VITÓRIA
DA CONQUISTA NOS ANOS 1960-1978
Ruy
Medeiros(Digitado, 08/2003)
1. As origens de Conquista e do seu povo
Vitória da Conquista é a capital regional do Centro-Sul da Bahia. Começou
como pequeno núcleo no final do século XVIII; em 1840 emancipou-se da vila de
Caetité e tornou-se vila: Imperial Vila da Vitória (na organização política do
Império, “Vila” designava tanto o núcleo urbano sede do município, quanto o
próprio município. As sedes de vilas mais importantes podiam adquirir a
denominação de cidades). Após a proclamação da República (15 de novembro de
1889), a Imperial Vila da Vitória foi confirmada como município e sua sede
recebeu o nome de Conquista, na categoria de cidade.
A ocupação do solo não ocorreu sem lutas. Os nativos que ocupavam o
Sertão da Ressaca (Mongoiós, Imborés e Pataxós) reagiram à ocupação do solo
pelos invasores, em conflitos armados que, em relação aos Pataxós, perdurou até
o século XX. Foram lutas que terminaram por liquidar a população Mongoió e
Imboré, em verdadeiro genocídio.
Durante todo o Século XIX o município cresceu lentamente. Na região
criava-se gado (bovino, ovino, caprino), havia cultura de algodão e de
subsistência (milho, mandioca, batatas, feijão, e, nas várzeas, arroz). Seus
pastos asseguravam a alimentação de boiadas vindas do Sertão do São Francisco
para o litoral. A economia era centrada em grandes propriedades pecuárias e
policultoras, com a presença de escravos e alguns trabalhadores nas franjas dos
latifúndios, que produziam gêneros de subsistência e garantiam mão de obra
suplementar aos grandes proprietários.
O poder político local era concentrado nas mãos da família e parentela do
fundador. O povo era extremamente pobre.
No início do Século XX, o município foi positivamente influenciado pelo
dinamismo econômico da zona cacaueira, pois passou a ser fornecedor de produtos
para essa. Sua economia cresceu.
Na primeira metade do século XX, o município foi cortado por duas grandes
rodovias: a rodovia Ilhéus-Lapa, que o comunicou com o litoral (Ilhéus) e com o
sertão do São Francisco (Lapa); a rodovia Rio-Bahia, que o ligou a Salvador, no
litoral baiano, e ao Rio de Janeiro, no Sul do País. Com essas estradas,
Conquista foi crescendo em importância. Nessa mesma época obteve o nome
atual de Vitória da Conquista, a fim de não manter duplicidade com nome
idêntico de outra cidade. Retomava-se, assim, o antigo nome da freguesia da
época do Império.
Em 1950 o município tinha 33.550 habitantes, sendo 26.993 na zona rural e
19.463 na zona urbana. Porém, em 1960
a população total era de 80.113 habitantes dos quais
31.401 estavam na zona rual e 48.712 residiam na zona urbana. A política
continuava dominada pelas famílias tradicionais, que disputavam o poder local
de forma acirrada.
A década de 50 do Século XX, na
cidade, esteve marcada por fortes embates políticos. As famílias tradicionais
disputavam acirradamente o poder político. Um grupo delas cortejava a população
crescente da cidade e criticava as oligarquias, com um discurso populista. A
década seria marcada politicamente pelo confronto de duas facções, ambas com
controles familiares, porém uma delas dotada de discurso próprio para obter
apoio dos setores urbanos, incluindo aí população que migrara para o município
a partir da década de 30, especialmente a partir dos anos 40 do século passado.
Em 1950 Edivanda tinha sete anos de idade, filha de um casal simples e
trabalhador. O pai aos poucos conseguiu ser proprietário de uma pequena
fazenda, região de Itapetinga, dedicando-se à atividade agropecuária.
