quinta-feira, 24 de maio de 2012


Nelson Werneck Sodré, Admirado e Repudiado



                                                             Ruy Medeiros




1. Um Homem de Combate



Nelson Werneck Sodré faleceu no último dia 13, em Itu, São Paulo, aos 87 anos de idade, ainda lúcido. O historiador era casado com a Sra. Yolanda Frugoli Sodré e deixou descendente na pessoa de Olga Sodré.
Aquele historiador do Brasil nasceu no Rio de Janeiro em 27 de abril de 1911. Completou seu curso primário no Rio de Janeiro e fez curso secundário em São Paulo e no Rio de Janeiro.
Em 1931, matriculou-se na Escola Militar do Realengo, vindo tornar-se oficial da arma de artilharia e iniciando sua carreira no Exército, finda com a passagem para a reserva, no posto de general, em 1962.
De 1944 até 1946, frequentou o curso de Estado Maior, com bom desempenho; fato que o credenciou para ser admitido como professor da Escola de Comando do Estado Maior, no período de 1947 a 1950. Por esse tempo já tinha livros publicados. Nelson Werneck Sodré relembra sua saída do quadro de professores daquela escola: “O ano de 1950 ia em meio quando, por força da repressão à corrente militar nacionalista, fui demitido das funções da Escola de Comando e Estado Maior do Exército, onde chefiava o Curso de História Militar, e mandado servir em unidade de fronteira sulina”  ( “História da História Nova” ).
Na década de 50, foi atraído por um grupo de intelectuais que compunham o IBESP e com estes começou a manter diálogo, em 1955. O IBESP - Instituto Brasileiro de Economia, Sociologia e Política - foi desativado em 1955 após curta existência. Seus componentes resolveram criar, em 1956, o ISEB - Instituto Superior de Estudos Brasileiros. Nelson Werneck Sodré passou a conviver em ambiente cultural estimulante para seus estudos. No ISEB estavam intelectuais já reconhecidos, como Alberto Guerreiro Ramos, Ewaldo Correia Lima, Alexandre Kafka, Roland Corbisier, Álvaro Vieira Pinto, Horácio Lafer, João de Scatimburgo, Lucas Lopes, Cândido Antonio Mendes de Almeida, Hélio Jaguaribe Gomes de Matos, Anísio Teixeira e outros.
Pretendia o ISEB formular um pensamento político capaz de direcionar ações do Governo, a partir da mobilização de intelectuais de diversas tendências. Identificados com o pensamento da CEPAL ( Comissão Econômica para a América Latina), quanto à economia, formularam estudos que ficariam conhecidos como política do desenvolvimentismo nacional ( nacional desenvolvimentista).
No ISEB, integrou o Departamento de História, que era dirigido por Cândido Mendes de Almeida. Nelson Werneck era o responsável pela área de História do Brasil. Ao mesmo tempo em que lecionava, mantinha coluna no jornal  “Última Hora”, e militava nas hostes da esquerda.
O golpe militar de 1964 teve incidência contraditória sobre a vida de Nelson Werneck Sodré: Perseguio-o, prendeu-o, processou-o, censurou-lhe obras. Mas, a cada ataque o prestígio do historiador aumentava. Já era um homem maduro ( 53 anos) e em sua fase intelectual mais produtiva, quando ocorreu o golpe. Este promoveu inquéritos contra o ISEB e para punir os responsáveis pela  “História Nova do Brasil”,  publicação nascida no ISEB.
Mas a censura a seus livros não o impediu de continuar estudando e publicando obras voltadas para a intervenção política. Nos anos finais de sua vida, voltou sua inteligência contra o neoliberalismo. Ainda tinha sede de continuar combatendo quando, a 13 de janeiro de 1999, sofreu falência múltipla de Órgãos.
É sinal dos tempos que os obituários medíocres dos jornais da grande imprensa tenham saído estilizados e desprovidos de conteúdo crítico sobre a obra de Nelson Werneck Sodré.

