terça-feira, 22 de maio de 2012


OS LOTEAMENTOS E A EXPANSÃO URBANA DE VITÓRIA DA CONQUISTA

Ruy Medeiros

"Os projetos de planejamento, decretados, são violentados em seguida. E tudo está entregue à visão do Município e a interesses corruptores do Especulador de lotes e de edificações. (...) A urbanização confundiu-se com o loteamento, este filho espúrio do concubinato da Prefeitura com o especulador, que desumanizou esta São paulo sem verdes e esta Copacabana sem espaços"(Clóvis Ramalhete, Problemas da Urbanização da Sociedade Brasileira).

INTRODUÇÃO

Vitória da Conquista tem tido uma ampliação da zona urbana encontradiça em apenas bem poucas cidades brasileiras.
Algumas notas publicadas em o número zero deste semanário indicam o fato.
Em 1940, a zona urbana do Município não chegava a ocupar 100 hectares. Em 1980, ela ocuparáa 600 hectares, podendo exceder esta área da qual hoje está bem próxima.
O crescimento de sua população urbana tem sido impressionante: dos 8.644 habitantes de 1940, a cidade (núcleo urbano) pulou para 85.959 habitantes em 1970. Conservado o índice de incremento populacional, a zona urbana do município, em 1980, terá 151.287 habitantes.
A ocupação do solo tem sido efetuada através, basicamente, de loteamentos.

LOTEAMENTOS E EXPANSÃO

Como assinala Pontes de Miranda, "o loteamento e venda de imóveis a prestações corresponde à era dos aumentos da população, já ao tempo da indrustrialização, quando se começou a fragmentar a propriedade territorial do século XIX e princípio do século XX. À semelhança do que ocorre com a venda móveis com reserva de domínio, o loteador mantém a propriedade. No fundo, é o mesmo aspecto econômico da necessidade de expandir os negócios sem se partir de planificação racional e sem cogitar de elevar a capacidade aquisitiva das populações".
No Brasil, a regulamentação legal da venda de imóveis loteados a prestação e do próprio processo de loteamento demorou. O professor Valdemar Ferreira, em 1936, apresentou projeto à Câmara dos deputados sobre a matéria. Em 1937, o governo, entre outros fatores, "considerando o crescente desenvolvimento daa loteação de terrenos para venda mediante o pagamento de pre,co em prestações", edita o Decreto-lei n. 58, dispondo sobre o "loteamento de terrenos para venda mediante o pagamento do preço em prestação". Mais tarde, surgiriam os Decretos n 3..079, de 1938, e 271, de 1967.

EM VITÓRIA DA CONQUISTA

Em Vitória da Conquista, no sentido técnico da palavra, o loteamento surge na primeira metade da década de 1950.
A prática atendia à crescente demanda motivada pelo crescimento populacional urbano. Como se sabe, a partir dessa década, a população urbana começa a dar verdadeiros saltos, a tal ponto que o Censo Demográfico de 1960 comprova que ela é bem maior que a população rural. Este crescimento era oriundo não só do crescimento interno, mas sobretudo da migração proveniente de outras áreas e do campo para a cidade. A população começa, portanto, a pressionar a terra e esta, atendendo ainda a necessidade de o proprietário expandir seus negócios, fragmenta-se.
Tratava-se de uma população realmente de baixo poder aquisitivo, daí porque os primeiros loteamentos surgidos tenham sido "populares".
Algumas pessoas chegam a admitir que a existência dos chamados "loteamentos populares"em Vitória da Conquista é responsável pela inexistência de "favelas"na cidade. Em parte, pode ser uma explicação. Entretanto, deve-se lembrar que, mesmo sem o fenômeno do loteamento, em sentido técnico-jurídico, isto é, do loteamento propriamente dito, os baixos preços de terrenos próximos ao núcleo e a relativa abundância de materiais regionais de construção nas décadas de 1950 a 1960, não impediriam o parcelamento da terra não loteada e consequente venda, a preço relativamente acessível, porque esse parcelamento era a única opção para o proprietário, num tempo em que a preocupação urbanística não estava na ordem do dia e que o poder de mando local estava bem próximo e aquiescente ao proprietário privado.
De qualquer forma, os loteamentos surgiram como negócio comercial ou, utilizando a expressão de Pontes de Miranda, como  "necessidade de expandir os negócios sem ser partir de planificação racional".
Conseguiu-se identificar a existência de 11 loteamentos na década de 1950, embora alguns deles só mais tarde viessem a ser "regularizados" (entre aspas mesmo). Na década de 1960, foram licenciados 29 loteamentos, enquanto que na década de 1970, 21 loteamentos foram aprovados. Somente no ano de 1977, 11 loteamentos foram licenciados pela Prefeitura Municipal. Não se conseguiu dados que indiquem período de formação de quatro loteamentos. Dados disponíveis na Prefeitura Municipal indicam a existência de 65 loteamentos, alguns já completamente ocupados - a maioria - exceto possíveis loteamentos não submetidos à administração pública municipal. Os bairros novos da cidade, a rigor, são fruto de loteamentos.
De loteamentos populares, o empreendimento saltou para loteamentos só acessíveis às classes média e alta. Aliás, alguns loteamentos resolveram ser "seletivos", aumentando artificialmente o preço da terra. Tal fato não quer dizer que deixaram de ser requeridos loteamentos proletários e abertos novos desta categoria.

