quarta-feira, 30 de maio de 2012


Jacaraci/Irundiara

A ocupação não indígena



Ruy Medeiros(Digitado 01/2006)






1. Introdução.

No ensejo de comemoração de 50 anos de elevação de Irundiara a Distrito, integrante do Município de Jacaraci, Bahia, os professores Elton Soares de Oliveira, Celene Gonçalves Bonfim Reis, Maria Cláudia Vieira e o Sr. Luiz Gonçalves da Silva (Luizinho Barão), apaixonados por aquele lugar, pediram-me que dissesse algo sobre as origens da ocupação não nativa naquele solo.

A história regional foi muito desprezada e se realiza num atraso muito grande entre nós, daí a falta de estudos sobre a esmagadora maioria de regiões e de municípios. Antes, estudiosos faziam escritos à moda das chamadas corografias e mesmo essas deixaram de ser escritas. No entanto, faça-se justiça ao interessante livro Jacaraci Ontem e Hoje, de autoria da Sra. Zoraide Guerra David, meritório esforço de pesquisa e escritura sobre Jacaraci, bem interessante.

2. Jacaraci e Irundiara – Localização e Ocupação Antiga.

Irundiara é distrito do Município de Jacaraci, elevado a essa categoria pela lei nº 628 de 30 de dezembro de 2003. Está localizado na Mesorregião Geográfica do Centro Sul Baiano e Microrregião Geográfica de Guanambi.

O texto a seguir, quase reprodução de palestra que proferi no dia 27 de dezembro de 2003, em Irundiara, tem caráter preliminar, pois o tempo de preparo não permitiu aprofundamento.

Vejamos resumidamente os fatores que determinaram a ocupação da região.

Fatores de ocupação não indígena de Jacaraci/Irundiara: a) Estabelecimento de Atividade Mineradora em Minas Novas e Rio de Contas; b) Revoltas de Mineradores na Região das Minas Gerais; c) A ocupação da casa da Ponte; d) Estabelecimento do Distrito Diamantino, em Minas Gerais.

Vejamos cada um desses fatores de ocupação não indígena da região de Jacaraci e de boa parte do Centro Sul Baiano.

a) Estabelecimento de Atividade Mineradora em Minas Novas e em Rio de Contas.

Por volta de 1690, houve descoberta de ouro em Rio de Contas (Chapada Diamantina Meridional na Bahia). Aí surgiu o Arraial dos Crioulos, ponto de concentração de inúmeros garimpeiros. A atividade de exploração de ouro desenvolveu-se e o governo resolveu edificar Vila, encarregando para tanto o bandeirante Pedro Barbosa Leal. Este edificou a Vila (em 1724) em lugar que depois foi considerado insalubre e a Vila por isso foi transferida para um pouco mais acima, onde é hoje a cidade de Rio de Contas.

Aí foi estabelecido um pólo dinâmico de mineração, atraindo paulistas e baianos.

Também por volta de (1690), na região da cabeceira do Rio Jequitinhonha foi encontrado ouro. O movimento de garimpeiros expandiu-se por toda aquela área. Em 1720 novas minas foram descobertas e pouco tempo após foi criada a Vila de Minas Novas do Arassuaí, sob jurisdição da Bahia, ao tempo do Vice-Rei (Conde de Sabugosa). O Governo deste criou a Superintendência do Ouro sob direção de Pedro Leolino Mariz. Dois pontos do território, um na Chapada Diamantina (Minas do Rio de Contas) e outro no Alto Jequitinhonha foram ocupados. As áreas circunvizinhas do Alto Jequitinhonha, que já vinham sendo povoadas há algum tempo, passaram a abrigar novas populações e, apesar de em 1701 haver sido proibida comunicação da Bahia para Minas e em 1704 a Comunicação de ambas por caminho através do Espírito Santo, a ordem não era obedecida por força dos interesses dos mineradores. Com o fato de Minas Novas de Arassuaí ficar sob jurisdição da Bahia, as comunicações entre estas e Rio de Contas se intensificaram, pois estavam ambas as áreas sob jurisdição da Bahia, não se podendo aplicar a proibição referida.