2.   A Obra.

 Antes de publicar seu primeiro livro, Nelson Werneck Sodré foi crítico literário do Correio Paulistano (colaborou com este por 20 anos).
É e 1938 seu primeiro livro:  “História da Literatura Brasileira - Seus Fundamentos Econômicos”,  que alcançou várias edições ( em 1982, já se encontrava na 7ª) e que teve versão polonesa.
Pouco citado entre historiadores e críticos literários ( que no entanto dele se valiam), o livro teve público mais entusiasta entre jovens estudantes universitários. Mas não deixa de ser inovador, à medida que rompe com modelos tradicionais de história da literatura, em vários aspectos, que eram então adotados no País. Busca o autor situar a literatura em seu contexto histórico e sócio-cultural, entendendo-a como  “parte do processo histórico”. Mas, mesmo tendo um método diferenciado, fez justiça aos grandes historiadores da literatura, que o antecederam, Silvio Romero e José Veríssimo que, segundo ele,  “procuraram mostrar as íntimas ligações existentes entre manifestações literárias e o meio social”. De José Veríssimo fez várias citações e julgou inexcedível a vinculação que aquele autor faz entre  “autenticidade e participação” do escritor: :  “Ser social, ser humano - mencionou Veríssimo - é, porém, a condição suprema da arte, e não só não é concebível, mas possível, senão assim. Uma arte, se pudéssemos admitir a hipótese - que apenas exprimisse o indivíduo, sem nenhuma influência ou reação social, uma tal arte seria talvez a negação da própria arte. Poderia acaso possuir eminentes qualidade de forma - admitindo, o que nos parece impossível, a independência da forma do fundo - tais qualidades, porém, por assim dizer superficiais e exteriores, apenas lograriam dar à obra de arte a vida efêmera e vã de uma dessas imprevistas combinações de nuvens e de côres com que o sol no poente forma no céu quadros extraordinários e surpreendentes. Ao mais individual, ao mais pessoal dos artistas, ao mais natural como ao mais intencionalmente despreocupado dos interêsses sociais, não é dado não ser, embora em mínimo grau, o homem da sua raça, do seu meio, do seu tempo. À inteligência humana é impossível conceber e realizar alguma coisa senão conforme aos modelos que a vida oferece. A arte pela arte, pois,  é científica e estéticamente uma impossibilidade, e os seus sectários mais convencidos, e justamente os mais notáveis, a despeito das suas opiniões e malgrado a sua vontade, trabalham, ao invés das suas teorias e intenções, não pela arte pura - coisa inconcebível - mas pela vida e com a vida”.

