Olhar sobre a
serra do Piripiri
25th/jan/2009 . 1:26 pm
Ruy Medeiros
(Para Valter Rocha, que ama e conhece
a serra).
O nome é tupi, embora a terra tenha sido Kamakã-Mongoyó: Piripiri
significa junco. Na região há alguns juncos: Tabúa, taquara, taquarinha,
criciúma. Piripiri é como se fosse muito junco, juncal, ou muita taquara,
taquaral. Em língua tupi a repetição do substantivo dá-lhe o significado de
aumentativo, multiplicação, maior frequência. Uma extensão de piri é piripiri.
A palavra piripiri foi incorporada à língua portuguesa com os dois
significados: o de junco, taquara, tabúa ou o de brejo. Em alguns lugares
persiste apenas o significado de brejo com vegetação de um dos tipos de junco (
tabúa, principalmente), para a palavra piripiri. Ocorreu, assim, u’a metonímia
( no sentido diacrônico, como o termo é aplicado para indicar mudança de
significado da palavra pela semântica histórica) (1).
Em nossa região há vários sítios com o nome de piripiri. O sítio da
cidade de Planalto chamava-se Piripiri Grande; há o Piripirizinho ou Piripiri
Pequeno na encosta noroeste da serra do Piripiri; há outro Piripiri em Iguá, e
outros mais. Enfim, há muitos sítios que derivaram seu nome de um piripiri,
isto é, de um brejo, com tabúa geralmente.
A serra do Piripiri é, no dizer de Alfredo José Porto Domingues, um
monadnock alongado, que é remanescente ( “testemunho”) de uma superfície mais
antiga (2). É que todo o planalto da Conquista representa uma superfície de
erosão e seus monadnocks “testemunham” de certa forma como era a superfície
anterior (3).
A vegetação ora é simplesmente uma vegetação rasteira (gramas, Sianinha,
Palito-de-doutor, musgos, etc), ora de pequeno porte (Cambui, Araça-mirim,
Azedinha, etc), arbustiva, ou composta de espécies presentes em Mata-de-Cipó ou
em “Carrasco”. A parte de Mata de Cipó ou a de carrasco é vegetação decídua ou
parcialmente decídua. A principal formação está no “Poço Escuro”, próximo da
crista da serra, nascente do rio Verruga até parte do vale. Aí está a vegetação
de maior porte da serra.
Há alguns minadouros na serra, dentre os quais o “Poço Escuro” (nascente
do rio Verruga), o “Bebedouro da Toca da Onça”, o “Olho d ‘Água do Benedito”,
etc. Estes minadouros resultam do rastejamento lento do solo de cima para baixo
( ( “creep”, ou cripe), que abriu partes na serra, escavando-a (4).
A serra do Piripiri historicamente é porta de entrada para o local onde
foi edificada a cidade de Vitória da Conquista. Por aí entraram os invasores da
terra Mongoyó. Vieram do rio das Contas ao rio Gavião e deste para o riacho do
Gado Bravo, até a encosta da serra e daí até o vale do riacho da Vitória (rio
Verruga, rio do Poço Escuro).
Na encosta norte/noroeste, teria ocorrido a Guerra de 1753 e o sítio
ficou conhecido com o nome de Batalha, depois fazenda Batalha – um latifúndio
apossado por João Gonçalves da Costa e, depois, de propriedade de seus
descendentes. Em 1857 já estava fracionado.
O latifúndio Batalha, no encosta norte/noroeste e em seu sopé, englobava
diversas glebas, dentre as quais o Piripirizinho, e teve importância: Terra de
alguma água (na encosta nasce o Bebedouro da Toca da Onça, por exemplo), e de
controle da parte inicial do caminho para Minas do Rio das Contas. Foi
latifúndio pecuário e policultor de subsistência.
