quinta-feira, 24 de maio de 2012


               Direito de Resistência





1. Agradecimento
    
Agradeço-lhes a homenagem da escolha de meu nome  simutaneamente para a denominação da turma e para a paraninfia.O gesto é mais valioso porque parte de amigos. A homenagem de adversários, para alguns, é a  suprema homenagem. Não  creio assim, pois satisfação externa com homenagem do adversário tem  indiscutível conteúdo de alienação: ou do homenageado ou do homenageante.Alienação do homenageado que entende ter imposto domínio sobre o outro. Alienação do homenageado, porque agiu por  oportunismo ou se deixou vencer. É evidente que aqui não se trata da madura e muito  pensada adesão a idéias que se mostram condizentes com a realidade. Estou falando da homenagem e esta, vindo de amigos não é imposição, nem subjugação; não é homenagem alienada. É um encontro.Por issso por mais que lhes agradeça estarei a dever reconhecimento à simpatia de todos vocês. E ainda mais assim é uma classe brilhante, conforme está documentado em trajetória na sala de aula, na militância, nos estágios e nas monografias de final de curso.


2. Explicação/Justifcação  para  o tema  da  preleção  –  Direito  de Resistência.

Neste momento solene e festivo, talvez fosse mais adequado um tema leve, romântico, bucólico e alegre. Não sei se eu saberias sobre issso discorrer, apesar de a emotividade ser componente forte de minha personalidade. É que vejo-me diante, segundo entendo a realidade do mundo atual, de um tempo muito difícil e em tempos difíceis há prioridades além do cantar das belezas das barrigas das serras e das caatingas após a chuva.
 
É em verdade aquele sentimento de despropósito de que  falava Bertold  Brecht  em  seu teatro épico, em seu poema épico, especialmente no grande “Aos que vão nascer”:


Diante disso, não me  rendo. Encontro-me na velha angústia que opõe o feijão e o sonho.


3. Antígona  Resiste.

Todos conhecem a tragédia de Antígona, através de Sófocles, relembrá-la  serve ao início do nosso tema e, ao mesmo tempo, é homenagem às mulheres aqui presentes.Antígona, resistiu à ordem injusta, como aliás, outras mulheres de hoje, que se tornaram, o centro de grupos de defesa da vida: são elas que estão protegendo seus filhos nos morros e nas  favelas da periferia, são elas que adentram os quartéis em busca dos filhos presos  em cada batida do Estado que, só sobe ao morro  vestido de farda e cujo instrumento nunca são  aqueles de produzir e de educar – são  as ferramentas da intimidação e da morte. Elas, as mulheres, estão   hoje  à frente de grupos que reclamam os corpos desaparecidos de filhos ou parceiros, que estão na Tortura nunca mais...   Relembrando Antígona, faço o elogio às mulheres que combatem.

Édipo, sem o saber, porque havia sido exilado, ama sua própria mãe, Jocasta, ao retornar à sua cidade, e com essa gera os filhos  Bmene, Etéocles, e  Polinice e Antígona. Em dia, Tirésias, o adivinho, revelou a  Édipo  que sua amante, Jocasta, era sua mãe. Desesperado diante da revelação do incesto,  Édipo  vazou seus olhos e saiu de Tebas.Antígona sua filha predileta e também sua irmã acompanhou o pai cego. Édipo morreu em Colono. Antígona retorna a Tebas onde seus irmãos Etéocles e Polinice disputavam o  trono.Polinice foi  expulso de Tebas e, em Argos, formou uma expedição para recuperar o poder.Mas, em luta, tanto Polinice quanto Etéocles morrem diante das portas de Tebas.Creonte, tio dos filhos de Édipo, assume o poder, celebrou funerasi suntuosos para Etéocles, mas  proibiu o sepultamento de Polinice  por  julgá-lo  traidor.Mas Antígona resistiu à ordem de Creonte: pranteou o irmão e aspergiu sobre o defunto terra, fazendo o   ato sufuciente   para  considerá-lo  sepultado.Isso desperta a ira do governante.Sófocles,  em sua Antígona, imagina o diálogo final entre Antígona e Creonte:

“Antígona – Não era um escravo: era igual era irmão.
  Creonte – Vinha contra a terra que o outro defendia.
  Antígona – Pouco importa: a lei da morte iguala a todos.
  Creonte – Mas não diz que o mau tenha o prêmio do justo.
  Antígona – Não será talvez piedade isso entre os mortos?
  Creonte – Embora morto, nunca é amigo um inimigo.
  Antígona – Não nasci para o ódio; apenas para o amor.
  Creonte – Se amar é o que desejas, vai amar os mortos!
  Enquanto eu viver,  mulheres não governam” (Ant.517-525).


