Os Mongoiós e
seu Destino
17th/jan/2009 . 9:00 pm
Ruy Medeiros
O ensaio desta
semana é o estudo breve de uma nação livre e rebelde, mas que, aliando-se ao
invasor estrangeiro, foi explorada e varrida para sempre da face da terra.
“Retirados no fundo das florestas sombrias onde foram esconder sua
vergonha e seus desesperos, após inútil mas corajosa e tenaz defesa de seu
território invadido pelos portugueses, continuam, embora atualmente
disseminados, sempre ciosos dos encantos da independência” (Jean Baptista
Debret, Viagem Pitoresca e Histórica doBrasil).
LOCALIZAÇÃO E CONTINGENTE
POPULACIONAL
A nação mongoió ocupava extensa faixa do sertão de Ressaca, país que
demora entre o Rio de Contas e o Rio Pardo. A invasão portuguesa na área,
principalmente na região hoje compreendida pelos Municípios de Vitória da
Conquista e Itambé, encontrou neles forte oposição.
Os documentos mais antigos estimam a população mongoió daquela faixa
territorial em mais de duas mil almas. Aliás, ofício do ouvidor da Comarca de
Ilhéus, Francisco Nunes da Costa, para o governo interino da Bahia, datado de 6
de agosto de 1783, depois de noticiar que João Gonçalves da Costa descobrira 5
aldeias mongoiós no Prado, atesta que “se compõem as mesmas aldeias de mais de
duas mil almas e que entre eles se acham alguns escravos fugitivos”.
Spix e Martius, sobre o contingente populacional dos Mongoiós,
escrevenso por volta do ano de 1817, dizem que “a nação dos Camacans (vocábulo
que os portugueses também grafam Camacães e ainda sendo tais silvícolas
chamados pelos nomes de mongoioz, Mongoyós ou monxocós) vive entre o Rio de
Contas e o Rio Pardo. O seu número total é avaliado em 2.000 almas, porém isso
não pode ser aceito como exato, porque eles moram em palhoças isoladas ou
reunidos em rancharias, dispersas nas matas e mudam também de uma localidade
para outra”.
Observe-se que os naturalistas referem-se a dado de 1817, quando aqui
estiveram, o que equivale dizer que são números de uma época em que a nação
mongoió já tinha sofrido efeito das guerras contra si movidas pelos
portugueses, pelos imborés e pataxós, além do acréscimo de mortalidade por
doenças que os brancos trouxeram para a região, sobretudo a varíola.
Considerando-se os dados do ofício do ouvidor, para apenas cinco
aldeias, e outros documentos da época, não é demais supor uma população de
quase quatro mil habitantes para a nação dos mongoiós.
CONTATOS COM OS PORTUGUESES
Inicialmente, os mongoiós não entraram em confronto direto contra o
invasor português. À medida, entretanto, que a atividade de produção portuguesa
começou a apresentar perigo para sua futura subsistência, eles lutaram
cruamente pela defesa de seu país.
Documentos da época nos dão notícia de contatos
relativamente pacíficos, alternando com relacionamentos de guerra declarada
entre mongoiós e portugueses.
O citado ofício de 1783, período em que já havia fazendas de gado na
área, os decreve como “gentio, de tão bom carácter, que vive em sociedade, com
plantações de bananas, batatas, inhames, toda sorte de fava e feijão e até cana
de assucar, o que constitue huma nação dócil e fácil de reduzir”.
Mas a atividade pecuária extensiva, feita em condições rudimentares,
necessitava dominar grande área, em detrimento das regiões ocupadas pelos
mongoiós em sua atividade econômica de caça e pesca e de agricultura de
subsistência.
No primeiro período, o invasor português está interessado em, sempre que
possível, manter relativa paz. O fato de os mongoiós serem também agricultores,
como certificam antigos documentos, garantiria a subsistência dos portugueses
em seu período inicial de implantação na região. Os mongoiós que, nesta fase,
ainda não percebem a ameaça representada pelos portugueses à sua organização
econômica, apresentam-se “dóceis e fáceis de reduzir”. O ofício de 1783 nos
indica que João Gonçalves fez “proposição de os conservar em seu mesmo
território”.
Ocorre, entretanto, que as fazendas de gado vão se estabelecendo. Há
evidência destas fazendas desde antes de 1780, pois ofício do ex-Governador da
Bahia, Manuel da Cunha Menezes, para Martinho de Melo e Castro, datado de 12 de
agosto de 1780, diz a certa altura: “Este foi o modo porque soube que naquela
capitania havia creação de gados e querendo dar-lhe providência, não só para
que tivessem gados para a lavoura, mas também para a extracção das madeiras, em
abundância na mesma capitania e na que segue para o sul de Porto Seguro, que
igualmente corre a mesma sorte de se desprezarem as preciosidades que encerrão:
lembrei-me de abrir uma estrada, que em linha recta cortasse pelo meio a
Capitania até sahir na estrada geral do Rio S. Francisco, para cujo effeito,
tendo notícia de hum homem que com sua família vivia nas cabeceiras da citada
capitania, no sertão da ressaca, chamado João Gonçalves, o qual, obrigando-se,
não sei o motivo, para aquele deserto por dilatado tempo, não logrou ver fructo
do seu trabalho, pois lho roubavam os índios bravos e as onças que eram em grande
número, mas como se lhe foram agregando alguns casaes de índios domésticos e
teve com que comprar alguns escravos; hoje tem no rancho mais de 60 pessoas e
vivem socegados das primeiras perturbações e rodeados das fazendas de gado com
que fornecem os açougues da Villa de Jaguaribe, povoação de Nazareth e Aldea,
tendo a fazer dilatado caminho para lhe introduzir os gados”.
