quarta-feira, 30 de maio de 2012


A Greve dos Trabalhadores na Cultura do Café

                                                                                  Ruy Medeiros (Digitado 10/2002)





Não se pode fazer uma avaliação do movimento grevista dos trabalhadores na lavoura cafeeira de Vitória da Conquista e Barra do Choça (Ba), sem o estudo da situação concreta dos trabalhadores e de seu estágio atual de organização.

A idade do proletariado rural conquistense, sua composição e origem, sua distribuição (grau de concentração), seus níveis de organização, etc., são fatores que ajudam a compreender o movimento grevista, seus aspectos positivos, seus erros, sua fraqueza.

Este relato salienta alguns aspectos do modo de ser dos trabalhadores rurais de Vitória da Conquista e de Barra do Choça, o momento em que o movimento grevista foi deflagrado e aspectos políticos locais, na forma de anotações, para avaliação (que deve ser trabalho coletivo) da greve dos trabalhadores rurais nas fazendas de café de Vitória da Conquista e Barra do Choça.

Este trabalho se divide em duas partes. Numa Parte são relacionados aspectos que dizem respeito à idade do proletariado rural das referidas localidades, sua composição, grau de organização, origem de sua liderança, distribuição espacial dos trabalhadores, a divisão no seio de suas lideranças, o momento político em que o movimento se desenvolveu, o relacionamento dos trabalhadores com os políticos e o papel da repressão diante do movimento grevista. Na segunda parte, são examinados aspectos diversos relativos ao movimento grevista em si mesmo.

1. Trabalhadores rurais – Tempo e Contexto

1.1 Um proletariado Rural Novo

Durante muito tempo, predominou em Vitória da Conquista e em Barra do Choça e pecuária. Esta atividade rural absorvia – durante todo o ano – pouquíssima mão-de-obra e o trabalhador deixava envolver-se, não faz muito tempo, por tratamento em que o “paternalismo” escamoteava a dura exploração. A ideologia do favor preponderava. O dono da fazenda batizava o filho do vaqueiro e dos “agregados” e o compadrio mascarava a relação de emprego entre ambos: em lugar do empregado, estava o compadre.

“Os pobres do campo são inteiramente dominados por um conjunto de mecanismos capazes de impedir o desenvolvimento de uma consciência política. São geralmente agregados da fazenda. Sua inteira dependência ao dono da terra reforça-se por laços de compadrio e outras características de um sistema de clientela. Não se vinculam a um sistema político; dependem do dono da fazenda, dependência esta mais brutal quando se sabe que a atividade dominante, a pecuária, absorve pouquíssima mão-de-obra. Sem terra e sem trabalho numa região em que o “exército de reserva de mão-de-obra” é amplo, o emprego é um “dom divino” e a “agregação” um favor que impõe fidelidade. A estrutura social, definida pelo conjunto de fazendas símiles, entorpece qualquer pensamento político por parte do pobre do campo. Não é o trabalho subordinado contratual que existe; o que existe é o trabalho do camponês que aparece como favor deferido a este pelo dono da terra. O monopólio da terra, a disparidade entre os homens disponíveis ao trabalho e a inexistência de um mercado de trabalho, fazem com que o fazendeiro seja o dono da vida e imponha seu domínio à legião dos homens do campo”.1

O quadro acima descrito vai modificar-se muito lentamente, à medida em que toda a sociedade regional se moderniza relativamente. Seus resíduos (inclusive de ordem ideológica) persistem por muitos anos e alguns ainda sobrevivem. A decomposição da velha sociedade, se assim se pode dizer, alcança o período que vai do após Segunda Guerra Mundial até os anos sessenta. Decomposição relativa, já se vê.

Além da pecuária, existia ( e ainda existe, em menor escala) a agricultura de subsistência feito por pequenos proprietários ou ocupantes de terras devolutas ou mesmo posseiros em terras alheias.

A agricultura cafeeira começa a estabelecer-se em Vitória da Conquista e Barra do Choça em 1972, É dela que vai ser responsável pela formação de um proletariado rural, pois absorve maior quantidade de mão-de-obra, é atividade mais moderna, em que a relação entre o “fazendeiro” e o trabalhador é somente contratual, despojada do antigo tratamento paternalista e de compadrio. Para que o tratamento seja puramente contratual contribuem o fato de muitos fazendeiros não possuírem tradição de proprietários rurais anterior, o declínio do coronelismo, a modernização econômica de toda a região. Com efeito, muitos desses proprietários rurais, cafeicultores, até há bem pouco tempo, eram apenas comerciantes, profissionais liberais ou assalariados urbanos bem pagos.

O proletariado rural, surgido com a cultura cafeeira é, portanto, um proletariado novo (novo enquanto proletariado, pois na atividade cafeeira trabalham muitas pessoas “maduras”). É significativo o fato de os trabalhadores reivindicarem – via greve – seus direitos, apesar de seu pouco tempo de formação; mas sua idade explica, também, as limitações do movimento grevista.

1.2 Heterogeneidade dos Trabalhadores na Cultura Cafeeira

Os trabalhadores que se envolvem na lavoura cafeeira são de dois tipos fundamentais: a) o assalariado “fixo” (aquele que trabalha o ano todo na fazenda: o “que toma conta” da fazenda, o tratorista, “diarista”); b) assalariado temporário (aquele que trabalha na época da colheita, de desmatamento ou de grande limpa).

