quarta-feira, 30 de maio de 2012



IV Congresso de História da Bahia
Salvador, 27 de setembro a 02 de outubro de 1999.
(Texto de Conferência)



A Idéia de Conquista e o Sertão da Ressaca

Ruy H. A. Medeiros


1. Introdução



No século XVIII, os portugueses já haviam acumulado experiência suficiente para planejar e executar a guerra de conquista no contexto humano-geográfico de sua colônia americana, rara e  dispersamente povoada.
Apesar de decorridos dois séculos de dominação portuguesa, o território brasileiro, como se sabe, era ainda bastante desconhecido e grande parte dele não contava então com a presença do colonizador.
Impunha-se a guerra de conquista. A conquista daquilo que já era colônia portuguesa. A situação denuncia os limites do conceito colônia – pois ampla região ainda não estava de fato sob o domínio da metrópole, mas sim de tribos indígenas de diversas famílias.
A guerra de conquista, nas condições específicas do Brasil, tinha outros contornos. A situação geral é interessante: no contexto internacional, salvo contestações no século anterior (século XVII), quando franceses e holandeses ocuparam parte do território e salvo problemas de limites, que permaneceram, já  há certo consenso de que o Brasil pertencia a Portugal, embora o temor deste em perdê-lo fosse evidente face à evolução de interesses europeus com impacto em política externa. No âmbito interno, no entanto, os portugueses ainda persistiam na conquista do território. Duzentos anos decorridos não foram suficientes para realizá-la.
As diversas lutas anteriores,  quer contra holandeses e franceses, quer contra diversas tribos indígenas, terminam por fixar contornos de uma noção de conquista, ou de guerra de conquista, entre os portugueses habitantes da colônia. Pode-se inferir de documentos históricos uma concepção  ou um embrião de teoria de guerra de conquista entre os portugueses que se envolveram, com armas, na conquista da colônia. Conquista da colônia ou invasão de terras indígenas, já que o conceito pode ser fixado a partir do português ou a partir do indígena. Povoamento português significou despovoamento indígena. É inevitável a conclusão = realidade.
Não se tratava de uma idéia de guerra tal como se praticava na Europa de então, embora a guerra em todos os tempos tenha apresentado traços comuns. Não se tratava apenas de uma diferença de armamentos. No particular destes, era incontestável a supremacia do português diante do índio. Desnecessário dizer que o português tinha a pólvora e graças à cooptação de alguns indígenas podia usar as armas e procedimentos destes em conjunto com suas próprias armas.
A diferença se estabelece a partir da guerra de movimento adequada, contra grupos de cultura diferente e com maior mobilidade em razão do tipo de vida que levavam. E também pelo caráter semi-privado do empreendimento da conquista, em condições próprias.
O território desconhecido, as formas desconhecidas de reação indígena, a multiplicidade de tribos, as dificuldades de alimentos e existência de pequenos contingentes guerreiros eram fatores que deveriam ser levados em conta.
Aos poucos, documentos foram expressando arranjos táticos, conselhos técnicos e normas dos quais se pode deduzir o que era o conhecimento da guerra, ou pelo menos o que era a idéia da conquista, entre os portugueses da colônia. Expressões como  “guerra brasílica” e  “estilo de guerra dos paulistas” aparecem nos documentos coloniais.
Esta exposição busca refletir a idéia ou noção de conquista, ou guerra de conquista, embrião de um pensar sobre a guerra, que se pode captar a partir de escritos, mas sobretudo de dois documentos dos anos vinte do século XVIII, que se referem à parte do território do Brasil, na Bahia, conhecido por Sertão da Ressaca.
Os dois documentos referidos dos quais se pode inferir uma idéia de guerra de conquista, que implica a existência de um pensar a guerra, são uma extensa carta do coronel Pedro Barbosa Leal ao Vice-Rei, Conde se Sabugosa, datada da Bahia, aos 11 de julho de 1725 ( mais precisamente a parte final de referida carta), e  uma  “Forma de Regimento que o coronel Pedro Leolino Maris a cujo cargo está a incumbência da Conquista e Governo que sua Magestade que Deus Guarde manda fazer ao gentio bravo que infesta os certões e povoados, e impede o povoar as excelentes terras, que habita, dá a cabo da dita conquista, e guerra, o qual observará a dita forma do regimento, enquanto o Excelentíssimo Senhor Vice-Rei deste Estado não mandar o contrário”,  datado de 11 de julho de 1727.