A serra do Piripiri geralmente é tida como toda a faixa que está acima
de 1.000 metros de altitude ( o ponto mais alto fica em 1.095 metros ou bem
pouco mais). Porque não se considera a serra como espaço a partir de 900 metros
de altitude? – É que a serra situa-se num planalto e só se destaca a partir de
1.000 metros, além de que sua encosta, sobretudo aquela voltada para a cidade,
é muito suave, porisso longa. O quarto degrau de acesso à Igreja Matriz, na
Praça Tancredo Neves, está em altitude de 927 metros. Descamba a serra do
Piripiri de uma altitude de até 1.095 metros (ou um pouquinho mais) suavemente
e é em sua falda que foi edificada a cidade de Vitória da Conquista, antes
Imperial Vila da Vitória, Distrito da Vitória, Arraial de N.S. da Vitórial,
Arraial da Conquista.
Embora em muitas cidades os ricos prefiram a serra, aqui os ricos
preferiram morar na falda. A serra tornou-se morada de pobres.
A serra do Piripiri foi (e ainda é) fonte de materiais com que a cidade
foi construída. Aí há jazidas de pedra, areia fina e de areia grossa. “Areia da
Serra” é nome bem conhecido entre pedreiros, seus ajudantes e construtores de
casas. Aí, a partir de certo momento, homens começaram a fazer “brita” e
vendê-la em porções medidas a latas de 20 litros. Não é errado dizer que quase
toda casa conquistense guarda um pedaço da serra do Piripiri.
A serra forneceu égua com que, durante muito tempo, os moradores
subsistiram: Aí nasce o “Verruga”, no “Poço Escuro”, ou o que os habitantes do
centro da cidade chamavam “O rego”.
A serra fornecia lenha e gravetos (fonte de energia) e ainda os fornece,
embora em menor quantidade. A serra foi local de lazer: piquiniques, caçada de
passarinhos ou de calangos.
A serra participava (de certa forma ainda o faz) da cultura do Natal:
Para a composição (“armação”) do presépio, a serra do Piripiri fornecia a
areia, os “lodos”, o Gravatá, a “Cabeça de Frade”, Palitos-de Doutor…
A serra fornecia à criançada (sobretudo a esta) seus frutos: Garapiá,
Olho de Boi, Araça-mirim, Murta, Azedinha, Azeitona Silvestre, Cambuí,
Guabirabinha…
A serra foi ponto de romaria: Bem cedo alí foi alçado um “cruzeiro” de
madeira (substituído nos anos 60 por um cruzeiro de cimento, um pouco abaixo do
anterior).
O arraial de João Gonçalves da Costa cresceu e virou cidade,
encompridando-se pelas margens tortuosas do Verruga e pelas beiradas dos
caminhos. A serra não seria exceção. Bem cedo a serra fora ferida por estradas,
ou caminhos. A estrada do Choça, um dos caminhos mais antigos (seria verdade
que aí ficava a “pedra do conselho” dos Mongoyós?), a estrada do Gavião ( ou
para o Gavião), os caminhos de São Bernardo e da Preguiça, e, em 1926, a
estrada de rodagem de Conquista a Jequié (início na rua da Corrente -,
“corrente onde era pago o pedágio), estrada das boiadas…
Na beira da estrada para Jequié e na estrada para o Choça surgiram
pouquíssimas casas. Mas, depois, perpendiculares às estradas Conquista a Jequié
e das boiadas surgiram parcelamentos: Na década de 50, o “Loteamento
Universitário” (Giovani Binelli e Iris Silveira), depois o Alto São João ( José
Viana de Jesus e Maria Vitória de Jesus), Nossa Senhora da Vitória (Antonio
Santos Ferraz) a ampliação do Alto Maron, o Bairro Bonfim (Edgar Celino) etc. O
terço superior da encosta começou a ser ocupado e o limite do leito da antiga
estrada para Jequié ( rua da Corrente) foi ultrapassado. Manoel dos Santos
(Manoel do Rádio) e outros apossaram-se de áreas e começaram a vender parcelas
de posse. A partir da década de 70 ampliam-se parcelamentos irregulares a
noroeste (Bairro N.S. Aparecida), com parcelas vendidas por Jovino Santos,
Meneval Custódio, José Soares (Zé Guarda), Valdívio Ferreira, José de Souza
Neto, etc. seguindo a estrada da Batalha, e com arruamentos perpendiculares a
esta, processo que tem continuidade. Em área da antiga “Lisboa”, houve
parcelamento na década de 80, ampliando o bairro Ibirapuera em direção à serra
( Loteamento Bruno Bacelar) etc, etc.