Antígona, desobedeceu a lei/ordem do Estado Governante..Acreditou que havia m direito maior – o direito da traição de seus deuses e que, em nome disso, poderia opor uma resistência justa.

Aqui muitos ficarão surpresos em que, hoje, diante da contraditória evoluçãoi do Direito, se lembre de uma história que aponta para o gosto dos jusnaturalistas, a idéia da norma suprapositiva.

Deve-se realçar, no entanto, a simples  idéias de que eu e você nos atribuímos o direito de reagir à norma legal injusta, o direito de reagir contra a abolição da norma legal justa.

E, assim, justificando ou negando o  direito de resistência, a história caminhou.

Na idade Média, as divergências ou lutas entre a Igreja e os Príncipes desencadeou o pensamento sobre a resistência.O Arcebispo Hincmar distingue o  rei do tirano e freqüentemente fala  sobre o poder ilegítimo do último. Tomás de Aquino separa injustiça quanto a origem ou quanto ao uso do poder. Um poder pode ser  originalmente injusto ou pode ser usado para finalidade injusta. Para o poder  cuja origem é injusta, Tomás  de Aquino   entende que insurreição reveste-se de legitimidade, se o novo governante não foi aceito pelos súditos. Mas se o poder teve origem justa, porém é usado injustamente o Doutor referido da Igreja justifica a resistência passiva. E, ainda mais se o poder agir contrariamente às leis divinas, haveria o caminho da Insurreição.No quadro da idade Médias, a religiosidade era um dado polarizador e imaginava-se a separação entre comandos humanos e os comandos divinos. Mas há, ainda, na idade Média sem afastar a noção religiosa, a idéia de que o domínio do governante se fundamenta em um pacto.Uma idéia Contratualista. Marcegold Von Lautenbacha, em Ad Gerbhardum Líber, cap. 47, ensina: “O povo  eleva alguém acima de si para  que este reine com soberania legalmente fundada, dê a cada um o que lhe é devido, proteja os fiéis, castigue os ateus, em suma, exerça justiça para com todos. Se, todavia, romper o contrato na base do qual foi eleito e perturbar o que devia manter em ordem, é justo e razoável que ele assim desvincule o povo da obrigação de lhe continuar sujeito, visto que foi ele próprio o primeiro a faltar à fidelidade que obrigava uma parte para com a outra” (Apud Zipelins).

Boaventura, no Século XIII, já denunciava a precariedade do poder injusto.Também, em 1324, Marsílio de Pádua, em seu Defensor Pacis, defende a soberania do povo diante do príncipe e justifica a revolta e a fiscalização contra os príncipes que se apartam da justiça e tiranizam a sociedade.

Mas tarde, Theodoro Beze defende que é lícito o exercício da resistência, fruto da soberania popular, contra o tirano. E, no século XVI,  protestantes de diversas nações européias falam da resistência, encontrando-se mesmo a compreensão legítima do tiranicídio em Boucher, em 1588, e, dentre os Jesuítas, a sua afirmação por Mariana, no ano de 1598, e Francisco Suarez admite de forma clara a  resistência organizada contra o governante tirano,  no Defensio Fidei, de 1613.

No século XVIII, é Locke quem alerta para o direito que tem o povo à resistência, quando o soberano usurpa-lhe os direitos. E estendia esse direito de resistir contra o Parlamento.Existiam idéias da preexistência de direitos – os chamados direitos naturais. Outros seguem variantes dos contratualismo para justificar o Direito de Resistência.

O Enciclopedistas incluem-se entre aqueles.

  Enfim, veio a Revolução Francesa e o  art. 2º da sua Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, estatuía: Art. 2º.