DESLEALDADE DA GUERRA
Em fins do século XVIII, período em que os portugueses já se
consideravam instalados definitivamente e em que os mongoiós sentiram mais de
perto a ameaça portuguesa para sua sobrevivência, pela apreensão privada da
terra e substituição da atividade econômica, houve uma série de lutas cruéis. O
invasor queria a terra; o gentio defendia o espaço físico necessário à sua
sobrevivência. As batalhas se sucederam principalmente em Panelas, Porcos e
Sucesso. Foram os mongoiós derrotados e seguiu-se período detrégua.
De 1803 a 1806, a luta recrudesce. É deste período o “banquete da
morte”patrocinado por João Gonçalves da Costa. O fato é descrito por
Maximiliano de Wied Neuwieda da seguinte forma:
“Finalmente, depois de ter concluido um acordo com aqueles selvagens e
começado a constituir o seu estabelecimento, notou que os seus soldados
diminuiam dia para dia; acabou por vir a saber que os índios os atraiam, cada
qual por sua vez, no interior da mata, sob um pretexto qualquer, e aí os
matavam (….) Depois de ordenar a seus homens que tivessem as armas prontas,
convidou todos os selvagens para uma festa e, enquando confiadamente se
entregavam à alegria, foram cercados de todos os lados e quasi todos mortos.
Depois disso, os selvagens embrenharam-se nas matas, e o arraial conseguiu
repouso e segurança”.
Sabe-se, igualmente, que os portugueses utilizavam-se do ataque de
surpresa às tribos, enquanto desarmados dormiam os mongoiós e que,
conscientemente, expunham, nas matas, roupas antes usadas por doentes a fim de
que os índios, vestindo-as, fossem contaminados pelas doenças dos brancos.
Os fatos mereceram de Durval Vieira de Aguiar o seguinte comentário: “A
maior arma d’essas guerras foi sempre traição, que tanto noduou a coragem e os
serviços prestados por esses esploradores, destacando-se, dentre muitos casos,
o facto de ter em uma outra noute aw introduzido o Mestre de Campo e sua gente
em uma aldeia onde, durante o somno dos caboclos, cortarão-lhes traiçoeiramente
as cordas dos arcos, para depois de indefesos, exterminal-os. Por outra ocasião
convidarão os innocentes índios para um festim, onde, depois de os embriagarem,
lhe fez o Mestre de Campo e sua gente uma horrível matança. Repugna-nos
descrever estas covardes atrocidades deslustradoras dos feitos de homens, que,
por serviços a pátria tem a história o dever de exaltar”.
ALIANÇA COM OS PORTUGUESES
A fase seguinte, a partir de 1806, oferece dificuldades para os
mongoiós. Pressionados pelos portugueses, são obrigados a se situarem mais
longe do atual município de Vitória da Conquista, o que equivale também dizer
mais próximo de áreas de maior incursão de Imborés e Pataxós, seus inimigos, em
atividades de caça e pesca. Passam a sofrer pressões dos portugueses e
hostilidades cruéis daquelas tribos. Em 1806, quando João Gonçalves da Costa,
Antonio Dias de Miranda e seus soldados descem para efetuar a conquista do Rio
pardo, coincidentemente terão que presenciar luta entre Imborés e Mongoiós. Diz
o próprio João Gonçalves da Costa, em sua “Memoria summaria a compediosa da
Conquista do Rio Pardo”: “O mesmo Victorio noticiou aos officiaes da tropa de
conquistadores, que d’ali para o centro havia uma antiga lavra de ouro, cuja
notícia lhes cauzou grande admiração, tanto pela distancia em que se acha, como
por serem aquelas incultas terras tão batidas de gentios de outras Naçõens e
tão bárbaros: movidos todos da curiozidade e gosto de communicarem huma
verdadeira novidade, resolverão hir examinar ocularmente a dita lavra.