O trabalhador temporário, por sua vez, apresenta divisão: a) o que vive de “biscate” ou nada possui, esperando o trabalho na época da colheita – “bóia fria”; b) o que tem pequena propriedade ou posse rural e vai trabalhar na colheita a fim de ganhar alguma coisa a mais, pois a época da colheita do café coincide com o período em que não precisa trabalhar a própria terra.

Os trabalhadores temporários, que não possuem terra e nem rural, não são uniformes em suas origens, pois: a) alguns são vindos de outra região (Vitória da Conquista é polo de atração de migrante); b) outros foram expulsos do campo; c) muitos vêm da periferia das cidades da região, aproveitando a oferta de trabalho na época da colheita de café; d) muitos são filhos de famílias pobres de Vitória da Conquista e de Barra do Choça.

Os trabalhadores temporários, que possuem pequena propriedade ou posse rural, são habitantes da região da mata-de-cipó ou da caatinga. Há aquele que, eventualmente, assalaria outro trabalhador.

Assim, muitos trabalhadores temporários não possuem a mesma origem imediata; têm problemas de adaptação à cidade (estão desorganizados, procurando “assentar-se” na cidade de Vitória da Conquista, buscando conseguir moradia, despojados de seu ambiente de origem, em processo inicial de formação de nova comunidade de vizinhaça, etc). Pelo seu baixíssimo nível de vida estão ansiosos pela época da colheita, quando conseguem trabalho. Evidentemente, a heterogeneidade da massa trabalhadora oferece dificuldades para deflagração do processo de luta do porte de uma grave.

1.3 Uma Vanguarda Nova

O questionamento dos problemas do trabalhador rural, enquanto classe, é “coisa nova” em Vitória da Conquista e Barra do Choça. Há o precendente da campanha da “Chapa 2” que, há dois anos e meio, concorreu, como oposição, às eleições do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista. A “Chapa 2” fez, realmente, uma campanha de esclarecimento e de conscientização dos trabalhadores.

A idéia de um “dissídio coletivo”, transformada em idéia de greve, foi abraçada por uma “comissão salarial” jovem, sem experiência de campanha salarial e sem o saber grevista. É uma vanguarda que aprendeu fazendo pela primeira vez, com auxílio de assessoria técnica.

É importante, para qualquer avaliação que se faça, ressaltar a inexperiência prévia da vanguarda (comissão salarial). Seu desempenho, apesar da série de obstáculos e de sua inexperiência quanto a campanha salarial e a movimento grevista, foi elogiável, mas alguns aspectos, que deviam ser levados em consideração, fugiram de sua compreensão. Atuando na adversidade, a “Comissão Salarial” fêz o que pôde, no entender de muitos trabalhadores.

1.4 Níveis de Organização

Os trabalhadores que se envolvem no processo produtivo da lavoura cafeeira estão grandemente desorganizados (principalmente grande número dos que trabalham apenas na época da colheita). Há dois níveis de organização: a) as comunidades de base da igreja e b) os sindicatos (Vitória da Conquista e Barra do Choça). Ambos os níveis englobam número relativamente pequeno de trabalhadores. Por outro lado, ambos têm desenvolvimento primordialmente trabalho direcionado para o pequeno proprietário, figura que pondera nos quadros diretivos (diretorias sindicais e animadores de comunidade).

A representatividade de ambos os níveis, em relação ao trabalhador assalariado, é pequena. As comunidades de base passaram a ter preocupação com o assalariado há ano e meio, aproximadamente. No seio dos próprios animadores de comunidade (tomados em conjunto) não se solidificou clareza acerca de todo o movimento de organização para a luta reivindicatória e processamento da greve. Alguns animadores por “não assumir” o movimento.

A diretoria do sindicato, por sua vez, tem-se pautado por uma conduta assistencialista, conservadora, politicamente governista. Os níveis de organização são insuficientes para alcançar em estádio de envolvimento total de toda a categoria no processo de greve. Um dado indicativo de pouca representatividade do sindicato é o número de filiados quites.

1.5 Dispersão dos Estabelecimentos Rurais e dos Trabalhadores

O plantio do café não está concentrado numa região. Há concentrações  de fazendas em “Capital” e em “Inhobim”, localidades distantes uma da outra e ambas distantes de Barra do Choça, área de maior concentração de estabelecimentos rurais que se dedicam à lavoura cafeeira. A área ocupada pelo café, portanto, não é contínua e é separada por grandes distâncias, fato que dificulta trabalhos de comando e de proselitismo, ou aliciamento.

Por outro lado, os trabalhadores, quer os “fixos” quer os “temporários”, estão dispersos em várias áreas; nas fazendas, nas vilas e povoados (da mata de cipó e da caatinga), nas cidades polarizadas por Vitória da Conquista, na periferia desta cidade, na zona rural da caatinga imensa. É evidente que o estado de dispersão dos trabalhadores sobre uma grande região dificulta a ação para a greve.