“O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem.Estes direitos são a liberdade, a propriedade, a segurança, e a resistência à oposição”.

A Constituição  Francesa de 1793, em seu art. 35 prescreve:

“Quando o Governo viola os direitos do povo, a insurreição é, para o povo e para cada porção do povo, o mais sagrado dos direitos e o mais indispensável dos deveres”.

O Direito de Resistência, que era algo pensado suprapositivamente, positivou-se. Benjamim Constant (o francês precursor dos estudos de Direito Constitucional, “inventor” do poder moderador, não o brasileiro), entendia o Direito de Resistência como instrumento de retorno à ordem constitucional.

A positivação do Direito de Resistência passou a revestir-se de outro conteúdo, pois agora tratava-se de defender os “direitos positivados”. A burguesia liberal fizera introjetar no povo, como se razão do povo fosse, a sua própria razão. Agora, uma nova compreensão havia: Direitos supostamente naturais foram positivados – escritos em artigos de lei – e cumpria protegê-los para proteger a ordem burguesa. Outra evolução ocorreu com a transformação do Direito de Resistência num direito individual. Diferentemente daquilo que estava no art. 35º da Constituição Francesa de 1793, que conferia o direito de resistência ao povo, a Constituição Portuguesa de 1838, em seu art. 25, o trata como direito do indivíduo:

“É livre a todo o cidadão resistir a qualquer ordem que manifestamente violar as garantias individuais, se não estiverem suspensas”.

Também em Portugal, a Constituição de 1933, portanto no século passado, no artigo 8º, inciso 19, consta “o direito de resistir a quaisquer ordens que infrinjam as garantias individuais, se não estiverem legalmente suspensas”.Como s vê, agora não se trata de resistência popular.

Nuno Rogeiro, sintetiza a conseqüência da positivação do Direito de Resistência com as seguintes palavras:

“Quando a ordem positiva reconhece o Direito de Resistência, não está, por esse facto, a admitir um direito à rebelião: esta é uma revolta contra a lei e aquela uma reacção à ilegalidade, se bem que a acessoriedade de actos violentos e a possível passagem à Resistência activa desperte problemas análogos aos criados pelo “excesso de legítima defesa na esfera penal”.

O Direito de Resistência, mesmo com a sua releitura positivada, passou a ser combatido. L. Duguit, entre envergonhado e crítico, ensina:

“O Direito de insurreição, incontestável em teoria, é de fato desprovido de eficácia. A lei constitucional de um país não pode reconhecê-lo sem lançar nesse país um fermento de anarquia”.

É velho temor diante do povo a construir o seu destino.

Apesar disso, a Lei Fundamental da Alemanha em seu art. 20, inciso 4, reconhece o direito de resistência, depois de caracterizar o Estado Democrático:

“Não havendo outra alternativa, todos os alemães têm o direito de resistir contra essa ordem”.

Em Portugal, a Constituição da República, de 1976, reafirma o direito de resistir à ordem que contraria direitos, liberdades e garantias individuais. Ambas essas Constituições, assim, pensam o Direito de Resistência como direito individual. Ou como meio de limitação do poder político. Mas, curiosamente, a Constituição da República Democrática Alemã, de 1968, e a Constituição Portuguesa de 1976, reconhecem o direito de insurreição a outros povos, ou como está escrito: o “direito dos povos à insurreição”.

Esse Direito de Resistência, tão fortemente discutido na França nos anos 50, por, dentre outros, Laubadere, Debbash e Nizard, ainda merece, hoje, nosso olhar e nosso estudo?

Penso que sim. Digo que é um tema ainda atual que não se alimenta apenas da memória da boa Antígona. Porém, as bases de sua compreensão já são outras. Ainda deve-se cumprir um processo de maturação de idéias.

É que, hoje, ao lado dos velhos processos de retirada de direitos, por seu desrespeito ou por sua revogação, há uma forma imperceptível de usurpação daqueles direitos que implica em mantê-los nos textos de lei, mas em substituí-los pela lógica perversa e fria do mercado, o mesmo em deixar a norma, mas raptar-lhe o espírito.

