A Greve dos Trabalhadores na Cultura do Café
Ruy
Medeiros (Digitado 10/2002)
Não se pode fazer uma
avaliação do movimento grevista dos trabalhadores na lavoura cafeeira de
Vitória da Conquista e Barra do Choça (Ba), sem o estudo da situação concreta
dos trabalhadores e de seu estágio atual de organização.
A idade do proletariado
rural conquistense, sua composição e origem, sua distribuição (grau de
concentração), seus níveis de organização, etc., são fatores que ajudam a
compreender o movimento grevista, seus aspectos positivos, seus erros, sua
fraqueza.
Este relato salienta alguns
aspectos do modo de ser dos trabalhadores rurais de Vitória da Conquista e de
Barra do Choça, o momento em que o movimento grevista foi deflagrado e aspectos
políticos locais, na forma de anotações, para avaliação (que deve ser trabalho
coletivo) da greve dos trabalhadores rurais nas fazendas de café de Vitória da
Conquista e Barra do Choça.
Este trabalho se divide em
duas partes. Numa Parte são relacionados aspectos que dizem respeito à idade do
proletariado rural das referidas localidades, sua composição, grau de
organização, origem de sua liderança, distribuição espacial dos trabalhadores,
a divisão no seio de suas lideranças, o momento político em que o movimento se
desenvolveu, o relacionamento dos trabalhadores com os políticos e o papel da
repressão diante do movimento grevista. Na segunda parte, são examinados
aspectos diversos relativos ao movimento grevista em si mesmo.
1. Trabalhadores rurais –
Tempo e Contexto
1.1 Um proletariado Rural
Novo
Durante muito tempo,
predominou em Vitória da Conquista e em Barra do Choça e pecuária. Esta
atividade rural absorvia – durante todo o ano – pouquíssima mão-de-obra e o
trabalhador deixava envolver-se, não faz muito tempo, por tratamento em que o
“paternalismo” escamoteava a dura exploração. A ideologia do favor
preponderava. O dono da fazenda batizava o filho do vaqueiro e dos “agregados”
e o compadrio mascarava a relação de emprego entre ambos: em lugar do
empregado, estava o compadre.
“Os pobres do campo são
inteiramente dominados por um conjunto de mecanismos capazes de impedir o
desenvolvimento de uma consciência política. São geralmente agregados da
fazenda. Sua inteira dependência ao dono da terra reforça-se por laços de
compadrio e outras características de um sistema de clientela. Não se vinculam
a um sistema político; dependem do dono da fazenda, dependência esta mais
brutal quando se sabe que a atividade dominante, a pecuária, absorve
pouquíssima mão-de-obra. Sem terra e sem trabalho numa região em que o
“exército de reserva de mão-de-obra” é amplo, o emprego é um “dom divino” e a
“agregação” um favor que impõe fidelidade. A estrutura social, definida pelo
conjunto de fazendas símiles, entorpece qualquer pensamento político por parte
do pobre do campo. Não é o trabalho subordinado contratual que existe; o que
existe é o trabalho do camponês que aparece como favor deferido a este pelo
dono da terra. O monopólio da terra, a disparidade entre os homens disponíveis
ao trabalho e a inexistência de um mercado de trabalho, fazem com que o
fazendeiro seja o dono da vida e imponha seu domínio à legião dos homens do
campo”.1
O quadro acima descrito vai
modificar-se muito lentamente, à medida em que toda a sociedade regional se
moderniza relativamente. Seus resíduos (inclusive de ordem ideológica)
persistem por muitos anos e alguns ainda sobrevivem. A decomposição da velha
sociedade, se assim se pode dizer, alcança o período que vai do após Segunda
Guerra Mundial até os anos sessenta. Decomposição relativa, já se vê.
Além da pecuária, existia (
e ainda existe, em menor escala) a agricultura de subsistência feito por
pequenos proprietários ou ocupantes de terras devolutas ou mesmo posseiros em
terras alheias.
A agricultura cafeeira
começa a estabelecer-se em Vitória da Conquista e Barra do Choça em 1972, É
dela que vai ser responsável pela formação de um proletariado rural, pois
absorve maior quantidade de mão-de-obra, é atividade mais moderna, em que a
relação entre o “fazendeiro” e o trabalhador é somente contratual, despojada do
antigo tratamento paternalista e de compadrio. Para que o tratamento seja
puramente contratual contribuem o fato de muitos fazendeiros não possuírem
tradição de proprietários rurais anterior, o declínio do coronelismo, a
modernização econômica de toda a região. Com efeito, muitos desses
proprietários rurais, cafeicultores, até há bem pouco tempo, eram apenas
comerciantes, profissionais liberais ou assalariados urbanos bem pagos.
O proletariado rural,
surgido com a cultura cafeeira é, portanto, um proletariado novo (novo
enquanto proletariado, pois na atividade cafeeira trabalham muitas pessoas
“maduras”). É significativo o fato de os trabalhadores reivindicarem – via
greve – seus direitos, apesar de seu pouco tempo de formação; mas sua idade
explica, também, as limitações do movimento grevista.
1.2 Heterogeneidade dos
Trabalhadores na Cultura Cafeeira
Os trabalhadores que se
envolvem na lavoura cafeeira são de dois tipos fundamentais: a) o assalariado
“fixo” (aquele que trabalha o ano todo na fazenda: o “que toma conta” da
fazenda, o tratorista, “diarista”); b) assalariado temporário (aquele que
trabalha na época da colheita, de desmatamento ou de grande limpa).