1.6 Oposição entre a Comissão Salarial e a Diretoria do Sindicato

A diretoria atual do sindicato nunca encarou com bons olhos o trabalho das comunidades de base e sempre olhou a “Comissão Salarial” como filha desse trabalho e continuadora da campanha feita pela “Chapa 2” no decorrer das últimas eleições sindicais. Realmente, as perspectivas de trabalho da Comissão Salarial são diversas das da atual diretoria do Sindicato. Este fato, somado ao caráter paternalista do Sindicato, não oferece maiores condições para o bom encaminhamento da luta. A liderança institucional da diretoria do Sindicato choca-se com a liderança de fato da Comissão Salarial. O papel dúbio dos dirigentes do Sindicato em relação ao movimento grevista ficou expresso e patente com o manifesto que lançaram, em fase decisiva para a greve, endossando pontos de vista da direita.

1.7 Movimento de Trabalhador e Recuo Político

O movimento dos trabalhadores rurais de Vitória da Conquista e Barra do Choça coincidiu com um movimento politicamente grave. A greve dos metalúrgicos de São Bernado (São Paulo) era superdimensionada politicamente pela imprensa e foi criado todo um clima para que fosse induzida nas consciências dos brasileiros a noção de que o governo Figueiredo estava utilizando a greve dos metalúrgicos como motivo para “endurecer o regime”. No momento imediatamente anterior à greve dos trabalhadores na cultura cafeeira de Vitória da Conquista e Barra do Choça, alguns líderes sindicais e personalidades democráticas de São Paulo foram presos. No decorrer da greve dos trabalhadores rurais, isto é, no mesmo tempo, continuaram as prisões em São Paulo (Osmar Mendonça, por exemplo, foi preso em 11.05.80) e em Minas Gerais (professores).

Ora, a vanguarda dos trabalhadores (Comissão Salarial) tinha consciência da gravidade do momento, mas não se intimidou. A diretoria do Sindicato, com os problemas ocorridos em são Bernado, ficou ainda mais à direita, sem assumir as tarefas postas pelo movimento.

Setores democráticos de Vitória da Conquista, intimidados pelo clima de tensão, deixaram de dar maior apoio à luta dos trabalhadores rurais. Aliás, a “direita”, em Vitória da Conquista, fazia seu jogo de intimidar pessoas; a polícia civil e o Batalhão de Polícia Militar (9º. BPM/VC) divulgaram, insistentemente, pelo serviço de rádio local, notas de teor intimidativo. É sintomático – diante do quadro descrito – que pessoas que se destacaram na greve dos professores (em 1979), inclusive assumido postura bastante progressista, tenham-se omitido quanto à greve dos trabalhadores rurais ficando alheias ao movimento.

A Igreja, por sua vez, bombardeada pelos fascistas locais e pelos ataques que recebia nacionalmente (por causa do apoio à luta dos metalúrgicos), recuou para a “defensiva”, restando dela apenas uma Paróquia e pessoas a esta vinculadas a oferecer apoio aos trabalhadores grevistas e ao movimento.

Desde o primeiro momento, a reação se aproveitou do fato para obter dividendos políticos.2  O certo é que a situação política inibiu a participação de setores democráticos (ideologicamente “fracos) de Vitória da Conquista, dificultando, dentre outras coisas, a dinamização do fundo de greve.

1.8 Difícil Relacionamento com os Políticos

O relacionamento dos trabalhadores com os políticos oferecia sérias dificuldades.

a) O Sindicato, juridicamente, para o dissídio coletivo ou greve é o único veículo viabilizador. Ora, era necessário despojar a diretoria reacionária do sindicato de toda e qualquer justificativa, ou argumento, que tivesse para eximir-se da luta. A diretoria procurava por todo lugar argumento para não “topar” o dissídio ou a greve. Assim, diante disso, não se podia fustigar o pronunciamento de políticos oposicionistas, antes da realização da assembléia de aprovação das reivindicações e de autorização para a greve. Se os políticos oposicionistas começassem a pronunciar-se, bem antes da “instalação” do movimento, a diretoria do sindicato poderia alegar que se tratava de movimento feita pela oposição (mais tarde, a diretoria do sindicato alegou que o movimento era de políticos ou por estes manobrado, mas foi desmascarada).

b) Por outro lado, setores ligados à Igreja assumem posição preconceituosa em torno da política partidária, a fim de assegurar-se da “legitimidade” do movimento e de que os trabalhadores “não sejam instrumentalizados”. Ora, a Comissão Salarial nasceu no seio das comunidades eclesiais de base...

c) Muitos “políticos” conquistenses (dentre estes as maiores expressões eleitorais) são cafeicultores. Aliás, a cafeicultura foi opção econômica regional indicada pela oposição (MDB) e estimulada por esta.

Alguns pensavam que o fato de grande parte de cafeicultores ser eleitora da “oposição” viesse facilitar o andamento da campanha reivindicatória. O que se viu, entretanto, foi grande pressão de “correliogionários” cafeicultores sobre seus líderes eleitorais.

Com a pressão existente, aliada a certa indefinição dos trabalhadores quanto ao papel do “político” no movimento, a “oposição” – como um todo – não se definiu. A “oposição” – como um todo – aceitou (por omissão) o trabalho da reação (alguns oposicionistas, inclusive, ficaram contra o movimento dos trabalhadores). O que se disse deve ser completado com a afirmativa de que alguns membros do PMDB deram apoio à luta dos trabalhadores, pronunciando-se pela legitimidade do movimento e auxiliando-o economicamente. Vale assinalar que a existência de pressão (dentro da própria “oposição” e vinda de setores de “direita”) acentuou a divisão existente no bloco “oposicionista” local, pois o grupo mais moderado não queria aparecer como simpatizante dos trabalhadores, temendo reflexos eleitorais com a perda de “correligionários” cafeicultores (chegou-se a argumentar que, na época de eleição, o fazendeiro é que define o “voto” do trabalhador de sua fazenda).