As eleições de 1958 são
fortemente polarizadas por duas candidaturas (embora houvesse mais de duas): A
candidatura de Gerson Gusmão Sales, chefe de prestigiada família, e a
candidatura de José
Fernandes Pedral Sampaio, envolvendo arco de apoio partidário
maior, porém que demonstrou menor densidade eleitoral. Em 1962, são ainda essas
duas facções que irão se defrontar eleitoralmente. A facção liderada por José Fernandes Pedral
Sampaio ampliara seu círculo de apoios: abrangia desde ex-integralistas, ou
integralistas, até simpatizantes ou integrantes do PCB. Apresentava discurso
reformista, nacionalista por parte de alguns de seus integrantes. Houve a
preocupação de inserir jovens na campanha e os estudantes secundaristas, em sua
maior parte, optaram pela candidatura de José Fernandes Pedral
Sampaio, pondo-se contra o candidato Jesus Gomes dos Santos, apoiado pelo Sr.
Gerson Gusmão Sales e Edvaldo Santos Flores (respectivamente prefeito e
ex-prefeitos municipais). Sagrou-se vencedor o Sr. José Fernandes Pedral
Sampaio (José Pedral).
2. Vitória da Conquista nos anos 1960-1964
A década de 1950 marcou o crescimento econômico de Vitória da Conquista.
O Sul do país estava em plena fase de industrialização, atraindo grandes massas
de nordestinos, fugindo da seca. Com o asfaltamento da Rio-Bahia, Vitória da
Conquista tornou-se um centro rodoviário importante. Muitos, vindos do Nordeste
ou da região interiorana, instalaram-se na cidade, dando vida a várias
atividades no comércio e a pequenas empresas de condução familiar (fabrico de
móveis, marcenaria, olaria, artefatos de couro e fabrico de esquadrias de
metal).
Na época a região contava também com pecuária bovina e caprina; a
agricultura era de subsistência, o comércio era a atividade mais importante. A
cidade passou ser, desde final dos anos 40, uma central de distribuição em todo
o sertão de mercadorias vindas de vários lugares, especialmente do sul do país.
A seca foi um problema na região de Conquista. A maior parte do município
situa-se no semi-árido. As chuvas são irregulares e a precipitação
pluviométrica é baixa. Periodicamente assolado pelas secas, a atividade
econômica da cidade não apresentava condições de absorver o êxodo do campo para
a cidade, nem aquele de outras regiões e não conseguia absorver igualmente os
jovens no mercado de trabalho. O índice de desemprego era grande e a
distribuição de rendas, perversa, como ainda o é. O latifúndio rural marcava
forte presença, mas havia também pequenas propriedades agrícolas exploradas em
regime familiar.
A cada período seco a cidade era invadida por mendigos, que deixavam o
campo e pequenas cidades e vilas vizinhas, buscando sobrevivência na caridade
ou na solidariedade pública. A cidade não parava de crescer numericamente.
Em 1958 houve eleições para prefeito, fortemente polarizadas por duas
facções, que se defrontaram novamente nas eleições de 1962. A facção liderada por
José Pedral Sampaio ampliou seu círculo de apoios: abrangia desde
ex-integralistas, ou integralistas, até simpatizantes ou integrantes do PCB.
Apresentava discurso reformista, nacionalista por parte de alguns de seus
integrantes. Houve a preocupação de inserir jovens na campanha. Os estudantes
secundaristas, em sua maior parte, optaram pela candidatura de José Fernandes Pedral
Sampaio, que saiu vitorioso.
Os anos 1960-1964 foram bastante agitados em todo o país. A sede de
reformas na sociedade brasileira era intensa e repercutia em todos os lugares
do país. Os trabalhadores ampliaram o quadro de sindicalizados e patrocinavam
greves; os camponeses, no Nordeste, organizavam suas ligas. Nas cidades ocorreu
movimento de organização de moradores; partidos de esquerda pronunciavam-se;
militares inquietavam-se nos quartéis.
