Os
Fundamentos da Invasão Territorial
17th/jan/2009 . 12:37 am
Ruy Medeiros
a) Situação de Portugal – Sua decadência
– Tutela Inglesa
b) O Ouro – Papel desempenhado na
Conquista Territorial.
c) A Pecuária – Interiorização dos
rebanhos.
Torna-se necessário, de imediato, que se faça a fixação dos fundamentos
e causas determinantes da invasão territorial do Sertão de Ressaca, onde foi
inventado o Município de Vitória da Conquista.
A grande influência da ordem privada e o incentivo que esta
tradicionalmente recebeu do poder público português no processo de colonização
brasileiro, desde os primórdios de nossa história, explicam, em parte, a
penetração sertaneja nos fins do século XVIII e inícios do século XIX.
Entretanto, se a ordem privada é efetivadora do processo, durante largo tempo,
razões de Estado, entre as quais motivações de ordem fiscal e econômica
servem-lhe ora de suporte, ora de complemento.
O processo de desbravamento e colonização do Sertão de Ressaca é,
portanto, misto em suas origens: ordem privada e ordem pública, consciente ou
inconscientemente, estavam aliadas, sofrendo, no entanto, influência da conjuntura
internacional do tempo e da divisão mundial de funções econômicas,
principalmente no que diz respeito à situação de dependência de Portugal para
com a Inglaterra.
Cumpre analisar os aspectos daquele processo, separada e conjuntamente,
e atingir a explicação adequada para o fato de um punhado de homens adentrar o
sertão e nele criar um povoado – arrostando dificuldades -, que se transformará
em centro regional de indiscutível importância.
Mister se faz explicitar como os interesses de ordem pública, em
combinação harmônica com os interesses de ordem privada, o papel desempenhado
pela difícil situação portuguesa naquela época e razões de Estado, originando
um movimento de penetração interiorana, deram como resultante a criação de um
povoado, no sertão, origem do Município de Vitória da Conquista. Para tanto,
por ordem, os diversos fatores que impulsionam o processo de penetração
interiorana, responsável por aquela resultante, serão abaixo analisados.
Assim, resumidamente, serão alinhados a situação de Portugal, o papel
desempenhado pela busca do ouro e a pecuária, no que contribuiram para a
colonização sertaneja, capítulo em que se inserem os primórdios de Vitória da
Conquista.
a. A situação de Portugal – Sua
decadência – Tutela Inglesa.
É indispensável verificar a situação de Portugal. Indubitavelmente, esse
País, desde a segunda metade do século XVII, não mais representava uma potência
econômica. Atrelado aos interesses da política externa da Inglaterra, desta
dependente, desde já há algum tempo, submete-se ainda mais quando a
formalização do Tratado deMethuen (1703) fez abortar qualquer tentativa de
expansão e desenvolvimento de manufaturas nacionais e transformou, aos poucos,
todo o País em segmento da economia inglesa a qual lançava os alicerces primeiros
de poderoso futuro império.
Realmente, aquela dependência econômica explica todo o processo de
super-exploração ( e espoliação) a que Portugal passou a submeter sua colônia
americana (nas regiões auríferas, principalmente) e a retomada do esforço
colonizatório, voltado para novas áreas capazes de gerarem fluxo regular de
tributos em direção ao erário real.
Como se manifestava o domínio inglês?
Em que consistia o Tratado de methuen?
- São perguntas que podem ser respondidas conjuntamente> De si, a
decadência de Portugal, para o que contribuíram o demorado Domínio Espanhol e
suas posteriores divergências com a Espanha, já o tinham debilitado, tornando-o
manobrável por potência que se dispusesse a tal esforço. Perdido o monopólio da
produção e do comércio açucareiro, a situação agravou-se.
A Inglaterra, cujo crescimento econômico acentuara-se com a ampliação
das manufaturas e a substituição das antigas oficinas de feitio medieval por
forma mais moderna de produção, valendo-se da timidez da política externa francesa
e da mágoa queesta causara a Portugal, deste aproximou-se e iniciou um período
fecundo de boas relações diplomáticas.
Os esforços de Luiz XIV em restabelecer o liame de amizade entre
Portugal e França foram baldados. As hábeis negociações de Sotwell, aproximando
Inglaterra de Portugal, abriram o caminho ao Tratado de Methuen, passo
fundamental para o inconteste domínio de Portugal pela economia inglesa.