“ A História da Literatura Brasileira”,  embora sempre lembrada e reeditada sofre a crítica daquelas que dissociam o estético do social, ou o processo cultural do processo social, encontrando caráter de grande autonomia para os fenômenos superestruturais.
Um ano depois da publicação de seu primeiro livro, Nelson Werneck Sodré publica  “Panorama do Segundo Império” (São Paulo, 1939). A partir daí sucedem-se livros, especialmente na área de sua paixão - A História do Brasil.
O autor teve momentos de grande respeitabilidade e aplausos, a partir da experiência com o ISEB, especialmente. É evidente que, quando foi convidado por Guerreiro Ramos para o ISEB já era autor conhecido:  “Oeste - Ensaio sobre a grande propriedade pastoril”, é de 1941, e  “O que se deve ler para conhecer o Brasil”, é de 1945 ( vide lista de obras no final).
A partir de aulas proferidas no ISEB, confecciona e publica seu livro mais famoso ( porém muito criticado pelos professores na década de 1980/1990, vinculados às concepções de “História das Mentalidades” e  “História do Cotidiano”). Trata-se de um dos livros mais editados na área de História do Brasil:  em 1982 já estava na 11ª edição (Editora Brasiliense).
A “Formação Histórica do Brasil” passou a ser disputada entre alunos das universidades, especialmente pelos esquerdistas,  nas décadas de 60 e 70. Passou a ser considerado livro fundamental, apesar de mal visto pela ditadura militar e pela  “cátedra”.  A obra teve momentos de glória, depois passou a ser combatido  (inclusive por autores que glosam suas  “teses” e deixam de mencionar a fonte de  “inspiração”).  A vaga que obteve no Brasil as formulações da  “Escola dos Anais” (França) terminou por atingir a  “Formação Histórica do Brasil” e esta sofreu combate mesmo de novos professores que não a leram.
É evidente que o autor assume posições de solução teórica que hoje são discutíveis ( algumas das quais, no entanto,  não possuem solução unânime até hoje),  como a caracterização que faz da sociedade colonial             ( matéria pouco analisada pelos historiadores de seu tempo),  ou a análise da Revolução de 1930. Mas o livro ainda tem solidez  (os títulos  “O Acidente da Colonização”,  “ A Solução Açucareira”,  “O Investimento Inicial”,  o  “Monopólio Comercial”,  a  “Expansão”,  e outros). A parte dedicada a processo gerador da Independência é ainda sustentável  (aqui há autores que assumem posições de Nelson Werneck Sodré, sobre o  “Declínio Colonial”,  sem mencionar a  “ dívida”,  glosando-o e mudando algo da ênfase sobre alguns fenômenos). O combate ao livro partiu da  “academia” e se intensificou com a chamada  “crise do marxismo”.
Nelson Werneck Sodré realmente marcou muito os leitores e pesquisadores de história, ou de assuntos brasileiros. Era comum o iniciante começar sua pesquisa a partir das indicações que o historiador faz em seu livro -  “O que se deve ler para conhecer o Brasil” ( 1ª edição, 1945;  6ª edição, 1979), repositório bibliográfico com pequenas anotações sobre autor e conteúdo das obras, de caráter não maniqueista.
Porém maior polêmica causaram  “História Militar do Brasil” (livro hoje essencial e que começa a ser buscado),  publicado em 1965 e recolhido das livrarias e editoras em 1970, por ser considerado subversivo, e a  “História Nova do Brasil”.
Sobre a última valem ser feitas referências, ainda que ligeiras: No ISEB, Nelson Werneck Sodré atraiu jovens historiadores ( Pedro Celso Uchoa Cavalcanti, Pedro Alcântara Silveira, Maurício Martins Melo, Rubem Cesar Fernandes e Joel Rufino dos Santos). Com essa equipe nova, Nelson Werneck idealizou a divulgação da história brasileira, com visão diversa daquela que era exposta nos principais livros didáticos, em fascículos temáticos. Em março de 1964, as primeiras cinco monografias sob o título de História Nova foram publicadas pelo MEC. Logo veio a reação por parte de historiadores conservadores e da emprensa burguesa. O jornal  “O Estado de São Paulo”,  por exemplo, em cinco editoriais raivosos,  exacrou a obra. O livro passou  a merecer  “pareceres” requisitados por agentes oficiais. É interessante notar que um dos pareceres veio de historiadores do  “Instituto Histórico e Geográfico do Brasil”,  foi redigido por Américo Jacobina Lacombe e publicado no volume 263 da revista daquele Instituto. O teor geral do parecer é da desaprovação e,  dentre outras coisas, diz que a obra  “Além de deformar a mentalidade juvenil com conceitos errôneos e falsos, abomina e despreza tudo quanto aprendemos na maneira de interpretar a História. Amesquinha o culto cívico e deslustra os mais memoráveis fatos da nacionalidade”.
Os autores dos fascículos da  “História Nova do Brasil” foram presos e processados e a obra foi recolhida dos pontos de venda. Para a soldadesca dos quartéis chegou-se a insinuar que aquele trabalho continha ofensa ao patrono do exército brasileiro, o Duque de Caxias. Segundo relata o próprio Nelson Werneck, deixava-se para os militares a impressão de que os autores insinuavam haver o  “respeitável”  duque estuprado a sua própria avó.
Enfim, o autor era maldito por sua militância, pela  “História Nova “ e pela  “História Militar” (somente em 1978, o Superior Tribunal Militar julgou extinta a punibilidade, no processo movido contra o historiador, e mandou arquivar os autos).
É muito difícil o historiador brasileiro não se posicionar em relação a Nelson Werneck Sodré, quer em razão da influência que este disseminou, quer porque Werneck sempre procurou resolver teoricamente os problemas da história brasileira. Não se contentava com os aspectos exteriores do processo, buscava a essência deste e seu equacionamento teórico-explicativo.
Seus livros continuarão a ser lidos, e mesmo resgatados após o processo de esgotamento da onda que alterou o curso de uma historiografia crítico-explicativa intensificada nos anos 60, quando fatores sociais e econômicos voltarem a ser objeto privilegiado dos estudos históricos, e que finalmente se possa fazer leitura mais criteriosa da obra do autor, como, aliás, ele sempre pedia, movido pelo interesse de esgotar a discussão sobre pontos controversos de seu trabalho de historiador.
A crítica a Nelson Werneck Sodré, como a qualquer autor, é necessária, porém não pode ser feita de forma leviana, pois aquele historiador era movido por forte senso de responsabilidade intelectual.
Também é necessário dissociar trabalhos mais voltados para a intervenção política, em que situações da conjuntura impuseram maior dose de considerações ideológicas ( “História da História Nova”,  “Introdução à Revolução Brasileira”,  “Quem é o Povo no Brasil”, etc),  de outros pensados mais profundamente ( “Formação Histórica do Brasil”,  “História da Burguesia Brasileira”,  “História Militar do Brasil”,  “Oeste - Ensaio sobre a grande propriedade pastoril”,  “História da Imprensa no Brasil,” etc).
Sempre haverá referências a seus livros, especialmente à  “Formação Histórica do Brasil”.
Muitos, como eu mesmo, que militaram e militam na esquerda mas que tínhamos posições divergentes, duras na maioria das vezes, não deixamos de reconhecer sua importância como escritor, crítico literário, memorialista e,  sobretudo, Historiador.
Parabéns, velho combatente pela inteligência.