Ambos fazem parte do Códice  “Manuscritos do Brasil”, 7, existentes em Arquivos Nacionais/Torre do Tombo, estudados em conjunto para fins do objeto desta exposição, pois se referem ao mesmo projeto.
Seus autores foram destacadas personalidades coloniais, exercentes de cargos públicos.
Pedro Barbosa Leal,  capitão de infantaria em 1691, foi dos mais importantes sertanistas. Seu nome está vinculado ao processo de ocupação de grande porção de terra na Bahia e em Minas Gerais. Foi um dos fundadores da Vila de Jacobina, guerreou índios na região do rio Doce, ocupou sesmaria nas Minas Gerais, entre o rio Doce e Itacambira. Realizou diversas tarefas de pesquisa de metais preciosos e de conhecimento de regiões nos Governos de João de Lencastre e do Conde de Sabugosa (Vasco Fernandes Cezar de Menezes).
Pedro Leolino Maris, chefe militar, exerceu cargo de Superintendente das Minas. Fundou casa de fundição em Minas Novas e vinculou-se a diversas iniciativas de busca de metais e pedras preciosas e de ocupação do território. Foi uma das mais importantes autoridades no Sertão no período de 1724 a 1763.
O território a cuja conquista se referem os documentos mencionados ( a carta de Pedro Barbosa Leal e a forma de regimento de Pedro Leolino Maris) é aquele que na história colonial teve o nome de Sertão de Ressaca. Este Sertão de Ressaca é uma faixa de terra situada entre os rios Pardo e das Contas, porém distante do mar, ou melhor além da Mata Atlântica. Grosso modo é território situado entre os paralelos de 14º e 16º de latitude sul e os meridianos de 40º e 41º de longitude Oeste. De forma mais estrita pode-se dizer que se trata da área do Planalto da Conquista, na mesorregião Centro-Sul da Bahia.
Sobre o território mencionado – o Sertão de Ressaca – surgiriam arraiais dentre os quais o principal foi o Arraial da Vitória, também conhecido como Arraial da Conquista, sede de um dos Distritos da Vila de Santana do Príncipe de Caitité (hoje Caetité). O Arraial da Conquista, no Sertão da Ressaca, fundado por João Gonçalves da Costa, deu origem à Imperial Vila da Vitória, depois Município de Vitória da Conquista.
Portanto é a partir de documentos que tratam da conquista do Sertão de Ressaca, onde surgiria depois a Imperial Vila da Vitória, origem do atual Município de Vitória da Conquista, que esta exposição procura auferir a idéia de conquista – um embrião da teoria da guerra de conquista na colônia.
Importa também dizer que farta documentação colacionada nos  “Manuscritos do Brasil” indica que a idéia de conquista não está apenas vinculada ao objetivo de descobrir novas fontes de riqueza, mas também de distribuir população que se concentrava bastante em Minas Novas – população que não tinha condições de manter, conforme se depreende de cartas de Pedro Leolino Maris ao Vice-Rei e a João da Silva Guimarães e vice-versa (Torre do Tombo/Portugal, e. Biblioteca Nacional/ Rio de Janeiro).
Enfim, antes de caracterizar a noção de guerra de conquista, é bom relembrar:
Por volta de 1720 grande contingente populacional ocupava regiões auríferas de Minas do Rio de Contas (na Chapada Diamantina) e de Minas Novas do Arassuaí (no Alto Jequitinhonha, àquele tempo integrante da capitania da Bahia). Em ambas as vilas foi estabelecida casa de fundição.
A partir destes dois núcleos, Pedro Barbosa Leal planeja conquistar o Sertão da Ressaca, em 1725, expondo em carta seu propósito, e Pedro Leolino Maris, após, faz idêntica proposta daquela conquista, resolve iniciá-la, expedindo para tanto uma  “forma de regimento”, depois de ouvir o Vice-rei do Brasil, Conde de Sabugosa.
A partir de ambos os documentos, pode-se verificar em que consistia a idéia de guerra,  ou de guerra de conquista naquele tempo.
É o que se vê a seguir.
Para efeito de digressão, o tema fica separado em duas partes. Na primeira destas, o interesse é centrado no  “pensar a conquista”,  enquanto que, na Segunda parte, o foco de atenção é a  “normalização da guerra”.  Uma conclusão sumária reaponta os traços fundamentais de um embrião implícito de teoria da guerra de conquista.
A exposição é breve.



