Nelson Werneck Sodré, Admirado e
Repudiado
Ruy
Medeiros
1. Um Homem de Combate
Nelson Werneck
Sodré faleceu no último dia 13, em Itu, São Paulo, aos 87 anos de idade, ainda
lúcido. O historiador era casado com a Sra. Yolanda Frugoli Sodré e deixou
descendente na pessoa de Olga Sodré.
Aquele
historiador do Brasil nasceu no Rio de Janeiro em 27 de abril de 1911.
Completou seu curso primário no Rio de Janeiro e fez curso secundário em São Paulo e no Rio de
Janeiro.
Em 1931,
matriculou-se na Escola Militar do Realengo, vindo tornar-se oficial da arma de
artilharia e iniciando sua carreira no Exército, finda com a passagem para a
reserva, no posto de general, em 1962.
De 1944 até
1946, frequentou o curso de Estado Maior, com bom desempenho; fato que o
credenciou para ser admitido como professor da Escola de Comando do Estado
Maior, no período de 1947 a
1950. Por esse tempo já tinha livros publicados. Nelson Werneck Sodré relembra
sua saída do quadro de professores daquela escola: “O ano de 1950 ia em meio
quando, por força da repressão à corrente militar nacionalista, fui demitido
das funções da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, onde chefiava o
Curso de História Militar, e mandado servir em unidade de fronteira
sulina” ( “História da História Nova” ).
Na década de
50, foi atraído por um grupo de intelectuais que compunham o IBESP e com estes
começou a manter diálogo, em 1955. O IBESP - Instituto Brasileiro de Economia,
Sociologia e Política - foi desativado em 1955 após curta existência. Seus
componentes resolveram criar, em 1956, o ISEB - Instituto Superior de Estudos
Brasileiros. Nelson Werneck Sodré passou a conviver em ambiente cultural
estimulante para seus estudos. No ISEB estavam intelectuais já reconhecidos,
como Alberto Guerreiro Ramos, Ewaldo Correia Lima, Alexandre Kafka, Roland
Corbisier, Álvaro Vieira
Pinto , Horácio Lafer, João de Scatimburgo, Lucas Lopes,
Cândido Antonio Mendes de Almeida, Hélio Jaguaribe Gomes de Matos, Anísio
Teixeira e outros.
Pretendia o
ISEB formular um pensamento político capaz de direcionar ações do Governo, a
partir da mobilização de intelectuais de diversas tendências. Identificados com
o pensamento da CEPAL ( Comissão Econômica para a América Latina), quanto à
economia, formularam estudos que ficariam conhecidos como política do
desenvolvimentismo nacional ( nacional desenvolvimentista).
No ISEB,
integrou o Departamento de História, que era dirigido por Cândido Mendes de
Almeida. Nelson Werneck era o responsável pela área de História do Brasil. Ao
mesmo tempo em que lecionava, mantinha coluna no jornal “Última Hora”, e militava nas hostes da
esquerda.
O golpe
militar de 1964 teve incidência contraditória sobre a vida de Nelson Werneck
Sodré: Perseguio-o, prendeu-o, processou-o, censurou-lhe obras. Mas, a cada
ataque o prestígio do historiador aumentava. Já era um homem maduro ( 53 anos)
e em sua fase intelectual mais produtiva, quando ocorreu o golpe. Este promoveu
inquéritos contra o ISEB e para punir os responsáveis pela “História Nova do Brasil”, publicação nascida no ISEB.
Mas a censura
a seus livros não o impediu de continuar estudando e publicando obras voltadas
para a intervenção política. Nos anos finais de sua vida, voltou sua
inteligência contra o neoliberalismo. Ainda tinha sede de continuar combatendo
quando, a 13 de janeiro de 1999, sofreu falência múltipla de Órgãos.
É sinal dos
tempos que os obituários medíocres dos jornais da grande imprensa tenham saído
estilizados e desprovidos de conteúdo crítico sobre a obra de Nelson Werneck
Sodré.
2. A Obra.
Antes de publicar seu primeiro livro, Nelson
Werneck Sodré foi crítico literário do Correio Paulistano (colaborou com este
por 20 anos).
É e 1938 seu
primeiro livro: “História da Literatura
Brasileira - Seus Fundamentos Econômicos”,
que alcançou várias edições ( em 1982, já se encontrava na 7ª) e que
teve versão polonesa.