O trabalhador temporário,
por sua vez, apresenta divisão: a) o que vive de “biscate” ou nada possui,
esperando o trabalho na época da colheita – “bóia fria”; b) o que tem pequena
propriedade ou posse rural e vai trabalhar na colheita a fim de ganhar alguma
coisa a mais, pois a época da colheita do café coincide com o período em que
não precisa trabalhar a própria terra.
Os trabalhadores
temporários, que não possuem terra e nem rural, não são uniformes em suas
origens, pois: a) alguns são vindos de outra região (Vitória da Conquista é
polo de atração de migrante); b) outros foram expulsos do campo; c) muitos vêm
da periferia das cidades da região, aproveitando a oferta de trabalho na época
da colheita de café; d) muitos são filhos de famílias pobres de Vitória da
Conquista e de Barra do Choça.
Os trabalhadores
temporários, que possuem pequena propriedade ou posse rural, são habitantes da
região da mata-de-cipó ou da caatinga. Há aquele que, eventualmente, assalaria
outro trabalhador.
Assim, muitos trabalhadores
temporários não possuem a mesma origem imediata; têm problemas de adaptação à
cidade (estão desorganizados, procurando “assentar-se” na cidade de Vitória da
Conquista, buscando conseguir moradia, despojados de seu ambiente de origem, em
processo inicial de formação de nova comunidade de vizinhaça, etc). Pelo seu
baixíssimo nível de vida estão ansiosos pela época da colheita, quando
conseguem trabalho. Evidentemente, a heterogeneidade da massa trabalhadora
oferece dificuldades para deflagração do processo de luta do porte de uma
grave.
1.3 Uma Vanguarda Nova
O questionamento dos
problemas do trabalhador rural, enquanto classe, é “coisa nova” em Vitória da
Conquista e Barra do Choça. Há o precendente da campanha da “Chapa 2” que, há dois anos e meio,
concorreu, como oposição, às eleições do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de
Vitória da Conquista. A “Chapa 2”
fez, realmente, uma campanha de esclarecimento e de conscientização dos
trabalhadores.
A idéia de um “dissídio
coletivo”, transformada em idéia de greve, foi abraçada por uma “comissão
salarial” jovem, sem experiência de campanha salarial e sem o saber grevista. É
uma vanguarda que aprendeu fazendo pela primeira vez, com auxílio de assessoria
técnica.
É importante, para qualquer
avaliação que se faça, ressaltar a inexperiência prévia da vanguarda (comissão
salarial). Seu desempenho, apesar da série de obstáculos e de sua inexperiência
quanto a campanha salarial e a movimento grevista, foi elogiável, mas alguns
aspectos, que deviam ser levados em consideração, fugiram de sua compreensão.
Atuando na adversidade, a “Comissão Salarial” fêz o que pôde, no
entender de muitos trabalhadores.
1.4 Níveis de Organização
Os trabalhadores que se
envolvem no processo produtivo da lavoura cafeeira estão grandemente
desorganizados (principalmente grande número dos que trabalham apenas na época
da colheita). Há dois níveis de organização: a) as comunidades de base da
igreja e b) os sindicatos (Vitória da Conquista e Barra do Choça). Ambos os
níveis englobam número relativamente pequeno de trabalhadores. Por outro lado,
ambos têm desenvolvimento primordialmente trabalho direcionado para o pequeno
proprietário, figura que pondera nos quadros diretivos (diretorias sindicais e
animadores de comunidade).
A representatividade de
ambos os níveis, em relação ao trabalhador assalariado, é pequena. As
comunidades de base passara m a ter
preocupação com o assalariado há ano e meio, aproximadamente. No seio dos
próprios animadores de comunidade (tomados em conjunto) não se solidificou
clareza acerca de todo o movimento de organização para a luta reivindicatória e
processamento da greve. Alguns animadores por “não assumir” o movimento.
A diretoria do sindicato,
por sua vez, tem-se pautado por uma conduta assistencialista, conservadora,
politicamente governista. Os níveis de organização são insuficientes para
alcançar em estádio de envolvimento total de toda a categoria no processo de
greve. Um dado indicativo de pouca representatividade do sindicato é o número
de filiados quites.
1.5 Dispersão dos
Estabelecimentos Rurais e dos Trabalhadores
O plantio do café não está
concentrado numa região. Há concentrações
de fazendas em “Capital” e em “Inhobim”, localidades distantes uma da
outra e ambas distantes de Barra do Choça, área de maior concentração de estabelecimentos
rurais que se dedicam à lavoura cafeeira. A área ocupada pelo café, portanto,
não é contínua e é separada por grandes distâncias, fato que dificulta
trabalhos de comando e de proselitismo, ou aliciamento.
Por outro lado, os
trabalhadores, quer os “fixos” quer os “temporários”, estão dispersos em várias
áreas; nas fazendas, nas vilas e povoados (da mata de cipó e da caatinga), nas
cidades polarizadas por Vitória da Conquista, na periferia desta cidade, na
zona rural da caatinga imensa. É evidente que o estado de dispersão dos
trabalhadores sobre uma grande região dificulta a ação para a greve.
1.6 Oposição entre a
Comissão Salarial e a Diretoria do Sindicato
A diretoria atual do
sindicato nunca encarou com bons olhos o trabalho das comunidades de base e
sempre olhou a “Comissão Salarial” como filha desse trabalho e continuadora da
campanha feita pela “Chapa 2”
no decorrer das últimas eleições sindicais. Realmente, as perspectivas de
trabalho da Comissão Salarial são diversas das da atual diretoria do Sindicato.