A Igreja Católica desde a década de 1940 organizava operários. A partir
de 1960 acentuou a atuação, também com a finalidade de disputar com comunistas
e reformistas a preferência ideológico-organizativa de trabalhadores rurais e
urbanos. Nas grandes cidades incentivou movimentos de ação católica. Surgiram
assim a JOC (Juventude Operária Católica), a JEC (Juventude Estudantil
Católica) e JUC (Juventude Universitária Católica). Estes movimentos católicos
inspiravam-se na Ação Católica da França e da Bélgica. Da JUC irá nascer a Ação Popular , que cresceu
entre estudantes e entre trabalhadores. Vários militantes da Ação Popular acabaram
entrando em organizações de esquerda.
Toda esta movimentação sócio-política do país repercutia na região de
Vitória da Conquista. No meio estudantil conquistense havia simpatias para a
recém vitoriosa revolução cubana de 1959. Estudantes do Instituto de Educação
Euclides Dantas organizaram, em 1961, paralizações e protesto contra a
tentativa de impedir a posse do vice João Goulart, após a renúncia de Jânio
Quadros. As reformas de base, especialmente a reforma agrária, eram objeto de
discussões nos vários locais da cidade. A pregação de Brizola, de forte
conteúdo nacionalista (especialmente sua “Denúncia à Nacionalidade”), tinha
ressonância na cidade baiana. Foi organizada a Frente de Libertação Nacional de
Vitória da Conquista. Os estudantes criavam seus grêmios e panfletos da UNE
(União Nacional de Estudantes) apareceram no Instituto de Educação Euclides
Dantas.
A Igreja Católica, a partir de 1961, implantou o MEB (Movimento Educação
de Base) em todo o país. Em Conquista o MEB chegou em 1962, sob a
responsabilidade e a orientação de Edivanda Maria Teixeira e Zildete Guimarães,
professoras recém formadas.
Educadoras natas, Edivanda e Zildete passara m
a utilizar o método de alfabetização de Paulo Freire , atuando na região interiorana de
Vitória da Conquista, junto às pessoas mais sofridas. Não durou muito tempo o
trabalho do MEB. O método utilizado, que implicava em desvelar a realidade e
conscientizar pessoas quanto à sua situação, era visto com desconfiança pelos
conservadores. Não sobreviveu à profunda e criminosa intolerância do golpe
fardado de 1964.
O golpe militar, em Vitória da Conquista, desencadeou repressão sobre
aqueles que apregoavam as reformas de base, as idéias socialistas e
nacionalistas. Em maio de 1964, muitas pessoas foram presas em Vitória da
Conquista e várias passara m a
responder a Inquérito Policial Militar (IPM), presidido pelo Major Bendochi
Alves Filho, em clima de pavor público. O prefeito municipal, Sr. José Fernandes Pedral
Sampaio, foi destituído do cargo (depois teria seus direitos suspensos por dez
anos). Um vereador filiado ao MTR (Movimento Trabalhista Renovador), Péricles
Gusmão Regis, morreu na cadeia, após prestar depoimento ao major Bendochi Alves
Filho. Seu corpo apresentava vários cortes e contusões e circulou a versão de
que fora assassinado, embora a versão oficial tivesse sido de suicídio.
O golpe militar dissolveu os velhos partidos e, como em outros lugares,
também em Conquista apenas dois partidos foram permitidos: A ARENA (Aliança
Renovadora Nacional) e o MDB ( Movimento
Democrático Brasileiro). Este último reunia forças de oposição, enquanto o
primeiro agrupava diversos grupos de apoio ao regime de terror implantado em
1964, num amargo 1° de abril.
Apesar da força do MDB, as eleições municipais de 1965 foram vencidas
pela ARENA, por causa das sublegendas. Esse partido governou o município até
março de 1973, quando as eleições foram ganhas pelo MDB, da linha mais
autêntica.