A direita – que veiculou uma série de boatos desencontrados – passou a utilizar-se do descontentamento dos fazendeiros e a capitalizar apoio desde os “grandes” e “médios” até “pequenos” cafeicultores. A direita, mentirosamente, alegava que o movimento dos trabalhadores fora instigado e inspirado por determinados líderes do PMDB. Como se vê, a pregação da direita, a nível nacional, teve seu complemento local a nível político, dificultando a luta destes, a oposição, objetivamente, deixou o campo para os reacionários. Ressalve-se, entretanto, a atuação positiva (em determinada fase do movimento) de certos políticos oposicionistas.

O certo é que, se os “políticos” oposicionistas pecaram gravemente, a “comissão salarial” e sua assessoria não souberam resolver o problema político, que é importante mesmo na greve econômica, porque a classe patronal utiliza todo um conjunto de meios políticos contra a greve.

1.9 Ação Policial

A ação policial, já quando a greve havia sido deflagrada, dificultou bastante o crescimento do movimento grevista e foi o fator que contribuiu para o endurecimento da comissão que representava a classe patronal. A ação policial, obviamente, fortaleceu os patrões e intimidou os trabalhadores.

Numa das reuniões de avaliação do andamento da greve, foi geral o seguinte pensamento de trabalhadores. “No início foi muito importante, porque todo mundo parou, mas depois que a polícia entrou, começou a trabalhar muita gente”.

“Antes da polícia tinha muita gente parada; depois que a polícia entrou e está dando cobertura, muita gente está indo trabalhar”. “Povo tem medo da polícia” (palavras ditas por trabalhadores).

A polícia impediu, por diversas vezes, a ação pacífica dos comandos de greve, intimou pessoas a prestar declarações “na delegacia”, “procurou” trabalhadores em suas casas, divulgou notas com caráter intimidativo, através de rádios locais, assegurou livre trânsito de caminhões com pessoas vindas de fora (“a força dos fazendeiros é o povo da caatinga”, disse um trabalhador).

1.10. Inexistência de Fundo de Greve

Não foi organizado convenientemente o fundo de greve. A arrecadação de recursos foi mínima diante das necessidades. Setores que se haviam comprometido a apoiar o movimento grevista omitiram-se. A classe patronal sempre jogou com a inexistência do fundo de greve. Este era seu grande trunfo e sua esperança. A comissão negociadora (dos patrões), no momento das negociações, deixou claro que não acreditava na viabilidade da greve por saber da inexistência de fundo de greve.

Os recursos arrecadados foram mínimos e só pouquíssimas famílias foram atendidas com um mínimo, em dinheiro. O resultado da inexistência do fundo de greve (isto é, o caráter irrisório dos recursos) pode ser visto nestas palavras de um trabalhador, ditas numa região de avaliação do andamento da greve: “Tinha criança chorando de fome. Não pude agüentar e dei cinqüenta contos”. Um trabalhador, no mesmo encontro de avaliação alegou: “Os trabalhadores não foram conscientizadas para “passar” com o que pudessem, economizando farinha, etc”. Ora, sustentar um movimento com pessoas desprovidas de economias (poupanças), de todo e qualquer meio de subsistência, oferece dificuldades quase que totalmente intransponíveis.

1.11 Demora do Momento do Pique da Colheita

A data do processamento da greve (assembléia e deflagração) foi escolhida em função da colheita; mais especificamente, em função do “pique”, isto é, do momento em que cada fazenda precisa de maior número de trabalhadores, porque o café está amadurecendo em maior quantidade.

Ora, tomou-se como base a data do “pique” referente à safra do ano de 1979 (10 a 15 de maio). Ocorreu, entretanto, o seguinte: de outubro de 1979 a fevereiro de 1980, choveu bastante na região da cafeicultura (Conquista e Barra do Choça) e o café demorou de amadurecer mais e em maior quantidade: a greve não alcançou o “pique” de colheita. Assim, paralisação parcial de trabalhadores não estava fadada a trazer grandíssimos transtornos – os fazendeiros podiam trabalhar com menos “catadores” de café. Além disso, como não se estava no “pique” da colheita, o mercado de mão-de-obra oferecia condições de substituição de trabalhadores, fato que era auxiliado pela ação policial.

Com esta situação, a paralisação parcial (esperava-se que uma paralisação – mesmo parcial – conquistasse algumas vitórias, tendo em vista a premência de mão-de-obra) não surtiu inteiramente os efeitos desejados.

Alguns fazendeiros alegam que o fato acima descrito não tem maior importância, pois o café pode ser catado no chão. Trabalhadores contra-argumentam, dizendo que, mesmo para catar o café na chão, há um prazo, pois os grãos amontoados “debaixo do pé” fermentam, dando uma bebida ruim, ou mesmo, com o tempo, alguns grãos podem germinar sob neblina. É certo que deixar o café cair sem colher atrasa a floração, trazendo prejuízos.