Este fato, somado ao caráter paternalista do Sindicato, não oferece maiores
condições para o bom encaminhamento da luta. A liderança institucional da
diretoria do Sindicato choca-se com a liderança de fato da Comissão Salarial. O
papel dúbio dos dirigentes do Sindicato em relação ao movimento grevista ficou
expresso e patente com o manifesto que lançaram, em fase decisiva para a greve,
endossando pontos de vista da direita.
1.7 Movimento de
Trabalhador e Recuo Político
O movimento dos
trabalhadores rurais de Vitória da Conquista e Barra do Choça coincidiu com um
movimento politicamente grave. A greve dos metalúrgicos de São Berna do (São Paulo) era superdimensionada
politicamente pela imprensa e foi criado todo um clima para que fosse induzida
nas consciências dos brasileiros a noção de que o governo Figueiredo estava
utilizando a greve dos metalúrgicos como motivo para “endurecer o regime”. No
momento imediatamente anterior à greve dos trabalhadores na cultura cafeeira de
Vitória da Conquista e Barra do Choça, alguns líderes sindicais e
personalidades democráticas de São Paulo foram presos. No decorrer da greve dos
trabalhadores rurais, isto é, no mesmo tempo, continuaram as prisões em São Paulo (Osmar
Mendonça, por exemplo, foi preso em 11.05.80) e em Minas Gerais (professores).
Ora, a vanguarda dos
trabalhadores (Comissão Salarial) tinha consciência da gravidade do momento,
mas não se intimidou. A diretoria do Sindicato, com os problemas ocorridos em são Berna do ,
ficou ainda mais à direita, sem assumir as tarefas postas pelo movimento.
Setores democráticos de
Vitória da Conquista, intimidados pelo clima de tensão, deixaram de dar maior
apoio à luta dos trabalhadores rurais. Aliás, a “direita”, em Vitória da
Conquista, fazia seu jogo de intimidar pessoas; a polícia civil e o Batalhão de
Polícia Militar (9º. BPM/VC) divulgaram, insistentemente, pelo serviço de rádio
local, notas de teor intimidativo. É sintomático – diante do quadro descrito –
que pessoas que se destacaram na greve dos professores (em 1979), inclusive
assumido postura bastante progressista, tenham-se omitido quanto à greve dos
trabalhadores rurais ficando alheias ao movimento.
A Igreja, por sua vez,
bombardeada pelos fascistas locais e pelos ataques que recebia nacionalmente
(por causa do apoio à luta dos metalúrgicos), recuou para a “defensiva”,
restando dela apenas uma Paróquia e pessoas a esta vinculadas a oferecer apoio
aos trabalhadores grevistas e ao movimento.
Desde o primeiro momento, a
reação se aproveitou do fato para obter dividendos políticos.2 O certo é que a situação política inibiu a
participação de setores democráticos (ideologicamente “fracos) de Vitória da
Conquista, dificultando, dentre outras coisas, a dinamização do fundo de greve.
1.8 Difícil Relacionamento
com os Políticos
O relacionamento dos
trabalhadores com os políticos oferecia sérias dificuldades.
a) O Sindicato, juridicamente,
para o dissídio coletivo ou greve é o único veículo viabilizador. Ora, era
necessário despojar a diretoria reacionária do sindicato de toda e qualquer
justificativa, ou argumento, que tivesse para eximir-se da luta. A diretoria
procurava por todo lugar argumento para não “topar” o dissídio ou a greve.
Assim, diante disso, não se podia fustigar o pronunciamento de políticos
oposicionistas, antes da realização da assembléia de aprovação das
reivindicações e de autorização para a greve. Se os políticos oposicionistas
começassem a pronunciar-se, bem antes da “instalação” do movimento, a diretoria
do sindicato poderia alegar que se tratava de movimento feita pela oposição
(mais tarde, a diretoria do sindicato alegou que o movimento era de políticos
ou por estes manobrado, mas foi desmascarada).
b) Por outro lado, setores
ligados à Igreja assumem posição preconceituosa em torno da política
partidária, a fim de assegurar-se da “legitimidade” do movimento e de que os
trabalhadores “não sejam instrumentalizados”. Ora, a Comissão Salarial nasceu
no seio das comunidades eclesiais de base...
c) Muitos
“políticos” conquistenses (dentre estes as maiores expressões eleitorais) são
cafeicultores. Aliás, a cafeicultura foi opção econômica regional indicada pela
oposição (MDB) e estimulada por esta.
Alguns pensavam que o fato
de grande parte de cafeicultores ser eleitora da “oposição” viesse facilitar o
andamento da campanha reivindicatória. O que se viu, entretanto, foi grande
pressão de “correliogionários” cafeicultores sobre seus líderes eleitorais.
Com a pressão existente,
aliada a certa indefinição dos trabalhadores quanto ao papel do “político” no
movimento, a “oposição” – como um todo – não se definiu. A “oposição” – como um
todo – aceitou (por omissão) o trabalho da reação (alguns oposicionistas,
inclusive, ficaram contra o movimento dos trabalhadores). O que se disse deve
ser completado com a afirmativa de que alguns membros do PMDB deram apoio à
luta dos trabalhadores, pronunciando-se pela legitimidade do movimento e
auxiliando-o economicamente. Vale assinalar que a existência de pressão (dentro
da própria “oposição” e vinda de setores de “direita”) acentuou a divisão
existente no bloco “oposicionista” local, pois o grupo mais moderado não queria
aparecer como simpatizante dos trabalhadores, temendo reflexos eleitorais com a
perda de “correligionários” cafeicultores (chegou-se a argumentar que, na época
de eleição, o fazendeiro é que define o “voto” do trabalhador de sua fazenda).