OS PROBLEMAS

Muitos problemas rondam os loteamentos desde o aspecto da documentação até verdadeiros embustes. Têm-se notícia de lotes vendidos a mais de uma pessoa. Sabe-se de vendas sujeitas a reajustes de preços de legalidade duvidosa. Conhece-se a exigência para, quando da lavratura da definitiva escritura, pagamento de acréscimo a título de "imposto de renda".
Claro que, neste particular, existem loteadores honestos. Nem tudo está perdido.
Entretanto, é preciso que seja analisado que os loteamentos existentes são aprovados sem alguns requisitos legais, em detrimento e prejuízo dos adquirentes e da comunidade.

EXIGÊNCIAS

Vitória da Conquista é ainda cidade em contínua expansão. A diversificação econômica porque passa, a mecanização da agricultura, o crescimento dos negócios, indicam que a cidade crescerá bastante nas próximas décadas. Seu crescimento poderá ser desordenado ou não. A escolha cabe à comunidade e ao poder público.
A verdade é que à medida que não se submete a aprovação dos loteamentos às exigências da lei, o crescimento será desordenado, cheio de problemas, sem obras de infraestrutura que o acompanhem. Será acompanhado sempre de problemas a mais, que podem ser evitados ou minimizados.
Conhecem-se muito bem os problemas do Bairro Jurema - loteamentos edificado em quase "banhado",  ao desabrigo total de águas pluviais. Mesmo seu recente calçamento (administração Jadiel Matos) foi bastante problemático, pelas características do terreno onde se acha assentado. Em seu lado oposto, a terra foi parcelada e vendida a pessoas humildes, sem que apresentasse condições de moradia. O resultado foi presenciado pela população conquistense: mais de duas dezenas de casas destruídas, mais de 20 famílias ao desabrigo.
Não bastam isso e os preços artificiais - quase astronômicos - dos lotes urbanos atuais para que o poder público fizesse ser a lei obedecida? Não bastam os abusos a que são submetidos os adquirentes de lotes?

PLANIFICAR COM LOTEAMENTOS

Não se pode argumentar que o loteamento, por ser iniciativa privada, contrarie a planificação urbana. Não se desconhece, entretanto, o poder de pressão que, no Brasil e no mundo, possuem as imobiliárias que se dedicam ao loteamento.
Existem dispositivos legais que permitem ao poder público controlar o uso do solo urbano com aspectos favoráveis a toda a comunidade. O Decreto-lei n. 271, de 28 de fevereiro de 1967, atribui poder aos municípios para "obrigar sua subordinação (dos loteamentos) às necessidades locais, inclusive quanto à destinação e utilização das áreas, de modo a permitir o desenvolvimento local adequado"e para "recusar a sua aprovação ainda que seja apenas para evitar excessivo número de lotes com o consequente aumento de investimento subutilizado em obras de infra-estrutura e custeio de serviços".