A ocupação do solo para moradia ocorreu inicialmente de forma lenta e
individual. As ocupações multitudinárias e rápidas ocorrem a partir da década
de 80 ( “Bruno Bacelar”, “Cidade Nova”) e tentativas de novas ocupações
multidinárias ocorreram em 1997 e em 1998., impedidas de concretizarem.
Serra caminho, serra energia, serra lazer, serra alimento, serra
trabalho, serra cultura, serra morada, serra romaria.
O homem aos poucos vai tomando consciência da serra do Piripiri: Do seu
embricamento com a comunidade. A serra foi incorporada ao processo de luta pela
sobrevivência do homem-história. A espacialidade urbana conquistense não pode
ser entendida sem a serra. Há historicidade nisso tudo.
A primeira consciência, é aquela do problema, a partir de uma visão
puramente centro-urbana.
De toda a utilização/depredação da serra surgiu a serra-problema: É que,
desbastada de maior parte de sua vegetação, ferida pela exploração de areias e
pedras, ocupada por casas – a serra do Piripiri passou a representar/apresentar
problemas. As águas pluviais passam a descer violentamente da serra para a
cidade, carreando materiais para o centro: pedra, areias, “entulhos” lá
despejados, e dejetos humanos de casas não servidas por esgotos ou fossas
sanitárias vão para o centro da malha urbana. À medida que ocorrem
impermeabilização de sua encosta superior e o desmatamento, as águas descem
mais violentamente. Ora, a serra era vista como um problema para o centro: –
consciência superficial, incompleta.
Logo estabeleceu-se uma contradição econômico-social complexa na relação
da serra com a “cidade”. A serra, que fornece terrenos baratos ( ou sem custo)
para muitos, trabalho a outros, gravetos a outros mais, exploração, água a
muitos, ajudando-os economicamente, torna-se custosa para o município. A cada
chuva, tratores, patróis, caçambas, veículos outros são deslocados e postos em
funcionamento e homens são arregimentados para removerem do centro da cidade o
material despejado pela serra, repor asfalto e calçamento retirados pela força
da água, desentupir galerias assoreadas. É como se pedaços da serra desabassem.
Em partes da serra, valas são feitas para direcionar águas pluviais. Tudo isso
tem um custo. “Duas economias” entram em choque na relação da serra com a cidade,
da serra-cidade com o centro. Remover homens? Tirar “economias”? Continuar
gastando com efeitos sem debelar causas? como conciliar conflitos no espaço,
pelo espaço, contra o espaço?
A política pública centrada na consciência superficial e incompleta foi
contraditória: Decretou a serra como área de proteção ambiental ( J. Pedral,
1994) mas aí locou uma “fábrica” de asfalto e daí retira cascalho para suas
obras. Desapropriou partes da serra, mas permitiu ( por omissão) depredração em
áreas desapropriadas.
É difícil a decisão da política pública sobre a serra. Porisso e por
falta de uma consciência ( além das contradições, é claro) soluções são
adiadas. Prefere-se muitas vezes gastar muito e sempre a gastar para solucionar
o problema, resolvendo a questão daqueles que vivem da serra ( não falo dos
exploradores sociais) ou na serra. Há uma relação contraditória serra-centro.
