quarta-feira, 30 de maio de 2012


Margens da Violência

Ruy Medeiros (Digitado,2002)


Senhora Vereadora proponente desta Sessão Especial,
Senhor Presidente,
Senhoras Vereadoras,
Senhores Vereadores,
Senhoras e Senhores:


Um teatrólogo alemão disse que:
                 “Do rio que tudo arrasta
                  se diz violento.
                  Mas não se dizem violentas
                  As margens que o comprimem”.

                  O alerta (ou a observação) dita há tanto tempo por Bertold Brecht, é sempre oportuno quando se fala de violência, especialmente nos momentos em que são preconizadas políticas apenas repressivas para detê-la.
O novo, sempre novo, é que as margens que comprimem o rio cada vez são mais potentes e cada vez mais fazem o rio ser violento. As margens tem-se ampliado sobre o rio e pouco espaço deixa para as águas. No esforço para escoar, o rio destrói violentamente aquilo que encontra.
Quais são as margens que estão tornando setores sociais tão violentos? Hoje, porque elas se ampliam?
Em verdade, a exclusão social aumenta e ela própria é uma violência. Não se pode entender como um País capaz de produzir, como produz, mais de 2,5 Kilos de alimentos/habitante ao dia seja capaz de aceitar milhões de famintos. E como encarcerar e em que presídios os responsáveis por essa violência da fome? O país convive com milhões de pessoas na faixa da miséria. Quem promoverá processos contra os responsáveis pela política econômica que conduziu o País a ter tal contigente? Isso não é uma violência? Isso não destrói lares, famílias, pessoas e seus sonhos?
Sim, Senhor Presidente, quando chega a fome, a falta de abrigo e o desemprego, sonhos e alternativas ficam confusos e amplia-se o lugar da inquietação e da brutalidade. A margem estreitou-se sobre os homens e mulheres e eles ficam acuados (eles estão acuados). A droga é a solução? O crime? O desvio? Nas portas das fábricas está escrito: Não temos vagas. Mas as portas do crime e das drogas é ampla e comporta todos os desesperados que não encontram outros caminhos. Se há qualquer possibilidade para o crime, essa é estimulada.
Mas a exclusão continuada é ampliada por certo tipo de política que restringe o acesso à previdência social e estreita seus benefícios, além de diminuir a proteção aos direitos daqueles que vivem do trabalho. Não há uma política justa para a melhoria de salários. A política geral do País desvia recursos (que a responsabilidade pede que sejam aplicados para sanar graves problemas) para o pagamento sem critérios transparentes da dívida externa. A política do país joga a favor da exclusão e, assim, a favor da violência. A desculpa é que leis de mercado são impossíveis de serem transpostas. Quando elevam o mercado como fator intransponível à solução dos problemas, os políticos do poder negam a própria política. Negam o saber e o saber fazer dos políticos.
Mas, e aqueles que não são excluídos e mesmo assim foram lançados na voragem da violência?
- Muitos dos muitos tiveram os sonhos substituídos apenas pela vontade de consumir mercadorias. Tudo é transformado em mercadoria. Muitos de outros muitos percebem que o mundo dominado pelo capital é um mundo cada vez mais destinado a u´a minoria. Não há perspectiva, a não ser a do consumo, inclusive das drogas que matam.
E a mercadoria enfeitiça. E os jovens perdem a autenticidade e se alienam ao consumo, à mercadoria. Vivem para a mercadoria, que os domina. Matam por um tênis, um relógio, uma camisa ou uma calça com grife. Ocorre mesmo a transposição entre “ser” em “ter”, só “é” quem “tem”. Diversão, lazer, alimento, tudo é mercadoria e existem as mercadorias sonho, fuga e droga. Todas a envenenarem, a alienarem. “Ser mais”, transforma-se em “ter mais”, e ter mais passa a significar ser mais. Perdem-se os homens na voragem desta inversão alienante. Pertencem ao consumo, aos outros, não a si próprios. É como se houvesse o rapto de suas consciências ou a sua escravização.
Mas, não só isso. Como ter projetos, planos e sonhos, quando se percebe que há uma engrenagem perversa que limita toda e qualquer possibilidade de inclusão de um número maior de pessoas no gozo das conquistas da civilização? Uma cultura fundada nos valores da mercadoria pode oferecer às mulheres a aos homens a sua autenticidade?
Mas há outros componentes culturais que devem ser contemplados como instigadores da violência: O racismo – intolerância de grupos de coloração diferente especialmente aquela que vitima entre nós os negros e indígenas, e nos Estados Unidos e na Europa os trabalhadores oriundos da África, Ásia e América Latina. O machismo – a vitimar as mulheres, cada vez mais, nas ruas ou no âmbito das residências, às vezes até mesmo na tentativa de controle de um sobre outro, como se de objeto se tratasse. A banalização da violência: certos tipos de violência tornaram-se banais, especialmente a violência simbólica e a violência da corrupção. Mas a violência que choca – aquela que mata ou deforma homem e mulher – é também tratada como produto a ser vendido e assim, transformada em mercadoria, é tratada esteticamente no filme, na literatura, na telenovela, tornando algo belo – matar e ferir com arte. E nessa volúpia da violência tratada esteticamente a consciência é levada para a própria violência. Desajustes, crise de cultura e de civilização – tudo hoje concorre para o andamento da violência. As multidões de loucos e famintos nas ruas, acostumando a vista, como se de algo normal tratasse, estimula o desrespeito às mulheres e aos homens, porque concretamente eles já estão massacrados. E jovens matam mendigos, completando a tarefa das classes dominantes que fazem a política da exclusão.
As margens cada vez mais diminuem o leito do rio e este torna-se violento.
Muitos acreditam que a solução é um ou mais policiais em cada rua. Um presídio em cada quarteirão. A vigilância diuturna sobres as pessoas. Presídios de segurança máxima, camburões, novas leis definidoras de novos crimes, sentenças duras, etc. Novos crimes? Que tal o crime de insensibilidade social?
Tal crença tem fundamento em a natureza animal do homem e na suposição de que para isso os controles devem ser os mais repressivos e intimidativos. Porém há controles que observam o homem por inteiro, o homem inteligência, sensibilidade e cultura. Pode-se trabalhar essa natureza do homem. Isso custa caro, é evidente, pois importa em esforço maior de aumentar o respeito à dignidade do homem e entendê-lo como parceiro do homem, protegê-lo e incentivá-lo à melhora implica modificações maiores, que apontam para a liberdade e não para a insuportabilidade do cumprimento de duas penas: Uma na sociedade, não aplicada pelo juiz, a outra na prisão determinada pelo juiz.
Muito obrigado pela atenção.

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