Embora escrevendo ainda sob o peso de concepções historiográficas de seu
tempo, Bouchot, em 1853, percebeu que em 1703 Portugal se precipitara cegamente
nos braços da Inglaterra: “Sob o domínio dos reis hespanhoes soffrera; com os
Braganças deffinhou; dahi em diante não foi mais que uma colônia, uma feitoria,
uma exploração ingleza”.
O tratado de Methuen, assinado em 27 de dezembro de 1703, estabelecia,
em síntese, que os panos e manufaturas de primeira ingleses seriam admitidos em
Portugal e que a Inglaterra concederia vantagens aduaneiras aos vinhos
importados daquele País.
Portugal alimentava a esperança de reanimar, com o referido Tratado, a
sua agricultura, abrindo-lhe promissor mercado inglês. Tal não ocorreu. A
Inglaterra não se tornou grande consumidora de vinhos portugueses e, em
contrapartida, iniciou a exportação de tecidos e, logo mais, de uma série de
produtos necessários aos portugueses, massacrando com sua poderosa concorrência
a possibilidade de produção autônoma de manufaturas em Portugal.
Se a Inglaterra, com sua tutela econômica desenpenhou seu papel para o
atraso português, outros fatores respondiam pela decadência econômica. É que os
interesses da agricultura pesavam sobre o governo português ao invés de
interesses manufatureiros e Portugal perdera o monopólio da produção e do
comércio açucareiro. Além disso, a substituição de Portugal por Holandeses,
franceses e ingleses, no Oriente, apressava-se e, mesmo no tempo do grande
fluxo de ouro do Brasil para Portugal, a perda de colônias na Índia não pôde
ser evitada, pois o metal precioso não foi empregado na consolidação e
conservação do império colonial português. O Governo de D. João V presenciou a
expulsão dos portugueses de Sandomir, Salsete, Tana, Baçaim, serapura, Karanga.
A situação no oriente abria perspectivas amplas ao domínio de outras potências
européias. Assim, o campo de manobra e projeção da economia portuguesa ia-se
tornando estreiro e rerefeito.
O momento histórico e a conjuntura econômica geraram, então, o processo
de superespoliação da colônia na América (sobretudo nas regiões do ouro) e a
preocupação em reativar a colonização do Brasil.
No sentido de minorar sua decadência e de atender a seus compromissos
com a Inglaterra, Portugal depositou toda a esperança na procura e extração de
metais preciosos e na abertura de novas atividades econômicas primárias em sua
colônia americana, conforme será demonstrado a seguir.
b. O ouro – Papel desempenhado na
Conquista Territorial.
No que diz respeito ao metal precioso, observou-se que condições
exógenas (dificuldades econômicas em Portugal) fizeram com que o Governo
português nele depositasse toda a esperança. Começou o ouro a ser procurado
mais intensamente e foi em grande parte o ciclo de sua busca pelo interior que
determinou a invasão territorial do Sertão de Ressaca, entre outras regiões,
pela população colonial portuguesa.
Se, entretanto, o ouro era desejado e sua extração indispensável a
Portugal (e aos ingleses), há uma face interna que explica o desenvolver do
processo de sua procura. É que a espantosa pobreza da população de origem
portuguesa sediada na colônia, sua luta pela sobrevivência, a pouca
rentabilidade das atividades agrícolas (principalmente no setor da agricultura
de subsistência), a consciência da distância da metrópole e a tradicional
política desta em amparar os interesses privados, dirigiam a população e incentivavam-na
a varar sertões a cata da esperada riqueza metalífera. A população colonial
percebia intuitivamente que o Governo português, à volta com dificuldades,
sofrendo intensa influência de ordem privada, iria continuar a deferir à
iniciativa privada a exploração econômica, inclusive a do outro, de forma
recompensável.
Apesar de saber que o fisco agiria com um conjunto de meios para
compelir a entrada larga e maciça de recursos no erário público, notava a
população colonial que ela teria sua grande parcela nas benesses da atividades
econômica que se descortinara, já como realidade, em fins do século XVII e
inícios do século XVIII.
Não faltaram ordens da metrópole para que se vasculhasse o hinterland na
cata de metais preciosos. Mas, também, de moto próprio, premida por
determinantes endógenas, a população colonial empenhara-se no mesmo objetivo,
inclusive em direção aos sertões baianos e, no que interessa agora, ao sertão
de Ressaca, onde irá consolidar-se, vencendo a resistência indígena, núcleo
populacional, povoado, vila e, depois, cidade de Vitória da Conquista.