2. Pedro Barbosa Leal – Pensar como fazer a conquista.


Após, em extensa carta ao Vice-Rei, sumariar aquilo que se conhecia sobre o sertão (Sertão de Ressaca, inclusive, como logo depois seria chamado), e de demonstrar porque tinha convicção de que aquele era rico em metais preciosos, Pedro Barbosa Leal indica, justificando  seus pontos de vista, como invadir e conquistar o grande território que medeia entre os rios das Contas, rio dos Ilhéus e Jequitinhonha. Área maior que a do  Sertão de Ressaca, porém compreensiva desta.
A primeira providência que Pedro Barbosa Leal indica para a conquista daquela região é edificar-se três arraiais: Um dos quais, no sertão, entre o rio das Contas e o rio dos Ilhéos (vê-se tratar do rio Pardo); outro entre o Jequitinhonha e o rio Doce, e o terceiro, com caráter de povoação, na Barra do Morro de São Paulo, no litoral.
Os dois primeiros arraiais, que seriam suportes da conquista, segundo Pedro Barbosa Leal deveriam ser fortificados,  para se sustentarem as tropas dentro do território inimigo, e cada um deveria contar com trezentos homens, dentre índios mansos das aldeias, paulistas, soldados pagos e paisanos. Os homens deveriam ser capazes de andarem descalços e de se alimentarem apenas de alimentos silvestres. Propõe aquele sertanista, para chefiar o primeiro  arraial, André da Rocha Pinto e Damaso Coelho de Pina, e para comandar o segundo arraial, propõe Domingos Dias do Prado, Lucas de Freitas e Pedro Leolino Maris, pessoas capazes e práticas no sertão.
Mas, o terceiro arraial – ou povoação, melhor dizendo – sito na terra firme, na ponta da Barra do Morro de São Paulo, teria finalidade administrativa e de conservação da conquista. Neste terceiro núcleo, já no litoral, haveria escrivão e almoxarife  “para o que pertencer à fazenda real”.  Daí partiriam expedições para os sertões referidos, com gente de guerra e munições. Seria posto fiscal e militar.
A povoação da ponta da Barra do Morro de São Paulo deveria ser ligada por estradas para os dois arraiais referidos para fins de socorro e de recolhimento de presas.
Pedro Barbosa Leal sugere que essa povoação litorânea poderia ser a sede de arrecadação para as minas do Rio de Contas, Tocambira e outras que fossem descobertas. Deveria a povoação a ser criada naquele ponto – Ponta da Barra do Morro de São Paulo – protegida com a fortaleza deste Morro e seria facilmente socorrida, em 24 horas,  pois estaria localizada a 12 léguas de Salvador, por mar. Além disso, a povoação apresentaria  “conveniências para o comércio por mar e o trato do sertão e suas minas”.
Feita a descoberta esperada das minas, as conveniências seriam mais esclarecidas, inclusive a presença de um administrador e o controle da população.
Pedro Barbosa Leal imagina que sobre os comandantes, para superintender a conquista, deve haver um cabo maior,  “pessoa de autoridade a que todos os subalternos tenham respeito e obediência”,  “Pessoa de prudência e valor e que tenha neste conhecimento dos sertões, dos naturais da terra, dos paulistas e da gente auxiliar de que se hão de compor as tropas para manter a união”.
