OS LOTEAMENTOS E A EXPANSÃO URBANA DE
VITÓRIA DA CONQUISTA
Ruy Medeiros
"Os projetos de planejamento, decretados, são violentados em
seguida. E tudo está entregue à visão do Município e a interesses corruptores
do Especulador de lotes e de edificações. (...) A urbanização confundiu-se com
o loteamento, este filho espúrio do concubinato da Prefeitura com o
especulador, que desumanizou esta São paulo sem verdes e esta Copacabana sem
espaços"(Clóvis Ramalhete, Problemas da Urbanização da Sociedade
Brasileira).
INTRODUÇÃO
Vitória da Conquista
tem tido uma ampliação da zona urbana encontradiça em apenas bem poucas cidades
brasileiras.
Algumas notas
publicadas em o número zero deste semanário indicam o fato.
Em 1940, a zona
urbana do Município não chegava a ocupar 100 hectares. Em 1980, ela ocuparáa
600 hectares, podendo exceder esta área da qual hoje está bem próxima.
O crescimento de sua
população urbana tem sido impressionante: dos 8.644 habitantes de 1940, a
cidade (núcleo urbano) pulou para 85.959 habitantes em 1970. Conservado o
índice de incremento populacional, a zona urbana do município, em 1980, terá
151.287 habitantes.
A ocupação do solo
tem sido efetuada através, basicamente, de loteamentos.
LOTEAMENTOS E
EXPANSÃO
Como assinala Pontes
de Miranda, "o loteamento e venda de imóveis a prestações corresponde à
era dos aumentos da população, já ao tempo da indrustrialização, quando se
começou a fragmentar a propriedade territorial do século XIX e princípio do
século XX. À semelhança do que ocorre com a venda móveis com reserva de
domínio, o loteador mantém a propriedade. No fundo, é o mesmo aspecto econômico
da necessidade de expandir os negócios sem se partir de planificação racional e
sem cogitar de elevar a capacidade aquisitiva das populações".
No Brasil, a regulamentação
legal da venda de imóveis loteados a prestação e do próprio processo de
loteamento demorou. O professor Valdemar Ferreira, em 1936, apresentou projeto
à Câmara dos deputados sobre a matéria. Em 1937, o governo, entre outros
fatores, "considerando o crescente desenvolvimento daa loteação de
terrenos para venda mediante o pagamento de pre,co em prestações", edita o
Decreto-lei n. 58, dispondo sobre o "loteamento de terrenos para venda
mediante o pagamento do preço em prestação". Mais tarde, surgiriam os
Decretos n 3..079, de 1938, e 271, de 1967.
EM VITÓRIA DA
CONQUISTA
Em Vitória da
Conquista, no sentido técnico da palavra, o loteamento surge na primeira metade
da década de 1950.
A prática atendia à
crescente demanda motivada pelo crescimento populacional urbano. Como se sabe,
a partir dessa década, a população urbana começa a dar verdadeiros saltos, a
tal ponto que o Censo Demográfico de 1960 comprova que ela é bem maior que a
população rural. Este crescimento era oriundo não só do crescimento interno,
mas sobretudo da migração proveniente de outras áreas e do campo para a cidade.
A população começa, portanto, a pressionar a terra e esta, atendendo ainda a
necessidade de o proprietário expandir seus negócios, fragmenta-se.
Tratava-se de uma
população realmente de baixo poder aquisitivo, daí porque os primeiros
loteamentos surgidos tenham sido "populares".
Algumas pessoas
chegam a admitir que a existência dos chamados "loteamentos
populares"em Vitória da Conquista é responsável pela inexistência de
"favelas"na cidade. Em parte, pode ser uma explicação. Entretanto,
deve-se lembrar que, mesmo sem o fenômeno do loteamento, em sentido
técnico-jurídico, isto é, do loteamento propriamente dito, os baixos preços de
terrenos próximos ao núcleo e a relativa abundância de materiais regionais de
construção nas décadas de 1950 a 1960, não impediriam o parcelamento da terra
não loteada e consequente venda, a preço relativamente acessível, porque esse
parcelamento era a única opção para o proprietário, num tempo em que a
preocupação urbanística não estava na ordem do dia e que o poder de mando local
estava bem próximo e aquiescente ao proprietário privado.