3. Atuação da Igreja Católica
A Igreja católica, já na década de 1950, vinha atuando na sociedade
através da ação dos Vicentinos e dos Círculos operários católicos. Nos anos
1962-1964 marcou presença através do MEB, graças a atuação de Edivanda e
Zildete.
Mas foi sobretudo com a chegada dos padres italianos que o engajamento da
Igreja Católica cresceu. O trabalho deles era movido por uma forte motivação de
fé cristã e de propagado amor ao povo, sobretudo aos pobres. Eu me limito a ver
somente os efeitos do trabalho no campo social e político (no sentido mais profundo
da palavra).
Logo em 1968 formaram-se grupos de jovens com forte interesse pelo
social, e sobretudo, as comunidades (CEBs – comunidades eclesiais de base). O
mérito dos padres italianos segundo seu próprio depoimento é que partiram do
povo, dos pobres, sem se meter nas políticas partidárias. Confiaram no povo.
Juntos com uma equipe eficiente de jovens militantes deram vida a várias
atividades, entre as quais as escolas de alfabetização, com clara referência ao
campo social e político. Edivanda estava de cheio neste trabalho.
Sem fazer barulho, sem ligação a forças políticas partidárias, começava
em Vitória da Conquista o maior trabalho de conscientização e organização
popular havido até agora. Um novo capítulo da história de Conquista estava
sendo escrito, desta vez, diretamente pelo povo. Qualquer historiador honesto,
ao escrever a história daquele período, não poderá desconhecer esta grande
novidade, de acordo com a visão dos padres e leigos mais avançados
politicamente. Não resta dúvida de que as CEBS tinham caráter popular e que
buscavam uma atuação autônoma, apesar de influência institucional da Igreja.
As CEBs começaram nos bairros mais pobres da cidade (Rua da Corrente,
Pedrinhas, Cruzeiro, Jurema e depois em outros) e, aos poucos, se espalharam
pela zona rural. O trabalho das comunidades ajudava os participantes, e de
conseqüência o povo em geral, a ter um conhecimento objetivo da realidade, no
seu aspecto social, econômico e político.
Muitas iniciativas foram surgindo no campo da saúde e da educação. A grande novidade – e que se
constituía também numa grande força - era o povo se sentindo sujeito da coisa.
Não foi nada fácil no começo, pois o povo nunca fora tratado como sujeito, como
cabeça pensante e atuante na sociedade; mas deu muito resultado, no sentido do
engajamento em lutas comuns e de conhecimento da realidade.
Numerosas outras atividades foram surgindo, criando uma nova consciência
política, como: lutas por abastecimento de água, por fornecimento de energia
elétrica, por estradas, por escolas, calçamento de ruas, campanha para obtenção
de filtros d’água domésticos; por construção de fossas sépticas, etc. As
comunidades educavam e induziam à ação. Na época, falava-se em respeitar e
valorizar tudo de bom que havia na cultura popular. As comunidades usavam o
método de trabalho que era: ver, julgar e agir.
As comunidades cresceram. Seu centro difusor era o trabalho dos padres
italianos da Paróquia Nossa Senhora das Graças (Luís Mosconi, Virgílio, Afonso,
José, João Pedro ).
Um grupo significativo de homens e mulheres assumiram a caminhada, atuando nos
vários campos da sociedade. As CEBs eram realmente uma sementeira de
lideranças. Em primeiro lugar devemos citar o nome de Edivanda, mas houve
muitos outros. Cito somente alguns nomes: Conceição Nascimento, Maria do Carmo,
Railda Santos, Maria da Conceição, Lelinha, Doginha, Mariano, Dorivaldo, Dalva,
Geraldo, as irmãs Ana Stela e Eci, Zé Pereira, Floriza, Lindaura, João da
Corrente, João de Alvina, Maria
de Jesus (da Estiva), Júlia Nunes (Lagoa de Timóteo), Ulisses
(Barrocas), Ovídio (Pretinho), Noeci Salgado; e muitos, muitos outros.