A serra problema despertou a consciência ecológica, antes da consciência
de sua historicidade, isto é, do saber acerca do envolvimento de homens e
natureza na serra na luta pela sobrevivência e de consequentes resultantes
sociais disso. A consciência ecológica sobre a serra, que esta vê a partir
desta, demorou a propagar-se ( década de 60, embora já nas décadas de 30/40
houvesse preocupação em proteger “O Poço Escuro”). Mas a consciência ecológica
sobre a serra ainda falta resolver uma série de questões. Ainda há
superficialidade que os ecologistas locais saberão superar ( inclusive um olhar
que não seja apenas “sobre a serra”).
O despertamento da consciência ecológica como ponto de partida para a
resolução do problema da serra do Piripiri foi ( e é importantíssimo) e ocorreu
(ocorre) no momento em que a serra já está articulada urbanisticamente à
cidade, o que significa dizer que o problema da consciência ecológica é o de
pensar a serra no contexto da cidade e, ainda mais, da região ( a serra é
divisor natural de águas que se destinam aos rios Pardo – caso do Verruga, por
exemplo – e ao rio das Contas, caso do riacho de Gado Bravo, através do rio
Gavião: – De um lado as águas buscam o rio das Contas, doutro lado demandam o
rio Pardo. A divisão é completada pelas serras do Taquaral e Landim, dentre
outras).
O desafio da consciência ecológica de fazer da serra depredada a “serra
do Piripiri”- isto é, de repor certa harmonia, importa em reocupá-la de forma
diferente, inclusive reocupá-la com vegetação. Mas isso não pode significar uma
visão da serra apenas a partir desta.
A idéia do “Parque da Serra do Piripiri”, que embrionariamente era
pensada por várias pessoas ( sem projeto, com nomes e concepções
diferenciados), sistematizada grandemente pelo denôdo de Avaldo Soares Filho,
biólogo e ecologista, e por seus assessores é passo importante, em tese. Mas há
que definir o seu caráter ( detalhamento e concepção geral, posicionamento no
contexto da cidade, articulações, etc).
Assim é que é necessário saber como ficarão homens (falo daqueles que
são realmente pobres) que vivem na serra ou/e da serra. É necessário detalhar a
forma de articulação ambiental com a cidade ( já que existe uma articulação
atualmente anti-ecológica, mas que é articulação). Não é só a serra, ou a
serra-cidade, que tem impacto sobre o centro, mas o centro tem impacto sobre a
serra. Foram sobretudo intervenções a partir do centro que depredraram a serra.
Algumas daquelas intervenções a partir do centro urbano ( ou que consideram os
efeitos a partir do centro) demonstram como este exerce impacto sobre a serra
(valas para direcionamento de águas, por exemplo). A economia é outro indicador
( muita lenha foi retirada da serra para esquentar os fornos de padarias do
centro, por exemplo). Como resolver um novo caráter de articulação?
Um dos problemas que devem ser resolvidos é o da circulação. Como já foi
dito a serra foi ferida por caminhos, estradas e, depois, ruas. Agora, definida
a APA (Área de Proteção Ambiental), com o projeto “Parque da Serra do Piripiri,
que já recebeu e receberá recursos do IBAMA, grassa a disputa sobre a locação
do “anel viário”, primeira etapa. É como se duas propostas de ambientação
estivessem em disputa ( porém é mais que isso por seu significado). Deve ou
pode o “anel viário” passar sobre área da serra do Piripiri?’É urgente retirar
da Avenida Presidente Dutra a tráfego pesado e intenso que tem custado vidas humanas?
Descaracteriza o projeto APA – “Parque da Serra do Piripiri”- o trecho do anel
viário passar sobre encosta superior da serra quase quatro mil metros?