Marcharão para ella levando juntamente o noticiador e outros da mesma Nação, e
caminhando 2 dias incompletos, quando já se achavão perto da lavra, encontrarão
huma tropa de gentios, de Nação Botocudos, e por outro nome Imborés ou Amorés,
estes se encaminharão a bater sobre os Mongoiós, pois são inimigos acérrimos, e
no repentino encontro flexavão os Botocudos a hum soldado portuguez muito
destro e valorozo…”
João Gonçalves, na memória citada, preconiza a aliança dos portugueses
com os mongoiós e a utilização destes na luta daqueles contra os Botocudos
(Imborés)”: “…índio mongoiós, já conquistandos, dando-se-lhes parocho que os
doutrine, e director para os dirigie, com o que podem ser mais úteis a si
mesmos e ao commercio; estando por este modo disciplinados ajudarão a combater
os barbaros Botocudos, que povoão as mattas nos continentes daquela Costa”. O
conquistador falava com conhecimento de causa, pois em período de trégua anterior
às lutas de 1803, os mongoiós já eram utilizados para combater outras tribos,
conforme é atestado por carta de José de Sá Bittencourt Accioli, datada de 7 de
outubro de 1797.
Sobre a aludida pr’
Atica, depõe Debret:
“Sua habilidade como atiradores de arco, aplicada ao manejo do fuzil,
faz deles úteis auxiliares, sob o comando dos brancos, na luta contra os
botocudos de Rio Pardo; e sua coragem garante sempre bom número de prisioneiros
na volta dessas expedições”.
Spix e Martius também atestaram a
prática.
A äliança portuguesa”, na prática, traduziu-se como exploração do índio
pelo português e no fim da nação mongoió. Maximiliano, com seu acurado senso de
observação, não deixou passar despercebida a exploração de que passaram a ser
vítimas os mongoiós. São dele estas palavras: “Os pobres índios são
tiranizados, tratados como escravos, mandados a trabalhar nas estradas e a
derrubar as matas, mandados a levar mensagens a grande distância, recrutados
para servir contra os “Tapuias”inimigos; como, por outro lado, isso fazem sem
ou quasi sem receber pagamento algum, não é de extranhar que, sempre propensos
à liberdade, não tenham nenhuma boa disposição para com os seus opressores”.
Debret ajuda a compor o quadro de exploração: “Os colonos descobrindo neles trabalhadores
hábeis para as derrubadas revelaram-lhes alguns de seus hábitos. Em verdade, o
seu talento consiste, principalmente, em servir-se do machado com tal destreza
que, em poucos instantes, conseguem derrubar as mais grossas árvores”.
O FIM
A guerra contra os portugueses, imborés e pataxós, a exploração a que
são submetidos e o contágio, através do tempo, vão dizimando os Mongoiós.
“Inúmeros brancos e pretos cairam vítimas de suas flexas certeiras, o que
contribuiu, em grande parte, para despertar contra eles um ódio implacável,
rechaçando-os não somente com as armas na mão, mas disseminando germes de
doenças contagiosas (como varíola) entre eles”(Carlos Ott). “No convívio dos
brancos, aumenta sua mortalidade, e sucumbem principalmente de bexigas ou de febres
agudas”(Spix e Martius).
Em 1890, escrevendo sobre od Camacans ou Mongoiós, Dr. J. B. de Sá
Oliveira, entre outras coisas disse:
“Desde que deixaram a vida nômade para formarem um pequeno núcleo
colonial, no logar denominado Catulé, têm incessantemente perseguidos pelas
tribos selvagens, dentre as quaes sobressaem a dos patachós, que têm soffrido
também grandes perdas em suas batalhas sangrentas.
“depois que morreu o último missionário, viram-se indefesos: e naqueles
tempos calamitosos quando a victoria não lhes era favorável, fugiam diante do
inimigo, tomados de terror, para paragens longínquas onde iam curar suas
feridas, cuidar de seus filhos, até poderem voltar aos lares desertos.
“Hoje, porém, que o trabalho agrícola vai fazendo desaparecerem as florestas,
onde se ocultam os selvícolas e as feras bravias, os elementos da guerra estão
quase substituidos pela arma de fogo, manejados pelos braços dos que se diziam
civilizados.
“…A presença dos europeus e dos seus descendentes, possuidores das
maravilhas das artes e indústrias, longe de ser para os míseros autochtones uma
garantia de vida, tem tido os effeitos perniciosos de uma epidemia.
“Serão varridos da face da terra, em um futuro próximo, por todas as
causas da destruição, inclusive as moléstias contagiosas, que entre eles
assumem maior gravidade, pelas febres palustres, hipohemia… e os que
sobreviverem s tudo isso cruzar-se-ão com os nacionaes, como está se dando com
os olivencianos”.
Segundo informação de Carlos Ott, “Nimuendaju encontrou os últimos
miseráveis restos dos camaçã, nação antigamente tão forte e numerosa, no posto
indígena “Paraguassu” em 1939″.
A história da nação mongoió, em seu relacionamento com os colonizadores
que desbravaram a região de Vitória da Conquista, mostra que, ao invés de
nascer sobre a proteção da piedade religiosa, como querem os mistificadores de
todos os tempos, a cidade foi edificada sobre o sangue e sacrifício de uma
nação outrora livre. Edificaram-na sobre o genocídio.
Vitória da Conquista, 1 de novembro
de 1977 – FIFÓ – 9
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