2. O Desenvolvimento da Greve

2.1. A Idéia da Greve

A idéia de fazer algo de mais concreto com e em relação aos assalariados na lavoura cafeeira de Vitória da Conquista e Barra do Choça surgiu no seio das comunidades de base. Desde há algum tempo, vinha sendo discuta a situação dos bóias-frias e, depois, genericamente, dos assalariados rurais, pelos participantes das comunidades de base e suas assessorias.

Inicialmente, ficou claro que não se tratava de fazer um “movimento para” o trabalhador, mas em assessorar os trabalhadores se eles respondessem positivamente à idéia de amplo movimento reivindicatório, que se traduzisse por fatos concretos (dissídio coletivo, greve, ou outra alternativa). O trabalho, discutido por trabalhadores com trabalhadores (inclusive assessores convidados por trabalhadores), deveria envolver um grande número de pessoas, ocupar um tempo favorável e versar sobre reivindicações sentidas dos assalariados. Identificou-se que o momento crucial para o desenvolvimento da campanha reivindicatória era o da colheita, porque: a) a colheita mobiliza grande contingente de trabalhadores; b) na fase da colheita a mão-de-obra é disputada e bastante necessária; c) uma pressão na fase de colheita teria mais condições de prosperar, pois os fazendeiros estariam necessitando de colher café e, para não terem prejuízos, diante da pressão, poderiam ceder diante de algumas ou todas as reivindicações.

Escolher o momento da colheita significativa escolher o momento taticamente melhor e trabalhar com massa mais ampla, mas significativa, também, lidar com os trabalhadores mais heterogêneos e, sob certos aspectos, mais atrasados.

Foram identificadas as reivindicações básicas, pelos trabalhadores, compostas essencialmente, dos seguintes ítens: diária mínima de Cr$ 220,00; pagamento de horas-extras, enquanto se espera o pagamento de salários; pagamento de salário em caso de doença; respeito à diária estabelecida para os trabalhos realizados por empreitada ou regime de “produção”; igualdade salarial entre homem e mulher; pagamento de adicional de insalubridade em serviços de pulverização; fornecimento, pelo fazendeiro, dos instrumentos de trabalho; condições dignas para pernoite em fazendas; criação de escolas nas fazendas e proteção ao trabalho do menor, etc.

Embora sempre a vanguarda dos trabalhadores e a assessoria convidada estivessem, de fato, pensando em instaurar um “dissídio coletivo”, a idéia de “paralisação” do trabalho era preocupação constante dos envolvidos no processo de discussão. Entendia-se que, na colheita, a paralisação seria o instrumento de pressão imprescindível para a obtenção de acato às exigências do trabalhador e que o referido momento era o mais capaz de evidenciar, aos olhos do trabalhador, a importância da mão-de-obra no processo produtivo. Mas a idéia de greve, propriamente dita, isto é, em obediência aos requisitos da lei, foi opção abraçada após a “pré-assembléia” do dia 13 de abril.

2.2 Tarefas Imediatas

Nas primeiras discussões, ficou evidente a necessidade de adoção de algumas medidas práticas, tendo sido decidido: a) criar coordenação (transformada, posteriormente em Comissão Salarial); b) formar assessoria específica; c) promover reuniões da Comissão Salarial com os trabalhadores e com a assessoria.

A coordenação formada apresentou uma série de dificuldades. Muitos dos seus integrantes faltavam às reuniões, fazendo com que os trabalhadores fizessem alterações e tivessem maior dificuldade em continuar os trabalhos.

Para que se tenha uma idéia da instabilidade inicial da coordenação (como um todo, pois alguns de seus membros ficaram do início ao fim do trabalho), bastar dizer que, em 20 de janeiro, ainda se pensava em reestruturar a coordenação, formar núcleos de apoio, “abertura” dos trabalhos de propaganda, o que se fez de forma ainda tímida.

A continuidade do trabalho, sobretudo quando se abriu a propaganda, e se manteve contatos com o Sindicato e com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia, tornou imperiosa a convocação de uma pré-assembléia, para que fosse avaliada a viabilidade do movimento proposto (à época, ainda se propunha o “dissídio coletivo”).

Após a realização da pré-assembléia (dia 13 de abril) é que se firmou a opção de greve, levando-se em consideração, principalmente, o exemplo da greve dos trabalhadores na lavoura canavieira de Pernambuco.

2.3 Acerto de Uma Escolha

Quando a idéia de greve foi adotada, procurou-se assessoramento mais amplo no sentido de conseguir-se “tirar” o movimento grevista, isto é, de privilegiar a paralisação com arma de pressão, obedecendo os requisitos legais (Lei 4.330 de 1964).

Esta escolha foi fundamental, porque: a) a vanguarda teve de estar constantemente mobilizada a mobilizando os trabalhadores para que o movimento obtivesse vitória; b) a vanguarda obteve “auditório” significativo para esclarecer os trabalhadores (ação dos comandos de greve, depoimentos e discursos nas assembléias, etc); c) o fato (greve) obteve ampla repercussão na imprensa e na comunidade; d) os trabalhadores tomaram conhecimento do mecanismo de sua arma clássica de pressão; e) ficou evidente para os trabalhadores o choque entre uma concepção meramente assistencialista do Sindicato e a concepção do Sindicato como instrumento de luta.