Pouco citado
entre historiadores e críticos literários ( que no entanto dele se valiam), o
livro teve público mais entusiasta entre jovens estudantes universitários. Mas
não deixa de ser inovador, à medida que rompe com modelos tradicionais de
história da literatura, em vários aspectos, que eram então adotados no País.
Busca o autor situar a literatura em seu contexto histórico e sócio-cultural,
entendendo-a como “parte do processo
histórico”. Mas, mesmo tendo um método diferenciado, fez justiça aos grandes
historiadores da literatura, que o antecederam, Silvio Romero e José Veríssimo
que, segundo ele, “procuraram mostrar as
íntimas ligações existentes entre manifestações literárias e o meio social”. De
José Veríssimo fez várias citações e julgou inexcedível a vinculação que aquele
autor faz entre “autenticidade e
participação” do escritor: : “Ser
social, ser humano - mencionou Veríssimo - é, porém, a condição suprema da
arte, e não só não é concebível, mas possível, senão assim. Uma arte, se
pudéssemos admitir a hipótese - que apenas exprimisse o indivíduo, sem nenhuma
influência ou reação social, uma tal arte seria talvez a negação da própria
arte. Poderia acaso possuir eminentes qualidade de forma - admitindo, o que nos
parece impossível, a independência da forma do fundo - tais qualidades, porém,
por assim dizer superficiais e exteriores, apenas lograriam dar à obra de arte
a vida efêmera e vã de uma dessas imprevistas combinações de nuvens e de côres
com que o sol no poente forma no céu quadros extraordinários e surpreendentes.
Ao mais individual, ao mais pessoal dos artistas, ao mais natural como ao mais
intencionalmente despreocupado dos interêsses sociais, não é dado não ser,
embora em mínimo grau, o homem da sua raça, do seu meio, do seu tempo. À
inteligência humana é impossível conceber e realizar alguma coisa senão
conforme aos modelos que a vida oferece. A arte pela arte, pois, é científica e estéticamente uma
impossibilidade, e os seus sectários mais convencidos, e justamente os mais
notáveis, a despeito das suas opiniões e malgrado a sua vontade, trabalham, ao
invés das suas teorias e intenções, não pela arte pura - coisa inconcebível -
mas pela vida e com a vida”.
“ A História
da Literatura Brasileira”, embora sempre
lembrada e reeditada sofre a crítica daquelas que dissociam o estético do
social, ou o processo cultural do processo social, encontrando caráter de
grande autonomia para os fenômenos superestruturais.
Um ano depois
da publicação de seu primeiro livro, Nelson Werneck Sodré publica “Panorama do Segundo Império” (São Paulo,
1939). A partir daí sucedem-se livros, especialmente na área de sua paixão - A
História do Brasil.
O autor teve
momentos de grande respeitabilidade e aplausos, a partir da experiência com o
ISEB, especialmente. É evidente que, quando foi convidado por Guerreiro Ramos
para o ISEB já era autor conhecido:
“Oeste - Ensaio sobre a
grande propriedade pastoril”, é de 1941, e “O que se deve ler para conhecer o Brasil”, é
de 1945 ( vide lista de obras no final).
A partir de
aulas proferidas no ISEB, confecciona e publica seu livro mais famoso ( porém
muito criticado pelos professores na década de 1980/1990, vinculados às
concepções de “História das Mentalidades” e
“História do Cotidiano”). Trata-se de um dos livros mais editados na
área de História do Brasil: em 1982 já
estava na 11ª edição (Editora Brasiliense).
A “Formação
Histórica do Brasil” passou a ser disputada entre alunos das universidades,
especialmente pelos esquerdistas, nas
décadas de 60 e 70. Passou a ser considerado livro fundamental, apesar de mal
visto pela ditadura militar e pela
“cátedra”. A obra teve momentos
de glória, depois passou a ser combatido
(inclusive por autores que glosam suas
“teses” e deixam de mencionar a fonte de
“inspiração”). A vaga que obteve
no Brasil as formulações da “Escola dos
Anais” (França) terminou por atingir a
“Formação Histórica do Brasil” e esta sofreu combate mesmo de novos professores
que não a leram.