As ligações entre Minas Novas e Rio de Contas fizeram com que uma grande região passasse a ser percorrida e mesmo que por elas passasse um do principais caminhos de ligação entre Bahia e Minas Gerais, conforme se vê do Roteiro de Delgado Quaresma na parte que descreve a rota do Rio das Contas para Minas Novas do Arassuaí. O mesmo se pode dizer do Roteiro do engenheiro Miguel Pereira da Costa. Quem visita o morro do Chapéu e adjacências percebe o porquê da região ser ponto de passagem. Em alguma vertente do morro referido nasce o rio Gavião que despeja suas águas no Rio de Contas; noutra vertente nasce o Rio Verde Pequeno afluente do Rio Verde Grande que, por sua vez, deságua no Rio São Francisco. Então na área do Morro do chapéu os mineradores transpunham de uma bacia (Bacia do Rio de Contas, através do Rio Gavião) para outra bacia (Bacia do São Francisco, através dos Rios Verde Pequeno e Verde Grande). Aliás é possível que Morro do Chapéu (denominação freqüente em nossa Geografia) seja realmente Morro do Chape (cha/Eça + pé = vista do caminho) que em tupi significa Ver o Caminho, isto é, seria o morro de onde se via o caminho a tomar. Não se trata de morro em forma de chapéu, mas de elevação a partir da qual o caminho é divisado.

Não só a região passou a ser percorrida e conhecida em razão do estabelecimento daqueles dois pólos de mineração, mas também em razão da redistribuição da população por outras áreas em razão de esgotamento de jazidas ou em razão de grande concentração de população em área que não possuía produtividade suficiente para suportá-la. Aliás, a própria autoridade recomendava a redistribuição de população, como foi o caso do Conde de Sabugosa. Além disso, há evidências de que houve mineração na área do Morro do Chapéu e adjacências.

b) As revoltas de mineradores –

Várias revoltas ocorreram nas áreas de mineração de ouro na região das Minas Gerais. Houve revoltas em Vila Rica (1720), no Rio Sapucaí (1721), em Pitangui (1736). Tais revoltas foram respondidas pela autoridade colonial com forte repressão e muitos daqueles nelas envolvidos fugiram e foram procurar áreas outras para suas atividades de mineração. É, por exemplo, emblemática a figura de João da Silva Guimarães, parente do poderoso Pascoal da Silva Guimarães que esteve clandestinamente dirigindo a Revolta de Vila Rica, em 1720. João da Silva Guimarães migrou para a região de Minas Novas (do Fanado) e passou a percorrer as regiões de São Mateus (no atual Espírito Santo), Rio de Contas, toda a Serra Geral e Chapada Diamantina, e o Planalto da Conquista. Nos últimos anos de sua vida, esteve obcecado na procura de Minas da Prata. Conseguiu ajustar-se aos interesses do Governo Colonial, por intermédio de Pedro Leolino Mariz (Superintendente do ouro) e recebeu carta de Mestre de Campo.

Não se deve estranhar, portanto, que as revoltas de mineradores tenham provocado migrações para áreas adjacentes e mesmo para áreas mais distantes. Em conseqüência daqueles fatos, ocorrem relatos dando conta de fuga de revoltosos. Assinale-se que é com pessoal de Rio de Contas e Minas Novas que é formada a primeira bandeira para a Conquista do Sertão da Ressaca (Planalto da Conquista), projeto a que não está estranho o objetivo governamental de redistribuição de população para desafogar áreas tidas como densamente povoadas.

c) Ocupação da Casa da Ponte –

Antonio Guedes de Brito (1625) foi agraciado com a doação de extensa sesmaria que ocupava grande extensão de terras, inclusive em área de Irundiara  Jacaraci. Com o afluxo de população, as terras de Antonio Guedes de Brito (Casa da Ponte), que era casado com D. Guiomar Ximenes de Aragão, passaram a ser aforadas (contratadas em regime de enfiteuse*) com muitas pessoas, que passaram a criar gado e a manter cultura de subsistência. As terras depois passaram para Isabel Guedes de Brito, que se casou com Antonio da Silva Pimentel. A prática de aforar as terras, parcelando-as, fez surgir, assim, diversas “fazendas”, com o que a região foi sendo ocupada. Os registros dos contratos feitos pela Casa da Ponte demonstram que algumas localidades e povoados surgiram de fazendas originárias dos mencionados contratos. No Século XIX, houve autorização legal possibilitando não só o aforamento daquelas terras, mas também sua venda. Assim, a Casa da Ponte, convergindo com interesse de terceiros em explorar a terra, contribuiu para ocupação de grande faixa sertaneja.

