quinta-feira, 24 de maio de 2012


O QUE DIRÁ A GERAÇÃO FUTURA ?

                                   Ruy Medeiros


            A geração futura haverá de espantar-se conosco. Entenderá, por certo, contradições terríveis que a civilização acumulou, mas não deixará de estar perplexa, como muitos de nós estamos. Poderá ser um julgamento condenatório, se o pobre esquema de julgar persistir como dominante.
            A geração futura estará engasgada com o fato de a nossa geração haver conseguido produzir em quantidades imensas alimentos (verdadeiras montanhas de grãos, leite em pó, manteiga, etc...), mas de também haver aceito que populações inteiras sucumbam de fome, que pais abandonem ou vendam seus filhos por não poderem alimentá-los.
            A geração futura procurará saber porque nós continuamos a aceitar um sistema infame de exploração e o pior - porque deixamos serem anuladas conquistas trabalhistas e previdenciárias.
            A geração futura estará angustiada com o fato de a nossa geração ter-lhe legado meios de comunicação de massa voltados para a veiculação de um monte de asneiras, apesar de a inteligência humana ter-se desenvolvido em escalas sem precedentes.
            O legado do sistema político alienante, exclusivista, cínico e sobretudo de dominação será ainda uma herança terrível, até porque mesmo algumas conquistas deixamos que nos fossem surrupiadas (ao invés de legarmos aplicação de conquistas legamos esta monstruosidade de um sistema político manipulatório da vida e da morte).
            Será difícil à geração futura entender porque a geração passada entendia o desenvolvimento da ciência e da técnica como domínio sobre a natureza e possibilidade de construção de uma sociedade melhor, mas destruiu imensa parte da natureza, contaminou o meio ambiente e fez com que, como nunca, a ciência e a técnica fossem utilizadas contra o homem, em experimentos, em vinganças e em guerras.
            A geração futura estará chocada com o fato de pessoas ainda serem massivamente acometidas de doenças que tinham sido consideradas controladas ou banidas, apesar dos enormes avanços obtidos pela ciência e pelos meios de cura. No particular da loucura e de certas doenças mentais, verificará o inadmissível atraso que lhe é legado.
            Não entenderá a futura geração porque lhe transmitimos educação alienada e analfabetismo, apesar do crescimento dos meios didáticos, do esclarecimento da pedagogia e da diversificação filosófica.
            A cultura legada sempre aparecerá como algo contraditório em relação à sociedade. As possibilidades que não se realizam para o homem será a fonte de frustrações. Frustrações agravadas com o fato de a humanidade ser transformada em laboratório para experimentos econômico-financeiros de entidades e poucos (porém poderosos) grupos econômicos.
            E esse modo de vida mesquinho e pouco inteligente, apesar do desenvolvimento da inteligência e da capacidade dos homens ? Será esta a contradição mais visível que legaremos à geração futura ?
            Por certo ainda deixaremos aos pósteros um regime de exploração desenfreada que não se detém mesmo diante do aniquilamento de nações inteiras (Libéria, Afeganistão, Angola, etc., etc...). A barbárie amplia-se no momento em que o conhecimento de superação de doenças, fome, analfabetismo, exploração foi alcançado.
            De nós, a geração futura dirá coisas chocantes, tão terríveis quanto a miséria que povoa corpos e mentes no mundo atual. Em sua angústia de ter herdado odiosos e injustos mecanismos de controle, os vindouros não entenderão a covardia, a omissão diante da guerra e da intolerância, a não resistência diante da supressão de conquistas e direitos, por parte da geração atual.
            De novo e enfim herdaremos um mundo que nós mesmos odiamos porque nos oprime.
            E, sentida e melancolicamente, damos conta da atualidade de Brecht diante dos que virão:

“Vós, que viveis na crista da maré
em que nos afogamos,
pensai,
quando falardes em nossas fraquezas,
também no tempo sombrio
a que escapastes.
Vínhamos nós então mudando de país mais do que de sapatos,
em meio às lutas de classes, desesperados,
enquanto apenas injustiça havia e revolta nenhuma.
E entretanto sabíamos:
Também o ódio à baixeza
endurece as feições,
também a raiva contra a injustiça
torna mais rouca a voz. Ah, e nós,
que pretendíamos preparar o terreno para a amizade,
nem bons amigos nós mesmos pudemos ser.
Mas vós, quando chegar a ocasião
de ser o homem um parceiro para o homem,
pensai em nós
com simpatia.”

            Será possível ?

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