Desafios novos surgiram no campo e na cidade. A urgência de formar
animadores, lideranças era grande, para garantir a caminhada, termo com que os
agentes envolvidos caracterizavam essa invenção do movimento popular e que
tinha forte apelo. Por isso havia encontros, retiros, debates. Por causa disso
surgiu o jornal das comunidades chamado O ANIMADOR e o programa radiofônico A
Voz da Diocese. O jornal era preparado em equipe, mas quem o redigia era a
incansável Edivanda.
O censo de 1970 apontava Vitória da Conquista como a segunda cidade
do interior da Bahia. Já eram 127.528 habitantes, dos quais 85.959
encontravam-se na cidade. No município e na região nova cultura chegou.
A implantação da Lavoura Cafeeira na região de Conquista foi decidida em
1972 e começou “para valer”.
A região não desconhecia a
cultura do café. Municípios próximos, como Poções, Planalto, Iguaí e Nova Canãa
eram produtores de café. Porém nos anos finais da década de 60 do século
passado (XX), o Governo Federal promoveu a erradicação dos cafezais,
indenizando aqueles que os destruíssem.
No entanto, já em inícios da
década de 70, o Governo federal alterou planos quanto à cafeicultura na região
do Planalto da Conquista: Passou a realizar mapeamento de áreas com altitudes
iguais ou superiores a 700
metros e a verificar se seus solos eram adequados ao
plantio de café, com mudas resistentes. Isso ocorreu principalmente porque o
governo, premido por dificuldades, pretendia ampliar a exportação de grãos e
porque nas tradicionais áreas produtoras (São Paulo e Paraná, principalmente)
os cafezais passara m a sofrer mais
os efeitos de geadas e da doença da ferrugem. Em conseqüência disso, áreas em Minas Gerais ,
Espírito Santo e Bahia (Planalto da Conquista, Chapada Diamantina, superfície
Jequié-Jaguaquara) foram consideradas adequadas ao plantio do café,
especialmente dos tipos catuaí e mundo novo.
Teve a implantação da cultura
cafeeira impacto forte, pois a
nova cultura passou a exigir utilização de máquinas
(tratores, roçadeiras), adubos químicos ao lado de adubos orgânicos, correção
do solo, em razão da acidez, com a utilização de calcáreo, defensivos
agrícolas, desmatamento de áreas com vegetação primária e desaparecimento local
de algumas espécies, verificação de curvas de níveis, etc. Eram procedimentos
que destoavam daqueles tradicionalmente utilizados.
No mundo do trabalho, especialmente
no período em que os preços internacionais e internos do café foram vantajosos,
as alterações foram granges. Trabalhadores, em fase de plantio e,
principalmente, nos períodos de colheita, eram recrutados em quantidade, nas
cidades da região, às vezes fora da região, nas vilas e nos povoados e mesmo
entre pequenos proprietários da zona da caatinga (Anagé, Manuel Vitorino,
Tremedal, Caraíbas, Cândido Sales, etc). O número de trabalhadores temporários
(bóias frias) aumentou em prejuízo dos trabalhadores fixos, isto é, que
trabalhavam em lides rurais, na época de colheita, e em trabalhos urbanos
(construção civil, biscates) em outros momentos ou que, então, migravam para
trabalho na zona cacaueira, na época da colheita, ou na época do corte de cana
para Minas Gerais, ou para Mato Grosso e Goiás para trabalho nos arrozais. A
desorganização da economia camponesa tradicional liberou grande contingente de
trabalhadores e alterou o perfil de ocupação do solo e o perfil do trabalhador
agrícola. O mundo do trabalho, na região sofreu transformação significativa,
portanto. Muitos pequenos proprietários, posseiros, “agregados”, e/ou seus
familiares deixam o cultivo direto da terra e vão para a periferia das cidades,
vilas e povoados, em condições precárias de existência.