A direita – que veiculou
uma série de boatos desencontrados – passou a utilizar-se do descontentamento
dos fazendeiros e a capitalizar apoio desde os “grandes” e “médios” até “pequenos”
cafeicultores. A direita, mentirosamente, alegava que o movimento dos
trabalhadores fora instigado e inspirado por determinados líderes do PMDB. Como
se vê, a pregação da direita, a nível nacional, teve seu complemento local a
nível político, dificultando a luta destes, a oposição, objetivamente, deixou o
campo para os reacionários. Ressalve-se, entretanto, a atuação positiva (em
determinada fase do movimento) de certos políticos oposicionistas.
O certo é que, se os
“políticos” oposicionistas pecaram gravemente, a “comissão salarial” e sua
assessoria não souberam resolver o problema político, que é importante mesmo na
greve econômica, porque a classe patronal utiliza todo um conjunto de meios
políticos contra a greve.
1.9 Ação Policial
A ação policial, já quando
a greve havia sido deflagrada, dificultou bastante o crescimento do movimento
grevista e foi o fator que contribuiu para o endurecimento da comissão que
representava a classe patronal. A ação policial, obviamente, fortaleceu os
patrões e intimidou os trabalhadores.
Numa das reuniões de
avaliação do andamento da greve, foi geral o seguinte pensamento de
trabalhadores. “No início foi muito importante, porque todo mundo parou, mas
depois que a polícia entrou, começou a trabalhar muita gente”.
“Antes da polícia tinha
muita gente parada; depois que a polícia entrou e está dando cobertura, muita
gente está indo trabalhar”. “Povo tem medo da polícia” (palavras ditas por
trabalhadores).
A polícia impediu, por
diversas vezes, a ação pacífica dos comandos de greve, intimou pessoas a
prestar declarações “na delegacia”, “procurou” trabalhadores em suas casas,
divulgou notas com caráter intimidativo, através de rádios locais, assegurou
livre trânsito de caminhões com pessoas vindas de fora (“a força dos fazendeiros
é o povo da caatinga”, disse um trabalhador).
1.10. Inexistência de Fundo
de Greve
Não foi organizado
convenientemente o fundo de greve. A arrecadação de recursos foi mínima diante
das necessidades. Setores que se haviam comprometido a apoiar o movimento
grevista omitiram-se. A classe patronal sempre jogou com a inexistência do
fundo de greve. Este era seu grande trunfo e sua esperança. A comissão
negociadora (dos patrões), no momento das negociações, deixou claro que não
acreditava na viabilidade da greve por saber da inexistência de fundo de greve.
Os recursos arrecadados
foram mínimos e só pouquíssimas famílias foram atendidas com um mínimo, em dinheiro. O resultado
da inexistência do fundo de greve (isto é, o caráter irrisório dos recursos) pode
ser visto nestas palavras de um trabalhador, ditas numa região de avaliação do
andamento da greve: “Tinha criança chorando de fome. Não pude agüentar e dei
cinqüenta contos”. Um trabalhador, no mesmo encontro de avaliação alegou: “Os
trabalhadores não foram conscientizadas para “passar” com o que pudessem,
economizando farinha, etc”. Ora, sustentar um movimento com pessoas desprovidas
de economias (poupanças), de todo e qualquer meio de subsistência, oferece
dificuldades quase que totalmente intransponíveis.
1.11 Demora do Momento do
Pique da Colheita
A data do processamento da
greve (assembléia e deflagração) foi escolhida em função da colheita; mais
especificamente, em função do “pique”, isto é, do momento em que cada fazenda
precisa de maior número de trabalhadores, porque o café está amadurecendo em
maior quantidade.
Ora, tomou-se como base a
data do “pique” referente à safra do ano de 1979 (10 a 15 de maio). Ocorreu,
entretanto, o seguinte: de outubro de 1979 a fevereiro de 1980, choveu bastante na
região da cafeicultura (Conquista e Barra do Choça) e o café demorou de
amadurecer mais e em maior quantidade: a greve não alcançou o “pique” de
colheita. Assim, paralisação parcial de trabalhadores não estava fadada a
trazer grandíssimos transtornos – os fazendeiros podiam trabalhar com menos
“catadores” de café. Além disso, como não se estava no “pique” da colheita, o
mercado de mão-de-obra oferecia condições de substituição de trabalhadores,
fato que era auxiliado pela ação policial.
Com esta situação, a
paralisação parcial (esperava-se que uma paralisação – mesmo parcial –
conquistasse algumas vitórias, tendo em vista a premência de mão-de-obra) não
surtiu inteiramente os efeitos desejados.
Alguns fazendeiros alegam
que o fato acima descrito não tem maior importância, pois o café pode ser
catado no chão. Trabalhadores contra-argumentam, dizendo que, mesmo para catar
o café na chão, há um prazo, pois os grãos amontoados “debaixo do pé”
fermentam, dando uma bebida ruim, ou mesmo, com o tempo, alguns grãos podem
germinar sob neblina. É certo que deixar o café cair sem colher atrasa a
floração, trazendo prejuízos.