Assim é que, sem alterar cláusulas pétreas, altera-se profundamente o espírito a constituição à medida que se lhe altera o cânone, o modelo de constituição dirigente. Extenua-se a finalidade social do Estado, retira-lhe o caráter nacional e vive-se, no Brasil e no mundo, o fenômeno da desnacionalização da Constituição econômica. Hoje, até mesmo cláusulas pétreas sofrem ataque. Após, por forçada interpretação, esvaziou-se o conteúdo do Mandado de Injunção, ofende-se o direito adquirido (como recentemente, no caso da reforma de artigos referentes à Previdência Social), procurando-se jogo de palavras para transformar inconstitucionalidade em constitucionalidade, sob argumento de que os destinatário da norma protetiva do direito adquirido é o legislador ordinário, não aquele legislador com o poder de reforma constitucional, Eles, os poderosos, encontram sempre u’a maneira de tirar direitos legitima e duramente conquistados.

Mas há outra forma perversa do desrespeito aos direitos: Não oferecê-los e deixar a fúria do capital transformá-los em direitos de contratos, direitos que precisam de pagamento para serem gozados.

Quem não sabe que o direito à saúde, garantido pela Constituição Federal, como direito social, e público subjetivo, cada vez mais é substituído por vorazes seguradoras com seus planos (seguros) de saúde, expoliadores e capazes de desviarem a questão da discussão do direito à saúde para o direito de reajuste de suas prestações. Assim, por exemplo, aquilo que deveria estar em discussão pela sociedade – o direito à saúde – passa a ser o valor da prestação legalmente devida aos grupos financeiros que administram tais planos. E, mesmo Estados, como é o caso do Estado da Bahia, ele mesmo resolveu, em conúbio com uma seguradora, vender planos de saúde, descontando da remuneração dos servidores, o valor mensal de referido plano. Aí está o caso em que a norma garante o direito, mas o mercado avança para transformar o direito social fundamental em direito contratual, segunda a lógica do capital. E é uma forma que não revoga a lei.

Outro direito, o direito à segurança, previsto constitucionalmente como direito fundamental social, passa a depender de contrato com empresas de segurança, ou com a compra de cercas elétricas, de equipamentos sofisticados que, a um só tempo, invadem a privacidade e enriquecem as empresas. Aí também o direito continua previsto, mas o capital transforma a segurança em fonte de sua reprodução.

Não custa continuar com outros exemplos: O ensino, direito público subjetivo, de acordo com a Constituição, cada vez mais é deixado pelo Estado ao oportunismo mercantil da iniciativa privada. Na Bahia, como em outros lugares, vemos o sucateamento do ensino público, as vagas insuficientes nas escolas, o uso eleitoreiro de ampliação de cursos universitários que, uma vez criados, são lançados às mil dificuldades de todos conhecidas. Enquanto isso, estimula-se o crédito educativo, que financiará a expansão do ensino privado. Aí também não se revogou a lei maior – a norma constitucional que garante a educação – mas o processo de transformá-la em objeto de contrato é acelerado e intenso.

E a cultura? E o desporto? E o lazer? E a Previdência Social enfraquecida, aí por reformas e pela lógica do capital, para ser transformada em objeto de contrato-seguro de Previdência Privada.

Sob alegação de liberdade de contratar, para atender a fúria capitalista, a legislação trabalhista é alterada e cinicamente fala-se em sua flexibilização.

É o deus mercado. É o Estado omisso, sem compromisso social nenhum, desmentindo exatamente aqueles que, por má-fé ou ingenuamente, falaram e falam em Estado neutro, além dos interesses sociais.

Exatamente nesse momento cabe reaver, rediscutir e buscar novos fundamentos para o Direito de Resistência. Ele retorna como tema atual – para a conservação de direitos conquistados, para impedir o retrocesso (e hoje se fala em proibição de retrocesso), e para a criação de patamares de novos direitos que apontem para direitos novos.

Cabe, nessa, situação, o Direito de Resistência. 

Vou terminando a peroração. Aliás, em lhes peço, neste momento difícil para a humanidade, neste momento em que vocês continuam a caminhada intelectual, agora direcionada profissionalmente, que não digam parodiano Drumond – E agora José? – Mas que repitam as palavras de Carlos Heitor Coni, quando vivíamos nos tempos negros da ditadura:

“Não há medo: há um futuro e é nele que creio”.

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