Um dissídio coletivo não teria os efeitos acima enumerados.

2.4 Dificuldades Iniciais

O trabalho desenvolveu-se, inicialmente, num círculo puramente de trabalhadores a tanto a assessoria quanto a vanguarda (Comissão Salarial) tiveram de posicionar-se diante das seguintes questões: a) abrir ou não abrir a discussão logo para a comunidade; b) fazer ou não fazer logo propaganda aberta; c) contactar ou não contactar imediatamente a Diretoria do Sindicato; d) acumular força à medida que se contactava o Sindicato, ou amadurecer a idéia e acumular força para, só então, envolver a Diretoria do Sindicato.

Venceu, durante bom tempo, a idéia de preservar a preparação no âmbito dos trabalhadores e não contactar logo o Sindicato. A opção de não abrir a discussão e a propaganda para toda a comunidade significava deixar de preparar (politicamente) com antecedência a comunidade e, quanto ao não envolvimento do Sindicato, esquecer que este necessariamente teria de ser envolvido por necessidade legal (é evidente entretanto, que, tratando-se de Sindicato puramente assistencialista e reacionário, por sua diretoria, era necessária certa demonstração de força para que o Sindicato assumisse a luta). A assessoria esteve dividida quanto aos aspectos acima enumerados e quando “foi aberta” a propaganda já se estava bem próximo dos passos para a concretização do movimento.

Pode-se indagar por que a assessoria não “abriu” logo a propaganda em torno do movimento (pretendido dissídio coletivo). É que se pensava na possibilidade de elemento surpresa ser um dado auxiliar positivo e que a diretoria do Sindicato pudesse fazer trabalho contrário ao pretendido pela Comissão Salarial (isto é, pudesse fazer contrapropaganda do movimento reivindicatório).

A propaganda aberta demorou e isso trouxe conseqüências futuras: a) não conhecimento dos termos exatos das reivindicações dos trabalhadores rurais pelos demais setores da comunidade; b) facilitação de contrapropaganda (boatos, exageros, empulhações, etc.) por parte de fazendeiros e pessoas reacionárias; c) dificuldade no relacionamento com a comunidade política oposicionista (como um todo); d) dificuldade no conseguir apoio mais expressivo dos setores da comunidade, tendo em vista o nível de desinformação.

O contato com o Sindicato era problemático, tendo em vista que : a) Diretoria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista é nitidamente reacionária e mantém o sindicato dentro das “atribuições” delegadas pelo regime; b) o relacionamento entre a Diretoria do Sindicato e as Comunidades de Base é marcado pela rivalidade; c) o Sindicato via na Comissão Salarial a continuidade da chapa oposicionista (Chapa 2) que concorreu às eleições anteriores; d) não era conveniente para o Sindicato indispor-se com os patrões e com as forças reacionárias, a quem representa no movimento dos trabalhadores.

Tendo em vista que era necessário, seja para a opção do dissídio coletivo, seja para a opção do caminho da greve, estabelecido pela Lei 4.330, o contato com o Sindicato, pois este seria o veículo viabilizado, só havia uma alternativa: a pressão.

A pressão teria que dar-se com duas forças: a) direita, dos próprios trabalhadores interessados no movimento reivindicatório; b) indireta, através dos órgãos sindicais superiores (FETAG e CONTAG).

Os dois mecanismos de pressão foram postos em ação. Abaixo-assinados, pedindo convocação de Assembléia para discutir as reivindicações dos trabalhadores, foram encaminhados tanto aos Sindicatos (Conquista e Barra do Choça) quanto à FETAG e à CONTAG. A Fetag e a Contag endossaram a posição da vanguarda (Comissão Salarial) e o Sindicato ficou num dilema: a) não apoiar o movimento seria fortalecer os argumentos dos trabalhadores identificados com a Comissão Salarial, segundo os quais a diretoria do Sindicato não estava realmente comprometida com os trabalhadores; b) apoiar o movimento seria endossar proposta surgida no seio de grupo com o qual o Sindicato mantinha postura de rivalidade e desagradar os setores retrógrados.

Pressionada, a diretoria do Sindicato adotou a seguinte posição: a) inicialmente, proletar qualquer decisão apesar de declarar justas as reivindicações; b) não declarar a anistia sindical, tentando manobrar com o quorum para não aprovar o movimento (saída honrosa, dentro da interpretação de que para votar era necessário que o associado estivesse quite com a tesouraria); c) fazer contra-propaganda “debaixo do pano”; d) apoiar apenas verbalmente.

Como a situação tornou-se insustentável, a diretoria do Sindicato, temendo a convocação de assembléia à sua revelia (10% dos associados), foi a reboque e convocou a Assembléia, já dentro do espírito da Lei de Greve. Merece ser registrado, de passagem, que a decisão foi tomada, em grande parte, graças ao trabalho muito bem feito dos assessores da FETAG e da CONTAG.

Ir a reboque significava apoio dúbio, apoio pela metade, não trabalhar em conjunto. Isto ficou claro no momento mesmo em que, aprovadas as reivindicações em Assembléia, feitas as notificações, intensificado o trabalho de propaganda, a Diretoria do Sindicato lançou manifesto de conteúdo diversionista, endossando argumentos da direita, alegando existência de falsos líderes, exploração do movimento por políticos, etc. Ora, no momento em que se esperava a convocação das partes (empregadores e empregados) à mesa de negociações pela Delegacia Regional do Trabalho, a Diretoria do Sindicato desautorizava o trabalho, demonstrava divisão no movimento, insinuava correlação de força desfavorável para os trabalhadores.