2. O Desenvolvimento da
Greve
2.1. A Idéia da Greve
A idéia de fazer algo de
mais concreto com e em relação aos assalariados na lavoura cafeeira de Vitória
da Conquista e Barra do Choça surgiu no seio das comunidades de base. Desde há
algum tempo, vinha sendo discuta a situação dos bóias-frias e, depois,
genericamente, dos assalariados rurais, pelos participantes das comunidades de
base e suas assessorias.
Inicialmente, ficou claro
que não se tratava de fazer um “movimento para” o trabalhador, mas em
assessorar os trabalhadores se eles respondessem positivamente à idéia de amplo
movimento reivindicatório, que se traduzisse por fatos concretos (dissídio
coletivo, greve, ou outra alternativa). O trabalho, discutido por trabalhadores
com trabalhadores (inclusive assessores convidados por trabalhadores), deveria
envolver um grande número de pessoas, ocupar um tempo favorável e versar sobre
reivindicações sentidas dos assalariados. Identificou-se que o momento crucial
para o desenvolvimento da campanha reivindicatória era o da colheita, porque:
a) a colheita mobiliza grande contingente de trabalhadores; b) na fase da
colheita a mão-de-obra é disputada e bastante necessária; c) uma pressão na
fase de colheita teria mais condições de prosperar, pois os fazendeiros
estariam necessitando de colher café e, para não terem prejuízos, diante da
pressão, poderiam ceder diante de algumas ou todas as reivindicações.
Escolher o momento da
colheita significativa escolher o momento taticamente melhor e trabalhar com
massa mais ampla, mas significativa, também, lidar com os trabalhadores mais
heterogêneos e, sob certos aspectos, mais atrasados.
Foram identificadas as
reivindicações básicas, pelos trabalhadores, compostas essencialmente, dos
seguintes ítens: diária mínima de Cr$ 220,00; pagamento de horas-extras,
enquanto se espera o pagamento de salários; pagamento de salário em caso de
doença; respeito à diária estabelecida para os trabalhos realizados por
empreitada ou regime de “produção”; igualdade salarial entre homem e mulher;
pagamento de adicional de insalubridade em serviços de pulverização;
fornecimento, pelo fazendeiro, dos instrumentos de trabalho; condições dignas
para pernoite em fazendas; criação de escolas nas fazendas e proteção ao
trabalho do menor, etc.
Embora sempre a vanguarda
dos trabalhadores e a assessoria convidada estivessem, de fato, pensando em
instaurar um “dissídio coletivo”, a idéia de “paralisação” do trabalho era
preocupação constante dos envolvidos no processo de discussão. Entendia-se que,
na colheita, a paralisação seria o instrumento de pressão imprescindível para a
obtenção de acato às exigências do trabalhador e que o referido momento era o
mais capaz de evidenciar, aos olhos do trabalhador, a importância da
mão-de-obra no processo produtivo. Mas a idéia de greve, propriamente dita,
isto é, em obediência aos requisitos da lei, foi opção abraçada após a
“pré-assembléia” do dia 13 de abril.
2.2 Tarefas Imediatas
Nas primeiras discussões,
ficou evidente a necessidade de adoção de algumas medidas práticas, tendo sido
decidido: a) criar coordenação (transformada, posteriormente em Comissão Salarial );
b) formar assessoria específica; c) promover reuniões da Comissão Salarial com
os trabalhadores e com a assessoria.
A coordenação formada
apresentou uma série de dificuldades. Muitos dos seus integrantes faltavam às
reuniões, fazendo com que os trabalhadores fizessem alterações e tivessem maior
dificuldade em continuar os trabalhos.
Para que se tenha uma idéia
da instabilidade inicial da coordenação (como um todo, pois alguns de seus
membros ficaram do início ao fim do trabalho), bastar dizer que, em 20 de
janeiro, ainda se pensava em reestruturar a coordenação, formar núcleos de
apoio, “abertura” dos trabalhos de propaganda, o que se fez de forma ainda
tímida.
A continuidade do trabalho,
sobretudo quando se abriu a propaganda, e se manteve contatos com o Sindicato e
com a Federação dos Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia, tornou
imperiosa a convocação de uma pré-assembléia, para que fosse avaliada a
viabilidade do movimento proposto (à época, ainda se propunha o “dissídio
coletivo”).
Após a realização da
pré-assembléia (dia 13 de abril) é que se firmou a opção de greve, levando-se
em consideração, principalmente, o exemplo da greve dos trabalhadores na
lavoura canavieira de Pernambuco.
2.3 Acerto de Uma Escolha
Quando a idéia de greve foi
adotada, procurou-se assessoramento mais amplo no sentido de conseguir-se
“tirar” o movimento grevista, isto é, de privilegiar a paralisação com arma de
pressão, obedecendo os requisitos legais (Lei 4.330 de 1964).
Esta escolha foi
fundamental, porque: a) a vanguarda teve de estar constantemente mobilizada a
mobilizando os trabalhadores para que o movimento obtivesse vitória; b) a
vanguarda obteve “auditório” significativo para esclarecer os trabalhadores
(ação dos comandos de greve, depoimentos e discursos nas assembléias, etc); c)
o fato (greve) obteve ampla repercussão na imprensa e na comunidade; d) os
trabalhadores tomaram conhecimento do mecanismo de sua arma clássica de
pressão; e) ficou evidente para os trabalhadores o choque entre uma concepção
meramente assistencialista do Sindicato e a concepção do Sindicato como
instrumento de luta.
Um dissídio coletivo não
teria os efeitos acima enumerados.
