terça-feira, 22 de maio de 2012


Os Fundamentos da Invasão Territorial
17th/jan/2009 . 12:37 am 

Ruy Medeiros
a) Situação de Portugal – Sua decadência – Tutela Inglesa
b) O Ouro – Papel desempenhado na Conquista Territorial.
c) A Pecuária – Interiorização dos rebanhos.
Torna-se necessário, de imediato, que se faça a fixação dos fundamentos e causas determinantes da invasão territorial do Sertão de Ressaca, onde foi inventado o Município de Vitória da Conquista.
A grande influência da ordem privada e o incentivo que esta tradicionalmente recebeu do poder público português no processo de colonização brasileiro, desde os primórdios de nossa história, explicam, em parte, a penetração sertaneja nos fins do século XVIII e inícios do século XIX. Entretanto, se a ordem privada é efetivadora do processo, durante largo tempo, razões de Estado, entre as quais motivações de ordem fiscal e econômica servem-lhe ora de suporte, ora de complemento.
O processo de desbravamento e colonização do Sertão de Ressaca é, portanto, misto em suas origens: ordem privada e ordem pública, consciente ou inconscientemente, estavam aliadas, sofrendo, no entanto, influência da conjuntura internacional do tempo e da divisão mundial de funções econômicas, principalmente no que diz respeito à situação de dependência de Portugal para com a Inglaterra.
Cumpre analisar os aspectos daquele processo, separada e conjuntamente, e atingir a explicação adequada para o fato de um punhado de homens adentrar o sertão e nele criar um povoado – arrostando dificuldades -, que se transformará em centro regional de indiscutível importância.
Mister se faz explicitar como os interesses de ordem pública, em combinação harmônica com os interesses de ordem privada, o papel desempenhado pela difícil situação portuguesa naquela época e razões de Estado, originando um movimento de penetração interiorana, deram como resultante a criação de um povoado, no sertão, origem do Município de Vitória da Conquista. Para tanto, por ordem, os diversos fatores que impulsionam o processo de penetração interiorana, responsável por aquela resultante, serão abaixo analisados.
Assim, resumidamente, serão alinhados a situação de Portugal, o papel desempenhado pela busca do ouro e a pecuária, no que contribuiram para a colonização sertaneja, capítulo em que se inserem os primórdios de Vitória da Conquista.
a. A situação de Portugal – Sua decadência – Tutela Inglesa.
É indispensável verificar a situação de Portugal. Indubitavelmente, esse País, desde a segunda metade do século XVII, não mais representava uma potência econômica. Atrelado aos interesses da política externa da Inglaterra, desta dependente, desde já há algum tempo, submete-se ainda mais quando a formalização do Tratado deMethuen (1703) fez abortar qualquer tentativa de expansão e desenvolvimento de manufaturas nacionais e transformou, aos poucos, todo o País em segmento da economia inglesa a qual lançava os alicerces primeiros de poderoso futuro império.
Realmente, aquela dependência econômica explica todo o processo de super-exploração ( e espoliação) a que Portugal passou a submeter sua colônia americana (nas regiões auríferas, principalmente) e a retomada do esforço colonizatório, voltado para novas áreas capazes de gerarem fluxo regular de tributos em direção ao erário real.
Como se manifestava o domínio inglês? Em que consistia o Tratado de methuen?
- São perguntas que podem ser respondidas conjuntamente> De si, a decadência de Portugal, para o que contribuíram o demorado Domínio Espanhol e suas posteriores divergências com a Espanha, já o tinham debilitado, tornando-o manobrável por potência que se dispusesse a tal esforço. Perdido o monopólio da produção e do comércio açucareiro, a situação agravou-se.
A Inglaterra, cujo crescimento econômico acentuara-se com a ampliação das manufaturas e a substituição das antigas oficinas de feitio medieval por forma mais moderna de produção, valendo-se da timidez da política externa francesa e da mágoa queesta causara a Portugal, deste aproximou-se e iniciou um período fecundo de boas relações diplomáticas.
Os esforços de Luiz XIV em restabelecer o liame de amizade entre Portugal e França foram baldados. As hábeis negociações de Sotwell, aproximando Inglaterra de Portugal, abriram o caminho ao Tratado de Methuen, passo fundamental para o inconteste domínio de Portugal pela economia inglesa.