A idéia de conquista em Pedro Barbosa Leal, portanto, é formulada em níveis bem determinados:
a) Define a região a ser conquistada: necessário é saber sobre qual região será dirigida a guerra da conquista. Esta é definida pelos limites dos principais rios aí existentes.
b) Delimita os objetivos: livrar a região do controle indígena e descobrir minas.
c) Formula estratégia que permita estar no campo adversário para manter a ofensiva (ter arraiais fortificados no campo inimigo).
d) A conquista precisa de pessoas adequadas – pessoas competentes para o comando, pessoas que possam sobreviver sem outra coisa que os alimentos silvestres adquiridos na campanha, e chefe para a manutenção da unidade do corpo de soldados.
e) A conquista não se exaure em combates: necessita ser conservada e administrada. Logo, a presença do Estado se impõe. Não basta vencer os inimigos, pois logo depois é necessário controlar os vencedores. Nesse sentido precisa de um núcleo administrativo.
A idéia de conquista, em Pedro Barbosa Leal, que reflete o estágio a que tinham chegado os portugueses na colônia, sobre o assunto, importa, assim em que:
A guerra de conquista deve definir a região a ser conquistada, delimitar objetivos e obedecer a um planejamento que garanta a continuidade com a presença do poder de Estado, e deve ser conduzida por um corpo com comando hierarquizado capaz de manter a ordem.
Estrategicamente, a guerra de conquista fáz-se conquistando, isto é, trata-se desde logo de ocupar o terreno, pois difícil eram as condições de recuo para o ponto de origem de partida da tropa. Não se trata de enviar expedições, derrotar o inimigo e retornar. A ocupação fá-se desde logo, com arraiais fortificados. Também é necessário que haja estradas de comunicação. A ofensiva de início parte do interior, mas depois sustenta-se a partir do litoral.
Pedro Barbosa Leal, com o pensar sobre a guerra, não entende a conquista como mero ato militar de impor a derrota. Conquistar é derrotar o inimigo, auferir lucros da conquista, mas administrar conquistados e conquistadores: um ato de poder permanente – a presença efetiva do Estado na região invadida e finalmente subjugada. Uma mudança de parte da população, não o simples domínio dos vencidos, e uma nova forma de relações sociais, que substitua as relações dos vencidos.
A idéia de conquista em Pedro Barbosa Leal supõe uma estratégia geral, que  busca o controle permanente do território. Vai  além da destruição do antagonista. Quer a construção de uma ordem dos conquistadores. Mas, a menção que faz à guerra brasílica e aos paulistas, indica que ele apreendera táticas de combate e que o pensamento sobre a forma de conquistar militarmente já podia ser estruturado em bases que refletiam situações concretas na colônia, em inícios do século XVIII. O Gênio europeu casava-se com meios descobertos nos embates dos colonizadores contra os índios (a presença de índios, já subjugados, em tropas de conquista era constante).


