Lembranças
de muito longe e de muito perto
Ruy Hermann Araújo Medeiros. (Digitado em1999)
José Raimundo dos Santos, enquanto espera a liberdade escreve sua
história, dá forma de livro às lembranças de muitos tempos e lugares. Quer
voltar a ter alegri de viver porque seus
dias estão “sendo muito amargos” e
suas “noites se transformam em
verdadeiros pesadelos”.
Homem que percorreu quase todo o Brasil, dirigindo carreta, diz que “hoje, todo o caminho” que fez “está reduzido e dividido entre os corredores
das galerias do presídio, do pátio e da fila do refeitorio que, se somar todas
juntas não dão nem ao menos 200
metros dos milhares de quilômetros de todas as rodovias
deste Brasil”.
Estimulado pelo Proler Carcerário, então sob cuidados da poetisa Heleusa
Câmara, José Raimundo dos Santos resolveu escrever suas memórias, retalhos de
lembranças, na forma de história-puxa-história. E, assim, como quem dirige sua
carreta, viaja pelo mundo das recordações desde a infância em fazenda de cacau,
a escola, o trabalho duro no campo, sobretudo as vitórias e decepções de sua
vida quando exercia profissão de caminhoneiro, e a prisão, a terrível prisão.
Resta ao autor desde “vida de
caminhoneiro” a liberdade buscada de escrever. Os caminhos de sua escritura são longos e
difíceis para o homem que teve que parar de estudar por faltar-lhe dinheiro e
que fora vendido para trabalhar em fazenda longe de sua casa. Muito longe. Mas
não se deixou intimidar. No presídio, sonha:
“Em consegui, desta vez, colocar o meu nome no livro dos escritores, eu
sei que vou vencer a última batalha da minha vida, vou voltar para Ilhéus, a
terra onde eu praticamente me criei e terminar a minha vida na carreira de
escritor”.
Entre a pena e a pena as histórias andam e desandam, como causos
contados, que poderiam ser narrados de qualquer lugar, - mas porque do
presídio?
José Raimundo dos Santos consegue ser um narrador seguro. Não lhe peçam
palavras difíceis ou frases rebuscadas. Ele não as tem. Sua vida foi de
trabalho e é a linguagem essencial ao trabalhador que serve a seu ofício de
escrever. Melhor que seja assim. Não havia porque obscurecer caminhos do
acontecido com palavras não conhecidas dos seus atores. O uso do vocabulário
essencial ou de formas não ricas nunca
pode ser limite; o próprio autor os tem como forma de liberdade, de ir além de
onde está, de ampliar a sua voz.
Faço votos de que o livro de José Raimundo ganhe as estradas que ele um
dia percorreu e que sua experiência se junte às experiências de seus
companheiros de qualquer tipo de estrada.
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