Obras   de   Nelson   Werneck   Sodré




“História da Literatura Brasileira, S. Paulo, 7ª edição, 1982, edição polonesa, varsóvia 1975; Panorama do Segundo Império, S. Paulo, 1939; Oeste. Ensaio sobre a Grande propriedade Pastoril, Rio 1941; Orientações do Pensamento Brasileiro, Rio 1942; Síntese do Desenvolvimento Literário no Brasil, S. Saulo 1943; Formação da Sociedade Brasileira, Rio 1944; O Que se Deve Ler para Conhecer o Brasil, Rio, 5ª edição; Introdução à revolução Brasileira, Rio 1958, 4ª edição; Narrativas Militares, Rio 1959; A Ideologia do Colonialismo, S. Paulo 11ª edição; Quem é o Povo no Brasil, Rio, 1963, 3ª edição; Quem Matou Kennedy, Rio, 1963, 2ª edição; História da Burguesia Brasileira, Rio, 1964, 3ª edição; Evolución Social Y Econômica del Brasil, Buenos Aires, 1964;  História Militar do Brasil, Rio, 1965, 3ª edição; O Naturalismo no Brasil, Rio, 1965; Ofício de Escritor, Dialética da Literatura, Rio 1965; As Razões da Independência, Rio, 1965 3ª edição; História da Imprensa no Brasil, Rio 1966, 2ª edição; Memórias de um Soldado, Rio, 1967; Fundamentos da Estética Marxista, Rio, 1968; Fundamentos da Economia Marxista, Rio, 1968; Fundamentos do Materialismo Histórico, Rio, 1968; Síntese de História da Cultura Brasileira, Rio, 1970, 10ª edição; Memórias de um Escritor, Rio, 1970; Brasil, Radiografia de um Modelo, Buenos Aires, 1974, 5ª edição; Introdução à Geografia. Geografia e Ideologia, Rio, 1976, 3ª edição; A Verdade sobre o ISEB, Rio, 1978; Oscar Niemeyer, Rio 1978; A Coluna Prestes, Rio, 2ª edição; Contribuição à História do PCB, 1985; O Tenentismo, 1985; História e Materialismo no Brasil, 1986; História da História Nova, 1986; A Intentona Comunista de 1935, 1987; O Governo Militar Secreto, 1987; Literatura e História no Brasil Contemporâneo, 1987; História e Materialismo Histórico no Brasil, 1987; Em Defesa da Cultura, 1988; Evolução Social do Brasil, 1988; A Marcha para o Nazismo, 1989; A República, 1989; Capitalismo e Revolução Burguesa no Brasil, 1990; O Fascínio Cotidiano, 1990; A Luta pela Cultura, 1990; A Ofensiva Reacionária, 1992; A Fúria de Calibã - Memórias do Golpe de 64, 1994; A Farsa do neoliberalismo, 1995.

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