2.5 Na Mesa de Negociações

Na mesa de negociações – etapa de conciliação prevista na Lei nº 4.330 – houve a prevalência da assessoria sobre a diretoria do Sindicato e da FETAG. Ou seja, a assessoria (sobretudo a jurídica) teve que sustentar pontos de vista da Comissão Salarial e suprir fraquezas dos representantes sindicais (FETAG, STR).

Na primeira fase dos trabalhos (período matutino) houve preponderância da bancada dos trabalhadores. Esta foi mais ofensiva e apresentou argumentação mais relevante. No período da tarde, quando mais evidente ia ficando a fraqueza dos representantes sindicais e a simpatia da Delegacia Regional do Trabalho e sua procuradoria à banca patronal, esta gradativamente tomou a ofensiva e o acordo não foi realizado, apesar de a comissão de negociação dos trabalhadores e sua assessoria acenarem que possuíam direito adquirido à deflagração da greve.

2.6 A Greve foi Deflagrada

Apesar das dificuldades, tendo em vista todo trabalho realizado, foi imperativo que a greve fosse deflagrada, ainda mais porque ela era desejo de grande parte dos trabalhadores (que a autorizavam expressamente em assembléia) e dos quadros mais preparados dos homens que se envolvem na colheita do café.

Não deflagrar a greve seria desmoralizante para o Sindicato, FETAG, Comissão Salarial e, sobretudo, deixaria o saldo da capitulação para os trabalhadores rurais, sem luta, principalmente porque a idéia de greve era bastante aceita nas mini-assembléias e nos encontros de trabalhadores. Os patrões, entretanto, estavam dispostos “a pagarem para ver”, pois a fraqueza, a timidez, a “falta de garra” dos dirigentes sindicais na mesa de negociações induzia à compreensão de fraqueza no campo dos trabalhadores.

De tal maneira a idéia de greve impregnava as consciências, que o que se colocou de imediato para os trabalhadores da Comissão Salarial, para seus assessores e para os assessores da CONTAG e da FETAG, não foi a escolha entre deflagrar ou não deflagrar a greve. O clima do momento colocava outro problema: as diretorias do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista e da Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia assumiriam ou não assumiriam a greve? Importava saber, no momento, precisamente aquilo, pois os trabalhadores da Comissão Salarial, que estavam em contato com a massa trabalhadora opinavam pela possibilidade da paralisação, embora não para a “totalidade” dos trabalhadores.

A greve foi deflagrada no dia 11 de maio pelo Sindicato e pela FETAG e foi considerada legal pela Delegacia Regional do Trabalho.

2.7 Adesões e Repressão

No dia de segunda-feira, 12 de maio, os comandos de greve postaram-se em pontos estratégicos (início de estradas gerais para as fazendas). Caminhões foram parados e muitos trabalhadores, convidados a aderirem ao movimento grevista, abraçaram a causa, saltando das carrocerias.

Na terça-feira, o trabalho em algumas fazendas foi “arriado” e em outras diminuindo sensivelmente. Algumas fazendas, entretanto, não sofreram nenhum efeito, tendo mantido o número previsto de trabalhadores em atividade.

O movimento seguiu com altos e baixos com tendência maior ao declínio tendo em vista atuação da polícia, desmobilizando comandos, servindo de “batedora” aos caminhões que transportavam trabalhadores, intimidando líderes, impedindo o trabalho de aliciamento, divulgando notas através de rádio.

O fato de a greve ter sido declarada legal não impediu a atuação ilícita da força policial. Esta precisava ser neutralizada e para isso foram adotadas medidas consistentes em: a) denúncia dos fatos; b) contatos com a DRT e com o Ministério do Trabalho; c) contatos de persuasão com o Comando do 9º Batalhão de Polícia Militar; d) ação criminal contra o Comandante do Batalhão de Polícia.

O Sindicato não assumiu a medida de ação criminal (depois de redigida a peça), e as demais medidas, embora tivessem efeitos secundários, não atingiram seus objetivos, principalmente pelo apoio político local que a polícia obteve das forças retrógradas patronais (o governador do Estado passou a querer aparecer como patrono dos cafeicultores a fim de faturar politicamente).

Fatos relevantes, durante o movimento, foram as assembléias realizadas em Vitória da Conquista e Barra do Choça, além das mini-assembléias nos povoados e distritos. Nelas se discutiam os direitos dos trabalhadores, faziam-se denúncias, evidenciavam-se lideranças e se demonstrava um objetivo maior para os sindicatos (sindicatos como instrumento de luta). Após a realização de cada assembléia, recobravam os trabalhadores um relativo ânimo, não suficiente, entretanto, para contagiar a toda a classe.

2.8 O Fim da Greve

A atuação da polícia tomou mais premente duas necessidades: a) fundo de greve; b) apoio político (partidário e de outros setores). Mas, como conseguir-se apoio diante das manobras da direita, do momento em que se vivia, da própria ação policial, da fraqueza das lideranças sindicais? A diretoria do Sindicato (comprometida eleitoralmente com o PDS – antes ARENA) como iria conseguir apoio de quem mais combatia o movimento?