2.1.  Pedro Leolíno Maris – Pensar a Conquista e Normalizá-la.


No entanto, é “na forma de regimento” que o coronel Pedro Leolino Maris fez para a conquista do gentio bravo, que se observa com mais precisão a idéia de conquista – ou de guerra de conquista.
A “forma de regimento” está estruturada em 39 artigos, nos quais consubstanciam-se exigências de realizar tarefas e de seguir normas. Neste sentido, vai além da estratégia, pois normaliza o próprio modo de conquista e, em certo sentido, alguns artigos configuram uma lei marcial. Ao lado de execução de tarefas e de recomendações táticas, há normas de comportamento, típicas de código marcial.
Em primeiro lugar, trata-se de uma guerra oficial. Não se cuida de simples assalto de uma região por particulares. Para isso,  o autor da  “forma de regimento” preocupa-se em dizer autorizado pelo Vice-Rei do Brasil e determina que o cabo maior da bandeira, André da Rocha Pinto, perfile com os soldados diante do Senado da câmara da Vila de Rio de Contas e deixe patente o caráter oficial da conquista do sertão. Há um início solene.
Tal como ocorre com a carta  de Pedro Barbosa Leal, a “forma de regimento” escrita por Pedro Leolino Maris define o território a ser conquistado: faixa de terra entre o Rio das Contas Grande e o Rio Pardo. Área menor que a imaginada por Pedro Barbosa Leal. Área que corresponde ao Sertão de Ressaca: entre o Rio das Contas Grande e o Rio Pardo, porém na parte onde termina a mata grossa (Mata Atlântica) e começam os campos (mata de cipó, gerais, etc).
Também como acontece com o documento de Pedro Barbosa Leal, o escrito de Pedro Leolino Maris prevê a criação de arraiais no território inimigo. Mas não prevê a criação de um povoado na terra firme, no litoral. Tudo indica que Pedro Leolino se satisfazia com a existência da Vila de Minas de Rio de Contas e com a Povoação de Minas Novas do Arassuaí (esta é um de seus centros de atuação), para os misteres administrativo, fiscal e de apoio militar. Mas prevê igualmente estrada para a Vila de Ilhéus de onde espera socorro que deve ser enviado pelo Vice-Rei.
Mas, estrategicamente, está o sertanista Pedro Leolino Maris preocupado em conhecer todo o território e para isso manda que se faça um roteiro onde serão assentadas as ocorrências de minas, locais bons para roças e fazendas de gado, acidentes geográficos, etc., e, à própria medida que a bandeira penetre o território, vá fazendo estradas e roças: conquistar se faz conquistando e produzindo.
Tal como, em Pedro Leolino Maris, a guerra supõe um comando hierarquizado e obediência estrita ao cabo maior.
A tarefa é a conquista da terra, mas esta não é só a redução dos indígenas ao domínio português (Kamakã, Pataxó e Aimoré). É mais que isso, pois quer a ocupação efetiva do território economicamente: criação de fazendas de gado e exploração de minas de ouro, prata e pedras preciosas.
A conquista, segundo se depreende do texto da “forma de regimento” não se faz sem guerra aos indígenas, mas esta não exclui o oferecimento da paz. Entretanto, aos mucambos de escravos fugidos que, segundo informações, havia no território, impõe-se sua destruição e o aprisionamento dos negros.
A conquista implica a execução de tarefas táticas previamente definidas, dentre as quais: a) anotação de ocorrências com a descrição e delimitação de cada sítio percorrido (mesmo quando os soldados saíssem em busca  de seus alimentos silvestres, deveriam observar a região, dar informações sobre relevo e recursos, relatarem a existência de melhores locais para acampamento). A conquista é acompanhada da construção do conhecimento da terra para futura continuidade da dominação territorial. A conquista não se faz apenas com um ato. É um processo contínuo.
b) Plantação de roças – o regimento manda que, durante a marcha, sejam plantadas roças. É necessário que o terreno seja preparado para a  ocupação efetiva e tenha a possibilidade de alimentar futuros ocupantes ou mesmo os conquistadores em outro momento. Importa em dizer que a guerra é inseparável da imediata (embora rudimentar) ocupação econômica.
c) Abertura de estradas – o escrito manda que sejam abertas estradas para futuros transeuntes.  As estradas conduzem ao rio mais próximo ou deste partem.
d) Construir arraiais – Devem ser construídos arraiais dentro do território inimigo. No caso, Pedro Leolino Maris indica dois lugares para a construção de arraiais, porém estes não são permanentes. Mudam de acordo com a necessidade da campanha. Sempre devem ser feitas roças nos arraiais.
Mas ao lado das tarefas que os conquistadores devem realizar, há as normas de conduta que devem obedecer e a sanção em caso de seu descumprimento. São normas de conduta marcial.