d) Estabelecimento do Distrito Diamantino –

Parece-me, também, que o estabelecimento do Distrito Diamantino, em Minas Gerais, é responsável pela ocupação da área de Condeúba, incluindo Jacaraci e Irundiara.

Como se sabe, descobertos diamantes no Serro (minas Gerais), sua exploração passou a ser feita de forma diferente da exploração do ouro. Para a exploração do diamante, o governo de Portugal, mediante contrato, serviu-se de um contratador. O Contratador de Diamantes exercia grande autoridade sobre uma imensa região e, mediante paga ao tesouro de Portugal, explorava o diamante, arcando com todos os custos desta. À medida que pedras preciosas iam sendo descobertas nas áreas vizinhas, o Distrito Diamantino ampliava suas fronteiras. Veja-se que estas chegaram até o Valo Fundo.

Ora, uma área de economia dinâmica exigiu em seu entorno área produtiva complementar. Apesar de restrições para a entrada de pessoas no Distrito Diamantino (as entradas deviam ser autorizadas), isso não impediu relacionamento entre esse e área circunvizinha, dando dinamismo a essa.

3. Conclusão – O Povoado de Almas.

Parece-me evidente que o processo de ocupação de Jacaraci e Irundiara foi complexo, envolvendo ocupações formais (contrato com a Casa da Ponte para estabelecimento de fazendas); ocupações não formais (mineradores individuais ou em grupos, clandestinos) patrocinada inclusive por fugitivos após repressão feita a mineradores pela autoridade colonial; dinamização do entorno da área após a descoberta de diamantes; ocupação clandestina de terras como meio de luta pela sobrevivência de pessoas pobres, inclusive enclaves (quilombos) de escravos fugidos.

Com a criação da Vila de Caetité, as terras de Jacaraci/Irundiara ficaram na circunscrição da mesmas, inclusive o Povoado de Almas, arraial surgido da velha fazenda Almas, origem da cidade de Jacaraci. Aí foi estabelecida capela filial da freguesia de Nossa Senhora do Rosário do gentio. Em 1857, a lei provincial nº 65, de 16 de dezembro, estabeleceu o Distrito de Boa Viagem e Almas, com terras desmembradas da Vila de Caetité.

Em 07 de junho de 1880, a lei provincial 1958, conferiu autonomia ao distrito, elevando-o à categoria de Vila (Município), instalada em 25 de abril de 1885, conservando o nome: Boa Viagem e Almas.

Eis, em traços muito gerais, como percebo a origem do Município de Jacaraci, incluindo o Distrito de Irundiara.



*Affonso Dionysio Gama define enfiteuse: “Dá-se a entiteuse, aforamento ou emprazamento, quando, por ato entre vivos ou de última vontade, o proprietário atribui a outrem o domínio útil do imóvel, pagando a pessoa que o adquire, e assim se constitui enfitêutica, ao senhorio direto uma pensão, ou foro, anual, certo e invariável” (Teoria e Prática dos Contratos por instrumento particular no Direito Brasileiro, Livraria Freitas Bastos, Rio de Janeiro, 1925). Na enfiteuse, o proprietário do terreno (senhorio) transfere a uma pessoa (enfiteuta ou foreiro) o domínio útil da terra, permanecendo com o domínio direto desta. O enfiteuta é obrigado a pagar anualmente um valor em dinheiro (foro) ao senhorio. Quando o enfiteuta desejar vender o domínio útil do imóvel, terá de dar preferência ao senhorio (que tem o domínio direto). Se o senhorio não recomprar o domínio útil, terá direito de receber um valor percentual sobre a venda (este valor durante muito tempo foi de 2,5%).

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