Concretamente, neste momento, quando era imperiosa uma grande iniciativa junto a outros setores da comunidade, faltavam recursos para a propaganda junto aos próprios trabalhadores e faltavam recursos para minorar a fome dos que persistiam na greve. Por outro lado, se o Sindicato nada fazia (ficava apático), quem iria fazer o trabalho de recolhimento de contribuições ao fundo de greve e de propaganda junto a outros setores, quando os trabalhadores mais ativos não podiam deixar o comando de greve, as mini-assembléias, os encontros reiterados de discussões, em campo?

As tentativas de dividir a classe patronal (colocando liberais contra reacionários) não deram o fruto desejado.

O movimento, enfim foi declinado de tal maneira que a discussão avaliatória do mesmo, realizada em 21 de maio (quarta-feira) entre uns trinta trabalhadores ativistas e assessores, logo passou a discutir a maneira de suspender a greve, em lugar de discutir a maneira de como continuar o movimento. No mesmo dia, pela manhã, houvera outra reunião (já referente ao dissídio coletivo proposto pela Procuradoria Regional do Trabalho), na Junta de Conciliação de Julgamento, entre negociadores dos patrões e negociadores dos trabalhadores, sem que se tivesse chegado a acordo.

Em 21 de maio, quarta-feira, ficou decidido e suspensão da greve. Em 22 de maio, com realização de assembléias, em Vitória da Conquista e em Barra do Choça, em que as lideranças avaliaram com os trabalhadores as vantagens e desvantagens do movimento, a greve foi suspensa.

3. Conclusão – Saldos

Não há dados disponíveis que indiquem que as limitações e fracassos relativos da greve tenham tido efeito desanimador (ou frustrante), em perspectiva, para os trabalhadores. Há bastantes indícios de que os trabalhadores entenderam seu movimento como “o movimento possível” dentro de determinadas condições, em determinado momento de sua história, preparatório de outras lutas.

De qualquer maneira, avaliações indicam alguns saldos positivos do movimento, apesar de ainda não ter sido julgado o dissídio coletivo, evidenciando ou não vitórias do ponto de vista econômico (tem-se como “ganho” o piso salarial, acima do salário mínimo regional).

Que saldos são estes? A) conscientização de muitos trabalhadores (um dos objetivos propostos pelas primeiras reuniões da Comissão Salarial com trabalhadores) quanto a seus direitos, que passaram a ser divulgados e esclarecidos, ou, pelo menos, conhecimento de seus direitos pelos assalariados; b) disseminação, na massa trabalhadora, da idéia do Sindicato como instrumento de luta (ao contrário de idéia do Sindicato como órgão “governamental” de assistência); c) contato dos trabalhadores (novos enquanto classe, vale ressaltar) com seu instrumento clássico de luta; d) aquisição de certo conhecimento de organização pela base para a luta por direitos (de forma rarefeita, entretanto); e) educação das lideranças, sempre em contato com a assessoria; f) assunção da luta pelos trabalhadores (“os trabalhadores conseguiram ter um papel central no movimento”); g) os patrões foram obrigados a irem discutir “de homem prá homem” com os trabalhadores (“levamos os patrões para a mesa de negociações”); quando o trabalhador apontava isto como saldo positivo do movimento, alguns assessores não entendiam o alcance do fato. Mas, em verdade, para o trabalhador que não pode ter a “petulância” de discutir direitos com o patrão, sempre arrogante nessas horas, e nem pedir aumentos, sob pena de ser “desfeiteado”, conversar “de homem prá homem”, sem represália, significa quebrar inibição, contrariar regra de hierarquia de classe, em determinação momento (“olhe o seu lugar!”), abrindo precedentes para o trabalho futuro; h) proposição de um dos primeiros dissídios coletivos de trabalhadores rurais (primeiro no Estado); i) contribuição à criação de pré-condições no seio da massa trabalhadora – de aceitação de lideranças autênticas, comprometidas com a luta da classe, que podem vir a disputar a direção dos sindicatos (Vitória da Conquista e Barra do Choça).

É evidente que os “ganhos” se apresentam com maior importância se vistos dentro de um contexto de continuidade do processo reivindicatório e de luta, sob novas formas. Os saldos apresentam maior importância a depender da continuidade do movimento iniciado a partir da deflagração da greve, ou melhor, a partir da preparação desta. Alguns trabalhadores, por exemplo, propõem a discussão, na base, e a aplicação (fiscalização) da sentença que for protelada no dissídio coletivo. Tal sentença regulamentará condições específicas (parcialmente) do trabalhador na lavoura cafeeira, trazendo, em seu contexto, direitos já assegurados pela CLT. Será um instrumento de educação, se bem utilizada pelos trabalhadores.

Se, por exemplo, a sentença tiver efeito retroativo e for reconhecida (como se espera) diária salarial maior que o mínimo, é imperioso que os trabalhadores – aqueles que ainda recebem o salário mínimo ou menos que este – sejam alertados para cobrarem a diferença, ficando demonstrado o ganho econômico da luta. Sem a continuidade, na qual se inclui a disputa pelo Sindicato, a importância dos saldos, mesmo de vitórias que se venham a obter na decisão do dissídio, fica historicamente reduzida.






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