), o forte do livro é o último período de
militância do guerrilheiro urbano.
O Autor
Emiliano
José é autor já conhecido. Seu primeiro livro, “Lamarca, O Capitão da
Guerrilha”, escrito em parceria com Oldack Miranda, já alcançou 14 edições e
serviu como roteiro do filme “Lamarca”. Deu forma de livro a seus principais artigos
publicados na imprensa (“Narciso no Fundo das Galés - Combate Político Através
da Imprensa”), e “Imprensa e Poder, Ligações Perigosas”.
Nascido
em cidade do interior de São Paulo, Emiliano José está na Bahia há quase trinta
anos.
Militante
político, iniciou trajetória na luta das esquerdas no meio estudantil. Foi
diretor da União Brasileira de Estudantes Secundaristas e participou da AP - Ação Popular , Grupo que
evoluiu de posição religiosa Católica com preocupações sociais ao marxismo (tal
como o “marxismo” era entendido nos anos
sessenta).
Em
consequência de atividades políticas junto à Ação Popular , Emiliano José foi preso, em dezembro de 1970,
permanecendo encarcerado até 1974.
Fora
das grades da ditadura, retomou os estudos, ingressando no curso de jornalismo e passou a escrever para
diversos jornais, principalmente para a Tribuna da Bahia. Mas outros jornais e
revistas contaram com sua colaboração: Jornal da Bahia, Afinal, Visão, Opinião,
Movimento, e ultimamente para Caros Amigos.
Foi
superintendente do INCRA na Bahia (1987/1988), Diretor de Pesquisa da
Assembléia Legislativa da Bahia, e Deputado Estadual (1988/1990). Atualmente é
professor da UFBA (Departamento de Jornalismo) com grau de mestre e aí cursa doutorado.
Têm
relevância seus artigos sobre historia política. Menciono dois que me chamaram
a atenção: Um estudo sobre Theodomiro, publicado no primeiro número da revista
Caros Amigos, e “As últimas horas
do Governo Goulart”, publicado no suplemento “Fim de Semana”, do Jornal tribuna da Bahia (9.05.98).
O Livro
“Carlos Marighella - O Inimigo Número Um da
Ditadura Militar” está alicerçado em
conjunto amplo de fontes. Embora, como o próprio autor admite, o ponto de
partida tenha sido “O dossiê Marighella
“ (reunião de documentos acondicionados por Clara Charrf e Carlos Augusto
Marighella, auxiliados pela Comissão de
Familiares de Presos e Desaparecidos durante o Regime Militar), houve consulta
a livros, a textos do próprio Carlos Marighella, a jornais e revistas. Em
trabalho deste tipo, entrevista é algo indispensável e o autor vale-se de nada menos que 40, quase todas feitas por ele mesmo. Depoimentos foram
examinados (inclusive o prestado por
Yves do Amaral Lesbaupin ao deputado Nilmário Miranda, que é fundamental para o
esclarecimento das condições em que Marighella foi assassinado a mando da
ditadura militar).
A
quantidade de fontes, a qualidade destas e o poder de crítica que o autor do
livro exerce sobre as mesmas garantem a confiabilidade ao relato (já que
análises políticas diferenciadas são possíveis, podendo o conhecedor da
esquerda no período optar por outra visão, sem deixar de mencionar que às vezes
a análise fica em aberto).
No entanto, parece-me que o autor deveria ter
alguma reserva quando recepcionou a informação de Flávio Médici de Carvalho
segundo a qual Marighella manteve contato com General A. Albuquerque Lima em
março de 1969 (página 231 do livro). A informação também foi aceita em nova
edição de “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender. A. Albuquerque Lima nunca
abrira espaço para discussão com a esquerda em sua trajetória. Manteve-se
sempre fascista. Não tinha condições ele, isolado ou mesmo com pessoas de sua
facção, controlar a esquerda e qualquer desenvolvimento da guerrilha fugiria de seu domínio, sendo-lhe assim inconveniente.
O
autor usa proposital e conscientemente de técnica de escritura capaz de prender
a atenção de quem o lê. Ao invés do tradicional escrito linear-cronológico,
distribui os capítulos em forma de temas biográficos - A morte de Carlos
Marighella vem, assim, em primeiro lugar, seguido da memória (recuperação da
história e a vitória junto à Comissão Especial de Mortos e Desaparecidos para a
responsabilização do Estado quanto ao assassinato do líder guerrilheiro). Há
algo de “fílmico” na estruturação da
matéria do livro. A busca sempre presente do clima em que a história
desenvolve-se aproxima quase que visualmente o leitor da cena.
Ressalte-se
também a vivência do autor. Afinal, o livro foi escrito por quem viveu as
adversidades do regime fascista implantado em 1964. Isso conta muito.
Estilo
direto, com sucessões de narração/dissertação/narração, o livro alcança somar vigor literário à documentação. O autor
nunca deixa o personagem isolado de seu pano de fundo histórico e de suas
circunstâncias.
Aí
está Marighella - o menino que, nascido
em 1912, brincou nas ruas da cidade da Bahia, o aluno que respondia provas
escolares em versos, o militante preso e torturado pelo Estado Novo, o deputado
pelo PCB da reconstitucionalização de 1946, o insatisfeito com a não reação de
seu partido (PCB) ao golpe militar, o fundador da ALN, o Guerrilheiro Urbano
que acuou a ditadura militar e que foi assassinado por esta em 1969. E, também,
o companheiro da forte e guerreira Clara Charf.
O
livro ajuda a romper o tabu em torno de Marighella. A interdição (por ação da
ditadura e por autocensura) a relatos sobre Marighella começou a ser quebrado
pelo Grupo “Tortura Nunca Mais” e depois
pela Associação de Familiares de Mortos e Desaparecidos. Teve impulso maior com
o reconhecimento da culpabilidade do Estado quanto à morte do guerrilheiro
urbano. O livro ajuda a romper de vez o tabu: Pode-se e deve-se falar sobre
Marighella, apesar de seu amaldiçoamento pelas classes dominantes.
Parabéns,
Emiliano José, por seu livro.
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