2.4 Dificuldades Iniciais
O trabalho desenvolveu-se,
inicialmente, num círculo puramente de trabalhadores a tanto a assessoria
quanto a vanguarda (Comissão Salarial) tiveram de posicionar-se diante das
seguintes questões: a) abrir ou não abrir a discussão logo para a comunidade;
b) fazer ou não fazer logo propaganda aberta; c) contactar ou não contactar
imediatamente a Diretoria do Sindicato; d) acumular força à medida que se
contactava o Sindicato, ou amadurecer a idéia e acumular força para, só então,
envolver a Diretoria do Sindicato.
Venceu, durante bom tempo,
a idéia de preservar a preparação no âmbito dos trabalhadores e não contactar logo
o Sindicato. A opção de não abrir a discussão e a propaganda para toda a
comunidade significava deixar de preparar (politicamente) com antecedência a
comunidade e, quanto ao não envolvimento do Sindicato, esquecer que este
necessariamente teria de ser envolvido por necessidade legal (é evidente
entretanto, que, tratando-se de Sindicato puramente assistencialista e
reacionário, por sua diretoria, era necessária certa demonstração de força para
que o Sindicato assumisse a luta). A assessoria esteve dividida quanto aos
aspectos acima enumerados e quando “foi aberta” a propaganda já se estava bem
próximo dos passos para a concretização do movimento.
Pode-se indagar por que a
assessoria não “abriu” logo a propaganda em torno do movimento (pretendido
dissídio coletivo). É que se pensava na possibilidade de elemento surpresa ser
um dado auxiliar positivo e que a diretoria do Sindicato pudesse fazer trabalho
contrário ao pretendido pela Comissão Salarial (isto é, pudesse fazer
contrapropaganda do movimento reivindicatório).
A propaganda aberta demorou
e isso trouxe conseqüências futuras: a) não conhecimento dos termos exatos das
reivindicações dos trabalhadores rurais pelos demais setores da comunidade; b)
facilitação de contrapropaganda (boatos, exageros, empulhações, etc.) por parte
de fazendeiros e pessoas reacionárias; c) dificuldade no relacionamento com a
comunidade política oposicionista (como um todo); d) dificuldade no conseguir
apoio mais expressivo dos setores da comunidade, tendo em vista o nível de desinformação.
O contato com o Sindicato
era problemático, tendo em vista que : a) Diretoria do Sindicato dos
Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista é nitidamente reacionária e mantém
o sindicato dentro das “atribuições” delegadas pelo regime; b) o relacionamento
entre a Diretoria do Sindicato e as Comunidades de Base é marcado pela
rivalidade; c) o Sindicato via na Comissão Salarial a continuidade da chapa
oposicionista (Chapa 2) que concorreu às eleições anteriores; d) não era
conveniente para o Sindicato indispor-se com os patrões e com as forças
reacionárias, a quem representa no movimento dos trabalhadores.
Tendo em vista que era
necessário, seja para a opção do dissídio coletivo, seja para a opção do
caminho da greve, estabelecido pela Lei 4.330, o contato com o Sindicato, pois
este seria o veículo viabilizado, só havia uma alternativa: a pressão.
A pressão teria que dar-se
com duas forças: a) direita, dos próprios trabalhadores interessados no
movimento reivindicatório; b) indireta, através dos órgãos sindicais superiores
(FETAG e CONTAG).
Os dois mecanismos de
pressão foram postos em ação. Abaixo-assinados , pedindo convocação de
Assembléia para discutir as reivindicações dos trabalhadores, foram
encaminhados tanto aos Sindicatos (Conquista e Barra do Choça) quanto à FETAG e
à CONTAG. A Fetag e a Contag endossara m
a posição da vanguarda (Comissão Salarial) e o Sindicato ficou num dilema: a)
não apoiar o movimento seria fortalecer os argumentos dos trabalhadores
identificados com a Comissão Salarial, segundo os quais a diretoria do
Sindicato não estava realmente comprometida com os trabalhadores; b) apoiar o
movimento seria endossar proposta surgida no seio de grupo com o qual o
Sindicato mantinha postura de rivalidade e desagradar os setores retrógrados.
Pressionada, a diretoria do
Sindicato adotou a seguinte posição: a) inicialmente, proletar qualquer decisão
apesar de declarar justas as reivindicações; b) não declarar a anistia
sindical, tentando manobrar com o quorum para não aprovar o movimento
(saída honrosa, dentro da interpretação de que para votar era necessário que o
associado estivesse quite com a tesouraria); c) fazer contra-propaganda
“debaixo do pano”; d) apoiar apenas verbalmente.
Como a situação tornou-se
insustentável, a diretoria do Sindicato, temendo a convocação de assembléia à
sua revelia (10% dos associados), foi a reboque e convocou a Assembléia, já
dentro do espírito da Lei de Greve. Merece ser registrado, de passagem, que a
decisão foi tomada, em grande parte, graças ao trabalho muito bem feito dos
assessores da FETAG e da CONTAG.
Ir a reboque significava
apoio dúbio, apoio pela metade, não trabalhar em conjunto. Isto
ficou claro no momento mesmo em que, aprovadas as reivindicações em Assembléia,
feitas as notificações, intensificado o trabalho de propaganda, a Diretoria do
Sindicato lançou manifesto de conteúdo diversionista, endossando argumentos da
direita, alegando existência de falsos líderes, exploração do movimento por
políticos, etc. Ora, no momento em que se esperava a convocação das partes
(empregadores e empregados) à mesa de negociações pela Delegacia Regional do
Trabalho, a Diretoria do Sindicato desautorizava o trabalho, demonstrava
divisão no movimento, insinuava correlação de força desfavorável para os trabalhadores.