É certo que, após encontrado o ouro, as largas quantidades desse metal
enviadas à metrópole nunca satisfaziam a Portugal. E é explicá’vel: a
dependência à economia inglesa drenava todo o metal precioso de origem
brasileira para a Inglaterra. O ouro brasileiro, assim, financiava a
industrialização inglesa e não modernizava Portugal, nunca sendo suficiente
para este. Daí porque, cada vez mais era necessário ouro para a metrópole, o
que, em termos de comportamento de população, significava, na Colônia, a
invasão de terras sob o controle indígena, ainda mais quando a forte pressão
tributária, que começa a causar revoltas, recomenda a redistribuição
populacional. Não é por acaso que nas origens de Jequié e, de certa forma, de
Vitória da Conquista, se encontrem pessoas perseguidas politicamente da região
das minas.
A motivação do ouro, por fatores endógenos e exógenos, determinou, junto
a outros condicionantes, que serão estudados a seu tempo, a penetração de
pessoas no sertão, origem de núcleo populacional que está na base de Vitória da
Conquista, principalmente quando começara a decair a produção daquele metal em
áreas tradicionais (Minas Gerais, Minas de Rio de Contas, etc.).
A invasão não é explicada apenas pela procura do ouro, pois a dinâmica
interna da economia da colônia, ainda aliada aos interesses do fisco português,
alimentaram o processo invasor.
Foi o gado o outro componente básico
daquele processo.
c. A pecuária – Interiorização dos
Rebanhos.
É indispensável o sumário do surgimento e prolongação da economia
pecuária através de seus traços básicos, que interessem à compreensão do
fenômeno da ocupação da terra sertaneja.
Inicialmente, a criação do gado era apenas atividade subsidiária da
economia açucareira. O gado era componente dos serviços de transporte no
complexo açucareiro e, às vezes, elemento de tração de alguns engenhos. Sua
existência estava associada à economia açucareira, assentada próximo ao
litoral. Entretanto, as potencialidades econômicas entrevistas com a exploração
de couro e, secundariamente, produção de carnes para a população em
crescimento, fizeram surgir aos poucos rebanhos em número superior às
necessidades do engenho. Daí o estabelecimento de uma atividade econômica
semi-autônoma vai um passo. Surgem as fazendas.
Ocorre, no entanto, que os conflitos gerados entre agricultores e
criadores, pela invasão efetiva ou potencial do gado em terrenos entregues à
agricultura, numa época em que o latifúndio açucareiro detinha o poder econômico
e se articulava politicamente solidário à metrópole, fez com que o gado fosse
tangido para o interior. Houve, aliás, determinação nesse sentido por parte da
autoridade real.
A apreensão privada da terra pelo latifúndio açucareiro, próximo à faixa
litorânea, as incompatibilidades surgidas entre atividades pecuária
semi-autônoma e atividade açucareira, a necessidade de pastos em grande
quantidade (criação extensiva) e, depois, as necessidades de subsistência das
regiões de ouro (Jacobina e Rio de Contas, na Bahia) apontaram para o gado o
caminho do sertão.
Não só pelos motivos expostos acima, o gado começou a ocupar o interior:
o povoamento do sertão, a implantação da economia pecuária no interior,
correspondem ainda aos interesses e necessidades fiscais da coroa, tendo em
vista as causas alinhadas acima quando foi estudado o papel desempenhado pela
procura do ouro. Também no caso do gado o poder público lançou a ordem privada
no trabalho de colonização, necessário ao fisco, mas lhe concedeu recompensa e
regalias através de doação de terras. Esta política de aliança entre ordem
pública e ordem privada é visível no desenrolar da ocupação da grande zona
conquistense.
Ao papel desempenhado pela busca do ouro, não encontrado na região de
Conquista – exceto em pequenas amostras -, e pela atividade pecuária,
juntaram-se, no que diz respeito à localização do primitivo núcleo
populacional, razões de estado. É certo que em fins do século XVIII e inícios
do século XIX o Governo estava seriamente interessado na fixação de um povoado
a meio caminho entre o litoral e o distante sertão, na Bahia.
O gado e atividades subsidiárias surgidas em torno de sua criação
garantiram o sucesso da manutenção de um núcleo populacional, origem do
Município de Vitória da Conquista.
Ruy Medeiros – Vitória da Conquista,
18 de outubro de 1977 _ FIFÓ – 9,0
Nenhum comentário:
Postar um comentário