As perguntas importam em abertura da discussão para um grupo mais amplo
de pessoas, como terminou por ocorrer a partir da intervenção do IBAMA em 12 de
agosto próximo passado, embora de forma não organizada. Mas a chave inicial da
abertura das discussões está no próprio caráter do Projeto Parque da Serra do
Piripiri. Um projeto preservacionista com atividades é diferente de um projeto
preservacionista “inativo”, isto é, de um projeto em que a natureza é deixada
para si mesma. Um projeto preservaciocionista com atividade numa área
fortemente articulada com o centro urbano ( e já parte da malha urbana) é diferente
de um projeto preservacionista de uma área com frouxa articulação com a cidade.
Um projeto de preservação com atividade, próximo de um centro urbano e com este
fortemente articulado (até arterialmente) deve levar em consideração os
problemas desse centro. Um projeto preservacionista com atividade deve levar em
conta interesses da população que circula e de toda a população próxima.
Também ainda precisam ser definidos: Utilização dos caminhos e estradas
na serra ( como ficarão a ligação Cruzeiro BR 116 e a estrada da Batalha,
dentre outras?); como compatibilizar o “Parque” com grandes ou pequenos
equipamentos existentes no local – Hotel, Motel, Edifício e torres da
Telebahia, estação abaixadora de energia elétrica, estações de rádio, etc? Como
estes pagariam ônus de “viver” na serra bem melhorada?
A tentativa de criação de um sistema harmonioso ( acreditem ou não na
possibilidade de harmonia com tantos interesses divergentes) da relação serra
do Piripiri/Centro, começa por gerar desarmonias ( tal é o conjunto de frutos
da contradição que perpassa a sociedade).
A definição do tipo de compatibilização do uso do solo serra-centro
urbano/ serra-cidade/ serra-núcleo urbano e do caráter da APA ( Área de
Proteção Ambiental) deve levar em conta fatores historicamente construídos.
Há pessoas que vivem na serra ou da serra. Com a crise atual, a britação
de pedras aumentou. Como resolver o problema daqueles que fazem britas?
Há, como foi dito, equipamentos de porte na serra do Piripiri, que
importam em permanente tráfego por esta: Hotel, Motel, estação abaixadora de
energia elétrica, prédios de empresas de rádio-difusão, etc. Como combinar o
acesso a tais equipamentos com o uso do “Parque”? Como fica a rede de alta
tensão elétrica que passa pela Serra? – E a “praça” do Cristo?
Como ficarão as “lavadeiras” que usam o “Poço Escuro”? Como ficará a
articulação da cidade com “Lagoa das Flores” e “Choça”?
A remoção da rodovia para o contorno importará em continuar direcionando
águas pluviais para a margem Oeste do atual leito daquela? Que significará para
a serra a transformação de toda a faixa “urbana” da BR116 em avenida?
Como se vê de simples perguntas, uma área de preservação ecológica em
que houve e há grande degradação e em que há substanciais áreas já construídas
deve ter um caráter que permita uma articulação urbana diferenciada. Não se
trata de uma área isolada ou pouco articulada com a malha urbana, seus
habitantes e sua economia. Haverá sempre áreas mais reservadas, mas sempre
ocorrerá área de penetração (deve-se diminuir esta ao máximo) que exigirá
disciplina e fiscalização adequadas e diferenciadas.
Tudo isso deverá ser pensado globalmente já com profunda intuição de
diretrizes urbanas gerais (plano diretor urbano, ou que outro nome tenha).
A razão ecológica, que fica fortemente evidenciada, nas divergências
sobre a locação do anel viário ( corte de cerca de 4.000 metros na serra) é
importantíssima: Qualquer estrada perto de núcleo urbano é vetor de crescimento
deste. Estabelecida a estrada, as pressões de “economia imobiliária” sobre o
poder público são imensas no sentido de modificar ou rever política de uso do
solo. No caso da serra do Piripiri, não é a estrada em si ( aquela já é varada
por estradas, como a própria BR 116), mas as consequências disso, inclusive
valorização de terrenos com consequente dificuldade financeira para
desapropriação futura. Mas não se esquece que animais geralmente são vítimas, o
que implica em adotar-se sistema de proteção.