Embora escrevendo ainda sob o peso de concepções historiográficas de seu tempo, Bouchot, em 1853, percebeu que em 1703 Portugal se precipitara cegamente nos braços da Inglaterra: “Sob o domínio dos reis hespanhoes soffrera; com os Braganças deffinhou; dahi em diante não foi mais que uma colônia, uma feitoria, uma exploração ingleza”.
O tratado de Methuen, assinado em 27 de dezembro de 1703, estabelecia, em síntese, que os panos e manufaturas de primeira ingleses seriam admitidos em Portugal e que a Inglaterra concederia vantagens aduaneiras aos vinhos importados daquele País.
Portugal alimentava a esperança de reanimar, com o referido Tratado, a sua agricultura, abrindo-lhe promissor mercado inglês. Tal não ocorreu. A Inglaterra não se tornou grande consumidora de vinhos portugueses e, em contrapartida, iniciou a exportação de tecidos e, logo mais, de uma série de produtos necessários aos portugueses, massacrando com sua poderosa concorrência a possibilidade de produção autônoma de manufaturas em Portugal.
Se a Inglaterra, com sua tutela econômica desenpenhou seu papel para o atraso português, outros fatores respondiam pela decadência econômica. É que os interesses da agricultura pesavam sobre o governo português ao invés de interesses manufatureiros e Portugal perdera o monopólio da produção e do comércio açucareiro. Além disso, a substituição de Portugal por Holandeses, franceses e ingleses, no Oriente, apressava-se e, mesmo no tempo do grande fluxo de ouro do Brasil para Portugal, a perda de colônias na Índia não pôde ser evitada, pois o metal precioso não foi empregado na consolidação e conservação do império colonial português. O Governo de D. João V presenciou a expulsão dos portugueses de Sandomir, Salsete, Tana, Baçaim, serapura, Karanga. A situação no oriente abria perspectivas amplas ao domínio de outras potências européias. Assim, o campo de manobra e projeção da economia portuguesa ia-se tornando estreiro e rerefeito.
O momento histórico e a conjuntura econômica geraram, então, o processo de superespoliação da colônia na América (sobretudo nas regiões do ouro) e a preocupação em reativar a colonização do Brasil.
No sentido de minorar sua decadência e de atender a seus compromissos com a Inglaterra, Portugal depositou toda a esperança na procura e extração de metais preciosos e na abertura de novas atividades econômicas primárias em sua colônia americana, conforme será demonstrado a seguir.
b. O ouro – Papel desempenhado na Conquista Territorial.
No que diz respeito ao metal precioso, observou-se que condições exógenas (dificuldades econômicas em Portugal) fizeram com que o Governo português nele depositasse toda a esperança. Começou o ouro a ser procurado mais intensamente e foi em grande parte o ciclo de sua busca pelo interior que determinou a invasão territorial do Sertão de Ressaca, entre outras regiões, pela população colonial portuguesa.
Se, entretanto, o ouro era desejado e sua extração indispensável a Portugal (e aos ingleses), há uma face interna que explica o desenvolver do processo de sua procura. É que a espantosa pobreza da população de origem portuguesa sediada na colônia, sua luta pela sobrevivência, a pouca rentabilidade das atividades agrícolas (principalmente no setor da agricultura de subsistência), a consciência da distância da metrópole e a tradicional política desta em amparar os interesses privados, dirigiam a população e incentivavam-na a varar sertões a cata da esperada riqueza metalífera. A população colonial percebia intuitivamente que o Governo português, à volta com dificuldades, sofrendo intensa influência de ordem privada, iria continuar a deferir à iniciativa privada a exploração econômica, inclusive a do outro, de forma recompensável.
Apesar de saber que o fisco agiria com um conjunto de meios para compelir a entrada larga e maciça de recursos no erário público, notava a população colonial que ela teria sua grande parcela nas benesses da atividades econômica que se descortinara, já como realidade, em fins do século XVII e inícios do século XVIII.
Não faltaram ordens da metrópole para que se vasculhasse o hinterland na cata de metais preciosos. Mas, também, de moto próprio, premida por determinantes endógenas, a população colonial empenhara-se no mesmo objetivo, inclusive em direção aos sertões baianos e, no que interessa agora, ao sertão de Ressaca, onde irá consolidar-se, vencendo a resistência indígena, núcleo populacional, povoado, vila e, depois, cidade de Vitória da Conquista.