2.5 Na Mesa de Negociações
Na mesa de negociações –
etapa de conciliação prevista na Lei nº 4.330 – houve a prevalência da
assessoria sobre a diretoria do Sindicato e da FETAG. Ou seja, a assessoria
(sobretudo a jurídica) teve que sustentar pontos de vista da Comissão Salarial
e suprir fraquezas dos representantes sindicais (FETAG, STR).
Na primeira fase dos
trabalhos (período matutino) houve preponderância da bancada dos trabalhadores.
Esta foi mais ofensiva e apresentou argumentação mais relevante. No período da
tarde, quando mais evidente ia ficando a fraqueza dos representantes sindicais
e a simpatia da Delegacia Regional do Trabalho e sua procuradoria à banca
patronal, esta gradativamente tomou a ofensiva e o acordo não foi realizado,
apesar de a comissão de negociação dos trabalhadores e sua assessoria acenarem
que possuíam direito adquirido à deflagração da greve.
Apesar das dificuldades,
tendo em vista todo trabalho realizado, foi imperativo que a greve fosse deflagrada,
ainda mais porque ela era desejo de grande parte dos trabalhadores (que a
autorizavam expressamente em assembléia) e dos quadros mais preparados dos
homens que se envolvem na colheita do café.
Não deflagrar a greve seria
desmoralizante para o Sindicato, FETAG, Comissão Salarial e, sobretudo,
deixaria o saldo da capitulação para os trabalhadores rurais, sem luta,
principalmente porque a idéia de greve era bastante aceita nas mini-assembléias
e nos encontros de trabalhadores. Os patrões, entretanto, estavam dispostos “a
pagarem para ver”, pois a fraqueza, a timidez, a “falta de garra” dos
dirigentes sindicais na mesa de negociações induzia à compreensão de fraqueza
no campo dos trabalhadores.
De tal maneira a idéia de
greve impregnava as consciências, que o que se colocou de imediato para os
trabalhadores da Comissão Salarial, para seus assessores e para os assessores
da CONTAG e da FETAG, não foi a escolha entre deflagrar ou não deflagrar a
greve. O clima do momento colocava outro problema: as diretorias do Sindicato
dos Trabalhadores Rurais de Vitória da Conquista e da Federação dos
Trabalhadores na Agricultura no Estado da Bahia assumiriam ou não
assumiriam a greve? Importava saber, no momento, precisamente aquilo, pois
os trabalhadores da Comissão Salarial, que estavam em contato com a massa
trabalhadora opinavam pela possibilidade da paralisação, embora não para a
“totalidade” dos trabalhadores.
A greve foi deflagrada no
dia 11 de maio pelo Sindicato e pela FETAG e foi considerada legal pela Delegacia
Regional do Trabalho.
2.7 Adesões e Repressão
No dia de segunda-feira, 12
de maio, os comandos de greve postaram-se em pontos estratégicos (início de
estradas gerais para as fazendas). Caminhões foram parados e muitos
trabalhadores, convidados a aderirem ao movimento grevista, abraçaram a causa,
saltando das carrocerias.
Na terça-feira, o trabalho
em algumas fazendas foi “arriado” e em outras diminuindo sensivelmente. Algumas
fazendas, entretanto, não sofreram nenhum efeito, tendo mantido o número
previsto de trabalhadores em atividade.
O movimento seguiu com
altos e baixos com tendência maior ao declínio tendo em vista atuação da
polícia, desmobilizando comandos, servindo de “batedora” aos caminhões que
transportavam trabalhadores, intimidando líderes, impedindo o trabalho de
aliciamento, divulgando notas através de rádio.
O fato de a greve ter sido
declarada legal não impediu a atuação ilícita da força policial. Esta precisava
ser neutralizada e para isso foram adotadas medidas consistentes em: a)
denúncia dos fatos; b) contatos com a DRT e com o Ministério do Trabalho; c)
contatos de persuasão com o Comando do 9º Batalhão de Polícia Militar; d) ação
criminal contra o Comandante do Batalhão de Polícia.
O Sindicato não assumiu a
medida de ação criminal (depois de redigida a peça), e as demais medidas,
embora tivessem efeitos secundários, não atingiram seus objetivos,
principalmente pelo apoio político local que a polícia obteve das forças
retrógradas patronais (o governador do Estado passou a querer aparecer como
patrono dos cafeicultores a fim de faturar politicamente).
Fatos relevantes, durante o
movimento, foram as assembléias realizadas em Vitória da Conquista e Barra do
Choça, além das mini-assembléias nos povoados e distritos. Nelas se discutiam
os direitos dos trabalhadores, faziam-se denúncias, evidenciavam-se lideranças
e se demonstrava um objetivo maior para os sindicatos (sindicatos como
instrumento de luta). Após a realização de cada assembléia, recobravam os
trabalhadores um relativo ânimo, não suficiente, entretanto, para contagiar a
toda a classe.
2.8 O Fim da Greve
A atuação da polícia tomou
mais premente duas necessidades: a) fundo de greve; b) apoio político
(partidário e de outros setores). Mas, como conseguir-se apoio diante das
manobras da direita, do momento em que se vivia, da própria ação policial, da
fraqueza das lideranças sindicais? A diretoria do Sindicato (comprometida
eleitoralmente com o PDS – antes ARENA) como iria conseguir apoio de quem mais
combatia o movimento?
