O
QUE DIRÁ A GERAÇÃO FUTURA ?
Ruy Medeiros
A geração futura haverá de
espantar-se conosco. Entenderá, por certo, contradições terríveis que a
civilização acumulou, mas não deixará de estar perplexa, como muitos de nós
estamos. Poderá ser um julgamento condenatório, se o pobre esquema de julgar
persistir como dominante.
A geração futura estará engasgada
com o fato de a nossa geração haver conseguido produzir em quantidades imensas
alimentos (verdadeiras montanhas de grãos, leite em pó, manteiga, etc...), mas
de também haver aceito que populações inteiras sucumbam de fome, que pais
abandonem ou vendam seus filhos por não poderem alimentá-los.
A geração futura procurará saber
porque nós continuamos a aceitar um sistema infame de exploração e o pior - porque
deixamos serem anuladas conquistas trabalhistas e previdenciárias.
A geração futura estará angustiada
com o fato de a nossa geração ter-lhe legado meios de comunicação de massa
voltados para a veiculação de um monte de asneiras, apesar de a inteligência
humana ter-se desenvolvido em escalas sem precedentes.
O legado do sistema político
alienante, exclusivista, cínico e sobretudo de dominação será ainda uma herança
terrível, até porque mesmo algumas conquistas deixamos que nos fossem
surrupiadas (ao invés de legarmos aplicação de conquistas legamos esta
monstruosidade de um sistema político manipulatório da vida e da morte).
Será difícil à geração futura
entender porque a geração passada entendia o desenvolvimento da ciência e da
técnica como domínio sobre a natureza e possibilidade de construção de uma
sociedade melhor, mas destruiu imensa parte da natureza, contaminou o meio
ambiente e fez com que, como nunca, a ciência e a técnica fossem utilizadas
contra o homem, em experimentos, em vinganças e em guerras.
A geração futura estará chocada com
o fato de pessoas ainda serem massivamente acometidas de doenças que tinham
sido consideradas controladas ou banidas, apesar dos enormes avanços obtidos
pela ciência e pelos meios de cura. No particular da loucura e de certas
doenças mentais, verificará o inadmissível atraso que lhe é legado.
Não entenderá a futura geração
porque lhe transmitimos educação alienada e analfabetismo, apesar do
crescimento dos meios didáticos, do esclarecimento da pedagogia e da diversificação
filosófica.
A cultura legada sempre aparecerá
como algo contraditório em relação à sociedade. As possibilidades que não se
realizam para o homem será a fonte de frustrações. Frustrações agravadas com o
fato de a humanidade ser transformada em laboratório para experimentos
econômico-financeiros de entidades e poucos (porém poderosos) grupos
econômicos.
E esse modo de vida mesquinho e
pouco inteligente, apesar do desenvolvimento da inteligência e da capacidade
dos homens ? Será esta a contradição mais visível que legaremos à geração
futura ?
Por certo ainda deixaremos aos
pósteros um regime de exploração desenfreada que não se detém mesmo diante do
aniquilamento de nações inteiras (Libéria, Afeganistão, Angola, etc., etc...).
A barbárie amplia-se no momento em que o conhecimento de superação de doenças,
fome, analfabetismo, exploração foi alcançado.
De nós, a geração futura dirá coisas
chocantes, tão terríveis quanto a miséria que povoa corpos e mentes no mundo
atual. Em sua angústia de ter herdado odiosos e injustos mecanismos de
controle, os vindouros não entenderão a covardia, a omissão diante da guerra e
da intolerância, a não resistência diante da supressão de conquistas e
direitos, por parte da geração atual.
De novo e enfim herdaremos um mundo que
nós mesmos odiamos porque nos oprime.
E, sentida e melancolicamente, damos
conta da atualidade de Brecht diante dos que virão:
“Vós, que viveis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas
fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.
Vínhamos nós então mudando de país
mais do que de sapatos,
em meio às lutas de classes,
desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e
revolta nenhuma.
E entretanto sabíamos:
Também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno
para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos
ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o
homem,
pensai em nós
com simpatia.”
Será possível ?
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