É certo que, após encontrado o ouro, as largas quantidades desse metal enviadas à metrópole nunca satisfaziam a Portugal. E é explicá’vel: a dependência à economia inglesa drenava todo o metal precioso de origem brasileira para a Inglaterra. O ouro brasileiro, assim, financiava a industrialização inglesa e não modernizava Portugal, nunca sendo suficiente para este. Daí porque, cada vez mais era necessário ouro para a metrópole, o que, em termos de comportamento de população, significava, na Colônia, a invasão de terras sob o controle indígena, ainda mais quando a forte pressão tributária, que começa a causar revoltas, recomenda a redistribuição populacional. Não é por acaso que nas origens de Jequié e, de certa forma, de Vitória da Conquista, se encontrem pessoas perseguidas politicamente da região das minas.
A motivação do ouro, por fatores endógenos e exógenos, determinou, junto a outros condicionantes, que serão estudados a seu tempo, a penetração de pessoas no sertão, origem de núcleo populacional que está na base de Vitória da Conquista, principalmente quando começara a decair a produção daquele metal em áreas tradicionais (Minas Gerais, Minas de Rio de Contas, etc.).
A invasão não é explicada apenas pela procura do ouro, pois a dinâmica interna da economia da colônia, ainda aliada aos interesses do fisco português, alimentaram o processo invasor.
Foi o gado o outro componente básico daquele processo.
c. A pecuária – Interiorização dos Rebanhos.
É indispensável o sumário do surgimento e prolongação da economia pecuária através de seus traços básicos, que interessem à compreensão do fenômeno da ocupação da terra sertaneja.
Inicialmente, a criação do gado era apenas atividade subsidiária da economia açucareira. O gado era componente dos serviços de transporte no complexo açucareiro e, às vezes, elemento de tração de alguns engenhos. Sua existência estava associada à economia açucareira, assentada próximo ao litoral. Entretanto, as potencialidades econômicas entrevistas com a exploração de couro e, secundariamente, produção de carnes para a população em crescimento, fizeram surgir aos poucos rebanhos em número superior às necessidades do engenho. Daí o estabelecimento de uma atividade econômica semi-autônoma vai um passo. Surgem as fazendas.
Ocorre, no entanto, que os conflitos gerados entre agricultores e criadores, pela invasão efetiva ou potencial do gado em terrenos entregues à agricultura, numa época em que o latifúndio açucareiro detinha o poder econômico e se articulava politicamente solidário à metrópole, fez com que o gado fosse tangido para o interior. Houve, aliás, determinação nesse sentido por parte da autoridade real.
A apreensão privada da terra pelo latifúndio açucareiro, próximo à faixa litorânea, as incompatibilidades surgidas entre atividades pecuária semi-autônoma e atividade açucareira, a necessidade de pastos em grande quantidade (criação extensiva) e, depois, as necessidades de subsistência das regiões de ouro (Jacobina e Rio de Contas, na Bahia) apontaram para o gado o caminho do sertão.
Não só pelos motivos expostos acima, o gado começou a ocupar o interior: o povoamento do sertão, a implantação da economia pecuária no interior, correspondem ainda aos interesses e necessidades fiscais da coroa, tendo em vista as causas alinhadas acima quando foi estudado o papel desempenhado pela procura do ouro. Também no caso do gado o poder público lançou a ordem privada no trabalho de colonização, necessário ao fisco, mas lhe concedeu recompensa e regalias através de doação de terras. Esta política de aliança entre ordem pública e ordem privada é visível no desenrolar da ocupação da grande zona conquistense.
Ao papel desempenhado pela busca do ouro, não encontrado na região de Conquista – exceto em pequenas amostras -, e pela atividade pecuária, juntaram-se, no que diz respeito à localização do primitivo núcleo populacional, razões de estado. É certo que em fins do século XVIII e inícios do século XIX o Governo estava seriamente interessado na fixação de um povoado a meio caminho entre o litoral e o distante sertão, na Bahia.
O gado e atividades subsidiárias surgidas em torno de sua criação garantiram o sucesso da manutenção de um núcleo populacional, origem do Município de Vitória da Conquista.
Ruy Medeiros – Vitória da Conquista, 18 de outubro de 1977 _ FIFÓ – 9,0

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