Concretamente, neste
momento, quando era imperiosa uma grande iniciativa junto a outros setores da
comunidade, faltavam recursos para a propaganda junto aos próprios
trabalhadores e faltavam recursos para minorar a fome dos que persistiam na
greve. Por outro lado, se o Sindicato nada fazia (ficava apático), quem iria
fazer o trabalho de recolhimento de contribuições ao fundo de greve e de
propaganda junto a outros setores, quando os trabalhadores mais ativos não
podiam deixar o comando de greve, as mini-assembléias, os encontros reiterados
de discussões, em campo?
As tentativas de dividir a
classe patronal (colocando liberais contra reacionários) não deram o fruto
desejado.
O movimento, enfim foi
declinado de tal maneira que a discussão avaliatória do mesmo, realizada em 21
de maio (quarta-feira) entre uns trinta trabalhadores ativistas e assessores,
logo passou a discutir a maneira de suspender a greve, em lugar de discutir a
maneira de como continuar o movimento. No mesmo dia, pela manhã, houvera outra reunião
(já referente ao dissídio coletivo proposto pela Procuradoria Regional do
Trabalho), na Junta de Conciliação de Julgamento, entre negociadores dos
patrões e negociadores dos trabalhadores, sem que se tivesse chegado a acordo.
Em 21 de maio, quarta-feira,
ficou decidido e suspensão da greve. Em 22 de maio, com realização de
assembléias, em Vitória da Conquista e em Barra do Choça, em que as lideranças
avaliaram com os trabalhadores as vantagens e desvantagens do movimento, a
greve foi suspensa.
3. Conclusão – Saldos
Não há dados disponíveis
que indiquem que as limitações e fracassos relativos da greve tenham tido
efeito desanimador (ou frustrante), em perspectiva, para os trabalhadores. Há
bastantes indícios de que os trabalhadores entenderam seu movimento como “o
movimento possível” dentro de determinadas condições, em determinado momento de
sua história, preparatório de outras lutas.
De qualquer maneira,
avaliações indicam alguns saldos positivos do movimento, apesar de ainda não
ter sido julgado o dissídio coletivo, evidenciando ou não vitórias do ponto de
vista econômico (tem-se como “ganho” o piso salarial, acima do salário
mínimo regional).
Que saldos são estes? A) conscientização de
muitos trabalhadores (um dos objetivos propostos pelas primeiras reuniões da
Comissão Salarial com trabalhadores) quanto a seus direitos, que passara m a ser divulgados e esclarecidos, ou, pelo
menos, conhecimento de seus direitos pelos assalariados; b) disseminação, na
massa trabalhadora, da idéia do Sindicato como instrumento de luta (ao
contrário de idéia do Sindicato como órgão “governamental” de assistência); c)
contato dos trabalhadores (novos enquanto classe, vale ressaltar) com seu
instrumento clássico de luta; d) aquisição de certo conhecimento de organização
pela base para a luta por direitos (de forma rarefeita, entretanto); e)
educação das lideranças, sempre em contato com a assessoria; f) assunção da
luta pelos trabalhadores (“os trabalhadores conseguiram ter um papel central no
movimento”); g) os patrões foram obrigados a irem discutir “de homem prá homem”
com os trabalhadores (“levamos os patrões para a mesa de negociações”); quando
o trabalhador apontava isto como saldo positivo do movimento, alguns assessores
não entendiam o alcance do fato. Mas, em verdade, para o trabalhador que não
pode ter a “petulância” de discutir direitos com o patrão, sempre arrogante
nessas horas, e nem pedir aumentos, sob pena de ser “desfeiteado”, conversar
“de homem prá homem”, sem represália, significa quebrar inibição, contrariar
regra de hierarquia de classe, em determinação momento (“olhe o seu lugar!”),
abrindo precedentes para o trabalho futuro; h) proposição de um dos primeiros
dissídios coletivos de trabalhadores rurais (primeiro no Estado); i)
contribuição à criação de pré-condições no seio da massa trabalhadora – de
aceitação de lideranças autênticas, comprometidas com a luta da classe, que
podem vir a disputar a direção dos sindicatos (Vitória da Conquista e Barra do
Choça).
É evidente que os “ganhos”
se apresentam com maior importância se vistos dentro de um contexto de
continuidade do processo reivindicatório e de luta, sob novas formas. Os saldos
apresentam maior importância a depender da continuidade do movimento iniciado a
partir da deflagração da greve, ou melhor, a partir da preparação desta. Alguns
trabalhadores, por exemplo, propõem a discussão, na base, e a aplicação
(fiscalização) da sentença que for protelada no dissídio coletivo. Tal sentença
regulamentará condições específicas (parcialmente) do trabalhador na lavoura
cafeeira, trazendo, em seu contexto, direitos já assegurados pela CLT. Será um
instrumento de educação, se bem utilizada pelos trabalhadores.
Se, por exemplo, a sentença
tiver efeito retroativo e for reconhecida (como se espera) diária salarial
maior que o mínimo, é imperioso que os trabalhadores – aqueles que ainda
recebem o salário mínimo ou menos que este – sejam alertados para cobrarem a
diferença, ficando demonstrado o ganho econômico da luta. Sem a continuidade,
na qual se inclui a disputa pelo Sindicato, a importância dos saldos, mesmo de
vitórias que se venham a obter na decisão do dissídio, fica historicamente
reduzida.
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