É evidente que
o autor assume posições de solução teórica que hoje são discutíveis ( algumas
das quais, no entanto, não possuem
solução unânime até hoje), como a
caracterização que faz da sociedade colonial ( matéria pouco analisada pelos
historiadores de seu tempo), ou a
análise da Revolução de 1930. Mas o livro ainda tem solidez (os títulos
“O Acidente da Colonização”, “ A
Solução Açucareira”, “O Investimento
Inicial”, o “Monopólio Comercial”, a
“Expansão”, e outros). A parte
dedicada a processo gerador da Independência é ainda sustentável (aqui há autores que assumem posições de
Nelson Werneck Sodré, sobre o “Declínio
Colonial”, sem mencionar a “ dívida”,
glosando-o e mudando algo da ênfase sobre alguns fenômenos). O combate
ao livro partiu da “academia” e se
intensificou com a chamada “crise do
marxismo”.
Nelson Werneck
Sodré realmente marcou muito os leitores e pesquisadores de história, ou de
assuntos brasileiros. Era comum o iniciante começar sua pesquisa a partir das
indicações que o historiador faz em seu livro -
“O que se deve ler para conhecer o Brasil” ( 1ª edição, 1945; 6ª edição, 1979), repositório bibliográfico
com pequenas anotações sobre autor e conteúdo das obras, de caráter não
maniqueista.
Porém maior
polêmica causara m “História Militar do Brasil” (livro hoje
essencial e que começa a ser buscado),
publicado em 1965 e recolhido das livrarias e editoras em 1970, por ser
considerado subversivo, e a “História
Nova do Brasil”.
Sobre a última
valem ser feitas referências, ainda que ligeiras: No ISEB, Nelson Werneck Sodré
atraiu jovens historiadores ( Pedro Celso Uchoa Cavalcanti, Pedro Alcântara
Silveira, Maurício Martins Melo, Rubem Cesar Fernandes e Joel
Rufino dos Santos). Com essa equipe nova, Nelson Werneck idealizou a divulgação
da história brasileira, com visão diversa daquela que era exposta nos
principais livros didáticos, em fascículos temáticos. Em março de 1964, as
primeiras cinco monografias sob o título de História Nova foram publicadas pelo
MEC. Logo veio a reação por parte de historiadores conservadores e da emprensa
burguesa. O jornal “O Estado de São
Paulo”, por exemplo, em cinco editoriais
raivosos, exacrou a obra. O livro
passou a merecer “pareceres” requisitados por agentes
oficiais. É interessante notar que um dos pareceres veio de historiadores
do “Instituto Histórico e Geográfico do
Brasil”, foi redigido por Américo
Jacobina Lacombe e publicado no volume 263 da revista daquele Instituto. O teor
geral do parecer é da desaprovação e,
dentre outras coisas, diz que a obra
“Além de deformar a mentalidade juvenil com conceitos errôneos e falsos,
abomina e despreza tudo quanto aprendemos na maneira de interpretar a História.
Amesquinha o culto cívico e deslustra os mais memoráveis fatos da
nacionalidade”.
Os autores dos
fascículos da “História Nova do Brasil”
foram presos e processados e a obra foi recolhida dos pontos de venda. Para a
soldadesca dos quartéis chegou-se a insinuar que aquele trabalho continha
ofensa ao patrono do exército brasileiro, o Duque de Caxias. Segundo relata o
próprio Nelson Werneck, deixava-se para os militares a impressão de que os
autores insinuavam haver o “respeitável” duque estuprado a sua própria avó.
Enfim, o autor
era maldito por sua militância, pela
“História Nova “ e pela “História
Militar” (somente em 1978, o Superior Tribunal Militar julgou extinta a
punibilidade, no processo movido contra o historiador, e mandou arquivar os
autos).
É muito
difícil o historiador brasileiro não se posicionar em relação a Nelson Werneck
Sodré, quer em razão da influência que este disseminou, quer porque Werneck
sempre procurou resolver teoricamente os problemas da história brasileira. Não
se contentava com os aspectos exteriores do processo, buscava a essência deste
e seu equacionamento teórico-explicativo.