As normas de conduta do escrito de Pedro Leolino Maris refletem idéias militares da metrópole ( e da Europa), mas também adicionam preceitos obedecidos nas guerras dos “paulistas”.
A primeira das normas de conduta do código marcial presente na  “forma de regimento” daquele sertanista é a de obediência ao um comando único, supremo, que, no caso, foi entregue ao coronel André da Rocha Pinto. É uma norma universal.
As outras normas de conduta podem ser resumidas em:  a) Dar socorro aos feridos em combate, não os abandonando; b) Não permitir deserção, prender e castigar asperamente o desertor, privando-o igualmente de qualquer prêmio no fim da conquista, exceto se o desertor reabilitar, lavando sua honra com o próprio sangue; c) Punir o desertor da paragem inimiga e do conflito, mantendo-o em corrente até resolução do Vice-Rei; d) Não permitir cisma e punir cismáticos e enredadores, a fim de manter a união; e) Não admitir desobediência do soldado a seu respectivo cabo; f) Coibir crime do soldado contra a lei e entregá-lo com a nota de culpa onde houver justiça; g) Não permitir, encontrando-se mina de pedras, que os soldados as explorem, devendo estes ficarem retirados em distância de dez léguas das minas; h) Não permitir que nenhum cabo forme bandeira particular, nem saia do arraial sem permissão do cabo maior; i) Punir o soldado que não se recolha ao por do sol.
A  “forma de regimento” de Pedro Leolino Maris prevê táticas de combate. As tarefas determinadas no escrito têm caráter tático, pois a realização delas interessa ao domínio do território inimigo. Porém o autor define também táticas de combate e, no particular, manda que seja observado o estilo de guerra dos paulistas. Obriga que a marcha tenha boa ordem, não seja demorada, que o acampamento se faça às dez horas e que os soldados se recolham ao por do sol.
Além disso, dispõe que: a) Deve-se manter sentinelas e adotar medidas convenientes para o pernoite em segurança; b) Acampar em lugar abundante de caça e pesca e não permitir que ninguém abandone o cordão; c) Não permitir deserção, nem desobediência ou cisma  (também, sob outro aspecto, norma de conduta marcial); d) Cuidar para que os caçadores e exploradores não campeiem muito ao largo a fim de não despertarem a atenção do gentio; e) Só atacar mucambos certificando-se das forças e com a certeza de que pode aprisionar os negros; f) Os batedores escoltados para abrir estradas devem ser protegidos por duas colunas de soldados  (esquadras), uma para proteger os trabalhadores, outra para caçar o sustento; g) Bater sempre as áreas próximas; h) Os ataques devem ser de surpresa; i) Evitar ser notado pelo inimigo; j) O cerco de grupo indígena deve ser feito de madrugada, chegando os soldados arrastados ao chão até bem próximo das choupanas e atacar de surpresa ( para o cerco devem ser escolhidos soldados que não tenham tosse, que não dêem espirros – a fim de não serem notados – e que sejam os mais fortes, sadios e vigorosos, e que não exponham os mais soldados a risco).
Obriga o regimento de Pedro Leolino Maris que os feridos sejam socorridos e dispõe sobre a partilha das terras conquistadas, das crias de negros aprisionados, dos indígenas feitos prisioneiros e dos prêmios de tomadia de escravos fugidos que forem presos. Observe-se que o Estado, através do Vice-rei, aquiesceu com o projeto de conquista e seu regimento (Manuscritos do Brasil, Livro 7).
Em Pedro Leolino Maris, a guerra é normalizada em seus diversos aspectos: de execução, estratégicos, táticos, de conduta, de prêmio, de tarefas. Fá-se  a guerra com recursos de armas, utensílios e munições previamente obtidos, mas o grosso do sustento cotidiano da tropa e sua manutenção é feito com caça, pesca e frutos silvestres, sendo fundamental a plantação de roças à medida que o território seja penetrado. Neste sentido, o regimento manda que o arraial só se mude para a proximidade do rio São Matheus quando roças feitas aí estiverem com frutos maduros. A conquista aparece como algo oficial, mas com resultantes e prêmios para os conquistadores que são atraídos para a mesma com promessa de recompensa.
A leitura conjunta dos manuscritos, para que se obtenha a idéia de conquista, é possível, pois ambos tratam da mesma matéria, são do mesmo tempo e referem-se ao mesmo projeto. Pedro Barbosa Leal houvera conseguido permissão para a conquista, mas não conseguiu levá-la a cabo. Pedro Leolino Maris propõe fazê-la (respeitando interesses de Pedro Barbosa Leal na partilha do resultado da guerra), continuando esforços do anterior, e obtém permissão, para isso, do Vice-rei.