É bom frisar que a consciência ecológica mobilizou pessoas ( e
mobiliza-as) e tem sido a detonadora de projeto mais completo até hoje
apresentado para proteção da serra. Do ponto de vista político isso tem
relevância.
Também são importantes argumentos daqueles que pensam a circulação e a
necessidade de imediata retirada do tráfego rodoviário do traçado urbano da BR
116 ( Avenida Presidente Dutra) – que também tem sido luta de ambientalistas (
Valter Rocha, André Cairo, por exemplo).
A avenida Presidente Dutra ( BR 116 no perímetro urbano) é hoje o mais
grave exemplo de confusão entre tráfego urbano e tráfego rodoviário. É uma
estrada de rodagem que se tornou avenida, sem deixar de ser o que era. O
crescimento urbano a oeste da rodovia tornou nociva sua permanência onde ora
está; o corte da cidade pelo meio tem sido fonte permanente de engarrafamentos,
acidentes, estresse, poluição, exigência de maiores gastos públicos, e
sobretudo dificuldade de gestão de espaço: sempre há choque entre o DNER, que
administra a rodovia na dimensão rodoviária e o município, que administra a
avenida, na dimensão urbana. Há limitação evidente do poder de administrar a
cidade. Mesmo coisas pequenas – um buraco ou a limpeza de valas – são objeto de
disputa de competência entre duas esferas de poder, ou de justificativa de
omissão. Quem conserta – prefeitura ou DNER?
É necessário transformar imediatamente a faixa urbana da BR 116 em
avenida ( bem articulada com a serra), por muitos motivos de melhor ambiência
urbana e, inclusive, drástica diminuição do tráfego pesado sobre uma das áreas
mais críticas da serra do Piripiri.
Tem-se que combinar duas necessidades: a remoção da rodovia da malha
urbana e a preservação da serra. Mas a preservação desta guardará marcas
irreversíveis de fatores construídos historicamente, que importam em dar-lhe
caráter diferenciado de outras APAS e é esse o desafio: Encontrar o “caráter”
que não negue objetivos propostos para o “Parque da Serra do Piripiri”, mas
entender que a APA (Área de Proteção Ambiental) deve ser diferenciada de outros
modelos existentes por força de transformações historicamente ocorridas na
serra. A complexidade de que hoje se reveste a relação da serra com a malha
urbana indica que o fundamental é a compatibilização do traçado do anel, mesmo
que sobre pequeno trecho da serra, com a proteção desta em sua múltipla
articulação com a cidade. Nada vem isolado.
A serra, ainda quase não estudada, desafia nossa consciência: –
precisamos conhecê-la.
Notas
(1) “A semântica histórica passou a aplicar o termo metonímia num
sentido diacrônico, para indicar a mudança de significação que resulta do
emprego sistemático de uma palavra em metonímia, de tal sorte que pouco a pouco
se perde a relação entre esse emprego e a significação específica, resultando
daí a mudança do campo semântico para a palavra”( J. Matoso Câmara –
“Dicionário de Linguística e Gramática, Vozes, 1981). Embora possa dizer-se que
o emprego do todo pela parte, e do conteúdo pelo continente sejam exemplos de
sinédoque, não se deve esquecer que a metonímia compreende a sinédoque.
(2) Alfredo José Domingues e Elza Coelho Souza Keller – “Bahia, Guia de
excursão nº 6”, CNG, 1958.
(3) “Monadnock. Elevação residual que resiste mais à erosão em áreas
peneplanizadas” (Céurio de Oliveira – “Dicionário Cartográfico”, IBGE, 1983).
(4) “Creep” ou Rastejamento. Movimento coletivo lento de solo de rocha
decomposta (….) – Antonio Teixeira Guerra – “Dicionário Geológico –
Geomorfológico”, IBGE, 1987.
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