José
Saramago
Ruy Medeiros.
Alguns
preferem “Levantado do Chão”, outros
querem “Memorial do Convento”, muitos são apaixonados por “História do Cerco de Lisboa”, mas há quem tenha sido marcado por “Ensaio sobre a Cegueira”, ou por o
“Ano da Morte de Ricardo Reis”. Penso em livros e leitores de José
Saramago, hoje escritor do mundo.
José Saramago,
ganhador do último prêmio Nobel de Literatura, nasceu em 1922, numa família de
camponeses, em Azinhaga, Portugal. Escreveu peças de teatro ( “In Nomine Dei”), contos
(“Objeto Quase”), Crônicas ( “A
Bagagem do Viajante”) e, sobretudo, grandes romances ( “Levantado do Chão”, “Memorial do Convento”, “História do cerco de Lisboa”, “O Ano da Morte de Ricardo Reis”, “Todos os Nomes”, etc).
A sua primeira
obra literária a ter projeção foi o romance
“Levantado do Chão”, pouco lembrado por jornais e revistas em matérias
que noticiaram o agraciamento daquele autor com o prêmio Nobel. “Levantado do Chão” não é um livro menor: É a
saga dos camponeses do Alentejo, seus sofrimentos e suas lutas. Costumo dizer
que “Levantado do Chão” é o irmão
de “Vinhas da Ira”, de Steinbeck, e de “A Lã e a Neve”, de Ferreira de Castro. No livro, Saramago
apenas anuncia seu estilo bem pessoal, que iria estar presente a partir de “Memorial do Convento” e cuja realização
maior (a meu ver) encontra-se em “O ano da Morte de Ricardo Reis”. Não que este último seja seu melhor
livro (embora alguns digam que sim, o belo e massacrante - ao mesmo tempo - “Ensaio
sobre a Cegueira”, pode disputar
com “Memorial do Convento” o título de seu melhor livro).
Saramago, enquanto
literata, é sobretudo romancista, porém sua obra de teatro, especialmente “In Nomine Dei”, tem importância, assim como seus contos,
especialmente aqueles reunidos em “Objeto
Quase”.
Serão seus
livros (mesmo os “romances históricos”, ou assim impropriamente ditos) obra de
denúncia? Serão o pessimismo
transformado em arte de dizer o mundo?
Serão a nova
forma de realismo? Serão o sentimento da
frustração do artista no final do século XX?
Penso que José
Saramago é o principal autor (dentre aqueles que conheço) da crise do mundo (
desde os anos 70), com os seus reflexos sobre o homem de sensibilidade. Mesmo
seus livros que refletem o passado, deixam a impressão de que é o presente que
importa: As formas de opressão ( física, intelectual, emotiva) que persistem, as revoltas, a intolerância, o
descontentamento, a resistência na adversidade, etc. Todo o pessimismo de José
Saramago espelha condições de um mundo em crise. “Ensaio sobre a Cegueira”, no sentido da influência/introjeção da crise
é o principal exemplo. A reflexão sobre a intolerância, aqui e alí em seus
livros, é componente essencial e merece alentado ensaio.
O Saramago,
filho de camponeses que ganhou celebridade internacional, não é autor que se
contenta em contar histórias ( estórias) e que se rende ao gosto vigente. Tem
personalidade, elabora bem o seu texto.
Não poderia,
neste pequeno espaço, deixar, no entanto, de registrar ( enquanto leitor de
Saramago, desde o lançamento, no Brasil,
de “Levantado do Chão”) minha
decepção com seus “Diários de Lanzarote”, recortes do cotidiano, de encontros
literários, apreciações rápidas sobre pessoas, obras de arte, política, etc.
Trata-se de obra menor.
Mas a decepção
não me impediu de continuar seu leitor, mesmo antes do Prêmio Nobel de
Literatura que, finalmente, descobriu que existe a língua portuguesa e que há
bons autores que a cultuam.
E a descobriu
através de um grande escritor. É claro que os brasileiros nunca aceitaram
Carlos Drumond de Andrade ter falecido sem receber o Prêmio Nobel de Literatura,
ou que João Cabral de Melo Neto não tenha sido o agraciado. Mas resta a lição
de outro poeta que dizia ser a língua portuguesa sua pátria.
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