3. Conclusão.

 


Da leitura de outros documentos da época (mas principalmente dos dois manuscritos citados), relacionados com a conquista (dentre os quais certidão de atos registrados pela câmara da Vila de Rio de Contas, transcritos no códice  “Manuscritos do Brasil”,  livro 7), pode-se inferir a idéia geral de conquista, que comporta os traços já assinalados no decorrer desta digressão, mas sobretudo permite as seguintes conclusões:


  A conquista é um processo de natureza econômico-militar, que atende a interesse público e privado, comporta divisão de trabalho e de atribuição, cujo resultado deve ser o domínio permanente de uma região e a substituição de um conjunto de relações sociais por outro. A necessidade da conquista ocorre quando a terra não responde às pressões que sobre ela exercem as pessoas de determinado local, exigindo distribuição de população. Disso se valem Estado e particular. A própria vila deve servir à conquista, ou mesmo ser construída em função desta – do investimento econômico que representa. A conquista é excludente.
Esta é uma conclusão possível da idéia/teoria da conquista que se encontra subjacente aos documentos: relatos, cartas, regimentos, etc.
                        A conquista é algo mais concreto/complexo que a guerra: envolve, além de tática própria de avanço sobre o território, escolha de determinada forma de ocupação de espaço e a escolha de forma de vida que se diferencia – às vezes amplamente – de forma anterior de seus agentes, pelo menos nos primeiros tempos..
                        “Conquista” sofre mutações no decorrer do processo histórico e suas opções levam em consideração uma gama variada de garantias para a realização do projeto. Afinal, não se trata apenas de resolver que determinado espaço vai ser ocupado, mas também de ter presente que aquele será objeto de nova construção e que os agentes estão dispostos a esvaziarem relativamente outro espaço e redefinir forma de vida. A idéia envolve a real possibilidade de arregimentar homens. Nem sempre é possível engajá-los como agentes pagos em razão da inexistência próxima de um exército profissional ou funcional. No entanto é viável a promessa de recompensa. A compulsoriedade de envolvimento pode ocorrer (obrigação de homens de se engajarem), não em função de um “emprego” ou “cargo”, mas em razão de uma circunstância histórica determinada que faz do projeto de conquista o seu projeto. A violência contra os inimigos/vencidos, volta-se depois contra os vencedores, já em condições de paz  (em verdade a violência altera, já que estar em serviço de guerra é também violência).
                        A idéia de conquista de Sertão de Ressaca, formulada nos anos vinte do Século XVIII, radica em torno de fatos bem concretos: uma crise em determinado espaço, uma vontade de enriquecimento, um projeto privado com chancela oficial, a presença de agentes dispostos a redefinir condições de vida em território não abordado anteriormente e a vontade colonizadora do Estado.
                        A conquista do Sertão de Ressaca possui especificidades em relação a outras ocupações ocorridas no Século XVIII, na Bahia, especialmente em certas regiões auríferas. Sua formulação é pensada e planejada de forma mais orgânica. Contraditoriamente o poder que estava às voltas com dificuldades de manter o processo de descoberta do ouro (ordenou por várias vezes El-Rei que não se fizessem novas descobertas pela dificuldade de manter as minas ou pelo medo de perdê-las) chancela o projeto de conquista daquele sertão e promete recompensas.
Desde os anos 20 do século XVIII, o Sertão de Ressaca foi objeto de planos de conquista, afirmação que contraria a idéia de que ele seria um território tampão estrategicamente não ocupado pelos colonizadores por opção do Estado Português.
Apesar da “Bandeira” organizada por Pedro Leolino Maris e do plano de conquista formulado por Pedro Barbosa Leal, somente a partir de 1750 é que as incursões de João da Silva Guimarães e João Gonçalves da Costa iniciaram o povoamento português daquele território,  o que significa o início do despovoamento indígena – a lenta agonia  dos Kamakãs, Pataxós e Aimorés. Estes foram varridos do Sertão de Ressaca.
É precisamente no Sertão de Ressaca que vai surgir a Imperial Vila de Vitória, origem de vários outros municípios.








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