Seus livros
continuarão a ser lidos, e mesmo resgatados após o processo de esgotamento da
onda que alterou o curso de uma historiografia crítico-explicativa
intensificada nos anos 60, quando fatores sociais e econômicos voltarem a ser
objeto privilegiado dos estudos históricos, e que finalmente se possa fazer
leitura mais criteriosa da obra do autor, como, aliás, ele sempre pedia, movido
pelo interesse de esgotar a discussão sobre pontos controversos de seu trabalho
de historiador.
A crítica a
Nelson Werneck Sodré, como a qualquer autor, é necessária, porém não pode ser
feita de forma leviana, pois aquele historiador era movido por forte senso de
responsabilidade intelectual.
Também é
necessário dissociar trabalhos mais voltados para a intervenção política, em
que situações da conjuntura impuseram maior dose de considerações ideológicas (
“História da História Nova”, “Introdução
à Revolução Brasileira”, “Quem é o Povo
no Brasil”, etc), de outros pensados
mais profundamente ( “Formação Histórica do Brasil”, “História da Burguesia Brasileira”, “História Militar do Brasil”, “Oeste - Ensaio sobre a grande propriedade
pastoril”, “História da Imprensa no
Brasil,” etc).
Sempre haverá
referências a seus livros, especialmente à
“Formação Histórica do Brasil”.
Muitos, como
eu mesmo, que militaram e militam na esquerda mas que tínhamos posições
divergentes, duras na maioria das vezes, não deixamos de reconhecer sua
importância como escritor, crítico literário, memorialista e, sobretudo, Historiador.
Parabéns,
velho combatente pela inteligência.
Obras de Nelson
Werneck Sodré
“História da Literatura Brasileira, S. Paulo, 7ª
edição, 1982, edição polonesa, varsóvia 1975; Panorama do Segundo Império, S.
Paulo, 1939; Oeste. Ensaio sobre a
Grande propriedade Pastoril, Rio 1941; Orientações do
Pensamento Brasileiro, Rio 1942; Síntese do Desenvolvimento Literário no
Brasil, S. Saulo 1943; Formação da Sociedade Brasileira, Rio 1944; O Que se
Deve Ler para Conhecer o Brasil, Rio, 5ª edição; Introdução à revolução
Brasileira, Rio 1958, 4ª edição; Narrativas Militares, Rio 1959; A Ideologia do
Colonialismo, S. Paulo 11ª edição; Quem é o Povo no Brasil, Rio, 1963, 3ª
edição; Quem Matou Kennedy, Rio, 1963, 2ª edição; História da Burguesia
Brasileira, Rio, 1964, 3ª edição; Evolución Social Y Econômica del Brasil,
Buenos Aires, 1964; História Militar do
Brasil, Rio, 1965, 3ª edição; O Naturalismo no Brasil, Rio, 1965; Ofício de
Escritor, Dialética da Literatura, Rio 1965; As Razões da Independência, Rio,
1965 3ª edição; História da Imprensa no Brasil, Rio 1966, 2ª edição; Memórias
de um Soldado, Rio, 1967; Fundamentos da Estética Marxista, Rio, 1968;
Fundamentos da Economia Marxista, Rio, 1968; Fundamentos do Materialismo
Histórico, Rio, 1968; Síntese de História da Cultura Brasileira, Rio, 1970, 10ª
edição; Memórias de um Escritor, Rio, 1970; Brasil, Radiografia de um Modelo,
Buenos Aires, 1974, 5ª edição; Introdução à Geografia. Geografia e Ideologia,
Rio, 1976, 3ª edição; A Verdade sobre o ISEB, Rio, 1978; Oscar Niemeyer, Rio
1978; A Coluna Prestes, Rio, 2ª edição; Contribuição à História do PCB, 1985; O
Tenentismo, 1985; História e Materialismo no Brasil, 1986; História da História
Nova, 1986; A Intentona Comunista de 1935, 1987; O Governo Militar Secreto,
1987; Literatura e História no Brasil Contemporâneo, 1987; História e
Materialismo Histórico no Brasil, 1987; Em Defesa da Cultura, 1988; Evolução
Social do Brasil, 1988; A Marcha para o Nazismo, 1989; A República, 1989;
Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, 1990; O Fascínio Cotidiano, 1990; A
Luta pela Cultura, 1990; A Ofensiva Reacionária, 1992; A Fúria de Calibã -
Memórias do Golpe de 64, 1994; A Farsa do neoliberalismo, 1995.
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