Essa situação era um novo
desafio para as comunidades eclesiais de base, que passara m
a buscar os novos assalariados e bóias frias com as dificuldades existentes,
dentre os quais o medo dos trabalhadores fixos de perderem o emprego e a
mobilidade dos bóias frias, que migravam periodicamente para outras regiões.
Grandes empréstimos foram subsidiados para os plantadores de café e as
infraestruturas necessárias. De conseqüência, a agressão à economia camponesa
familiar foi intensa. As terras valorizaram, pequenos proprietários foram
induzidos a venderem suas glebas, algumas propriedades foram subdivididas,
outras foram concentradas. Famílias de posseiros e de “agregados” foram
desalojados de suas terras de trabalho. Enfim, houve grande desagregação e disputas
pela terra.
Exemplo maior dessas disputas ocorreu na Fazenda Pau Brasil, distante
poucas léguas de Vitória da Conquista, na qual 123 famílias, radicadas há muito
na área, tiveram de lutar intensamente pela posse da terra. Surgiram bóias
frias.
Uma nova realidade foi moldada pela implantação de lavoura cafeeira. Além
de grande desagregação da produção familiar camponesa, de subsistência, o
número de trabalhadores fixos nas fazendas passou a ser ínfimo em relação aos
temporários (recrutados para plantio, limpa e colheita), muitos destes vindos
de outros lugares, quando se tratava da colheita.
A própria cidade cresceu. O comércio passou a contemplar novas demandas e
a expandir-se. A construção civil, até então em crise, retomou as atividades.
Surgiram novos loteamentos. Mansões foram construídas. A periferia da cidade
passou a contar com imenso número de pobres, residindo em precárias condições.
Dentro da nova realidade, os velhos sindicatos de trabalhadores rurais
passara m a ter suas diretorias pelegas
contestadas, o mesmo acorrendo com as diretorias de sindicatos urbanos.
As Comunidades Eclesiais de Base tiveram o desafio de ficar a altura da
situação, enfrentando-a de frente, movidas sempre por um grande idealismo
cristão. Passara m a organizar os trabalhadores
rurais para a luta sindical de trabalhadores rurais de Vitória da Conquista
(após 1978 surgiram oposições sindicais rurais em Cândido Sales ,
Encruzilhada, Barra do Choça, Anagé). A oposição comerciaria, surgida para a
luta sindical dos trabalhadores urbanos, embora não tivesse surgido nas CEBs,
contavam com comerciários cristãos do chamado “trabalho de jovens” (movimento
de jovens).
5. Gratidão de Vitória da
Conquista a Edivanda
Edivanda Maria Teixeira esteve completamente envolvida nesse trabalho com
o povo desde 1968. Os padres davam todo o apoio, ajudavam a aprofundar, a ligar
fé-vida, a articular forças, a pensar nas conseqüências. È relevante dizer que
os trabalhos das CEBs eram realizados em equipe, as discussões e tomadas de
decisões era feitas democraticamente. Tratava-se de um trabalho coletivo.
Por pouco tempo aquela combatente educadora popular aceitou a coordenação
de Professores Municipais que lhe fora oferecida pela administração do Prefeito
Raul Carlos de Andrade Ferraz (Raul Ferraz) de Vitória da Conquista. Não se
adaptou ao serviço burocrático. Suas exigências de educadora popular eram
diferentes daquelas da administração municipal. A militância no meio do povo
era-lhe essencial.
Em 1978 o movimento pela liberdade e pela igualdade social perdeu uma de
suas maiores combatentes e uma de suas grandes educadoras: Edivanda Maria
Teixeira. Ela deixou um grande exemplo de dignidade, de amor, ética,
combatividade e solidariedade.
A sociedade de Vitória da Conquista sente-se honrada pela vida e atuação
de Edivanda Teixeira. Sua memória não pode ser esquecida.
* Ruy Medeiros é advogado, professor de direito na Universidade Estadual
de Vitória da Conquista, assessor de movimentos sociais, membro da Comissão
Justiça e Paz da arquidiocese de Conquista
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