OMISSÃO DO PODER PÚBLICO

Apesar do que se disse, o poder público municipal tem se omitido no cumprimento da lei, em prejuízo de adquirentes de lotes e de toda a comunidade. Não por falta de normas jurídicas adequadas. Lei Municipal (de Vitória da Conquista) sobre o assunto é das mais bem elaboradas. Dentre outras de suas disposições, encontram-se as seguintes: "A Prefeitura não aprovará qualquer loteamento, se o julgar inconveniente ao interesse público"( Art. 74); "Caso a Prefeitura julgue inconveniente o loteamento em determinadas áreas, negará a concessão de licença, até que seja elaborado o estudo do planejamento geral da zona onde o terreno está localizado" (§ único do art. 75);  "todo loteamento estará sujeito às seguintes obrigações: a) locação de ruas, quadras e lotes; b) movimento de terra; c) assentamento de meio-fios; d) pavimentação das ruas; e) outras obrigações constantes do termo de acordo e compromisso"(Art. 84); "para aprovação do plano de loteamento deverá ser exigida uma caução equivalente a 30 por cento da área útil em lotes, cuja liberação se dará na seguinte proporção: a) 30 por cento quando concluída a terraplanagem, assentamento de meio-fios e locação dos lotes; b) 70 por cento quando concluída a pavimentação"( Art. 85); "Aprovado o plano de loteamento, o proprietário assinará, depois de pagar as taxas devidas, um termo no qual constará, obrigatoriamente: I - expressa declaração do proprietário, obrigando-se a respeitar o projeto aprovado; II - indicação dos 30 por cento de área útil com designação e numeração de quadras e lotes, os quais serão gravados como garantia das obras a serem efetuadas no loteamento; III- designação das áreas de utilidade pública, que serão cedidas gratuitamente à Prefeitura, a esta, de logo, transmitido o domínio, mediante escritura pública, sem ônus para o Município; IV - indicação minunciosa das obras a serem executadas pelo proprietário e dos prazos em que se obriga a efetuá-las, não podendo exceder de 3 (três) anos; V- referência às multas previstas para cada tipo de infração; VI- as demais obrigações estipuladas no processo"(Art. 85). Todos os artigos citados neste ítem são da Lei n. 118, de 22 de dezembro de 1976. A mesma lei conceitua loteamento como "o planejamento e divisão de um terreno para fins de edificação observada sua articulação com o sistema viário da cidade, e respeitadas todas as exigências de caráter urbanístico para o setor onde se situa a área a lotear". O conceito está longe da realidade do loteamento conquistense.

DESRESPEITO

Embora conte com todo instrumental necessário, o poder público municipal não tem, no particular, agido em benefício da comunidade nem de adquirentes de lotes.
Um dos novos loteamentos ( cuja aprovação fora negada em 1976) licenciados já está completamente vendido ( ou quase) sem qualquer obra de infraestrutura urbana e está localizado em área  destinada ao setor educacional da cidade, como foi definido pela Lei que aprovou o Plano Diretor Urbano do município. Portanto, foi aprovado em desobediência "à destinação e utilização das áreas, de modo a permitir o desenvolvimento local adequado". Outro loteamento (com muitos lotes já prometidos à venda, mediante contrato), também sem obras de infraestrutura, ocupa área destinada a cemitério, segundo fonte ainda não confirmada. Em outro, após locação de rua pela Prefeitura Municipal, sem que isto significasse abandono, pelo poder público, de área excedente à necessária à referida rua, o loteador está pedindo aos adquirentes de lotes uma complementação no preço, alegando que os lotes foram ampliados...
Quem vê os loteamentos de Vitória da Conquista e os analisa na perspectiva das necessidades presentes e futuras da cidade não pode deixar de ser tocado por um misto de revolta e desaprovação. Afinal, beneficia-se o loteador em detrimento de toda a comunidade. Desrespeita-se a lei, em favor da especulação imobiliária. Espezinha-se o adquirente que, com difíceis economias familiares, conseguiu comprar um lote.
O adquirente de novos lotes em Conquista precisa de cumprir uma odisséia para localizá-los. Estão os lotes simplesmente dentro de matagaris, apesar de vendidos a alto preço. Por estarem os lotes dentro de matagais ou sem vias de acesso, o adquirente não pode edificar na terra adquirida.
No Brasil, inclusive em Vitória da Conquista, é preciso que se ponha fim ao "concubinato das Prefeituras com os especuladores".

ERRATA ' Por lapso de datilografia, que não pode ser imputado à gráfica, no ensaio do número anterior ( "recomendação ao bandeirante"), há um equívoco. Onde está "Elas foram construídas de forma a induzir pessoas a acreditarem numa guerra real ( que inexistiu) entre primitivos habitantes e explorador", deve-se ler: "Elas foram construídas de forma a induzir pessoas a acreditarem numa guerra leal ( que inexistiu) entre primitivos habitantes e explorador", etc. ( O autor quis dizer que a guerra entre primitivos habitantes e explorador foi uma guerra desleal),

Vitória da Conquista, 25 de janeiro de 1978 - FIFÓ - 9

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