De qualquer forma, os
loteamentos surgiram como negócio comercial ou, utilizando a expressão de
Pontes de Miranda, como "necessidade de expandir os
negócios sem ser partir de planificação racional".
Conseguiu-se
identificar a existência de 11 loteamentos na década de 1950, embora alguns
deles só mais tarde viessem a ser "regularizados" (entre aspas
mesmo). Na década de 1960, foram licenciados 29 loteamentos, enquanto que na
década de 1970, 21 loteamentos foram aprovados. Somente no ano de 1977, 11
loteamentos foram licenciados pela Prefeitura Municipal. Não se conseguiu dados
que indiquem período de formação de quatro loteamentos. Dados disponíveis na
Prefeitura Municipal indicam a existência de 65 loteamentos, alguns já
completamente ocupados - a maioria - exceto possíveis loteamentos não
submetidos à administração pública municipal. Os bairros novos da cidade, a rigor,
são fruto de loteamentos.
De loteamentos
populares, o empreendimento saltou para loteamentos só acessíveis às classes
média e alta. Aliás, alguns loteamentos resolveram ser "seletivos",
aumentando artificialmente o preço da terra. Tal fato não quer dizer que
deixaram de ser requeridos loteamentos proletários e abertos novos desta
categoria.
OS PROBLEMAS
Muitos problemas
rondam os loteamentos desde o aspecto da documentação até verdadeiros embustes.
Têm-se notícia de lotes vendidos a mais de uma pessoa. Sabe-se de vendas
sujeitas a reajustes de preços de legalidade duvidosa. Conhece-se a exigência
para, quando da lavratura da definitiva escritura, pagamento de acréscimo a
título de "imposto de renda".
Claro que, neste
particular, existem loteadores honestos. Nem tudo está perdido.
Entretanto, é preciso
que seja analisado que os loteamentos existentes são aprovados sem alguns
requisitos legais, em detrimento e prejuízo dos adquirentes e da comunidade.
EXIGÊNCIAS
Vitória da Conquista
é ainda cidade em contínua expansão. A diversificação econômica porque passa, a
mecanização da agricultura, o crescimento dos negócios, indicam que a cidade
crescerá bastante nas próximas décadas. Seu crescimento poderá ser desordenado
ou não. A escolha cabe à comunidade e ao poder público.
A verdade é que à
medida que não se submete a aprovação dos loteamentos às exigências da lei, o
crescimento será desordenado, cheio de problemas, sem obras de infraestrutura
que o acompanhem. Será acompanhado sempre de problemas a mais, que podem ser
evitados ou minimizados.
Conhecem-se muito bem
os problemas do Bairro Jurema - loteamentos edificado em quase
"banhado", ao desabrigo total de águas pluviais.
Mesmo seu recente calçamento (administração Jadiel Matos) foi bastante
problemático, pelas características do terreno onde se acha assentado. Em seu
lado oposto, a terra foi parcelada e vendida a pessoas humildes, sem que
apresentasse condições de moradia. O resultado foi presenciado pela população
conquistense: mais de duas dezenas de casas destruídas, mais de 20 famílias ao
desabrigo.
Não bastam isso e os
preços artificiais - quase astronômicos - dos lotes urbanos atuais para que o
poder público fizesse ser a lei obedecida? Não bastam os abusos a que são
submetidos os adquirentes de lotes?
PLANIFICAR COM
LOTEAMENTOS
Não se pode
argumentar que o loteamento, por ser iniciativa privada, contrarie a
planificação urbana. Não se desconhece, entretanto, o poder de pressão que, no
Brasil e no mundo, possuem as imobiliárias que se dedicam ao loteamento.
Existem dispositivos
legais que permitem ao poder público controlar o uso do solo urbano com
aspectos favoráveis a toda a comunidade. O Decreto-lei n. 271, de 28 de
fevereiro de 1967, atribui poder aos municípios para "obrigar sua
subordinação (dos loteamentos) às necessidades locais, inclusive quanto à
destinação e utilização das áreas, de modo a permitir o desenvolvimento local
adequado"e para "recusar a sua aprovação ainda que seja apenas para
evitar excessivo número de lotes com o consequente aumento de investimento
subutilizado em obras de infra-estrutura e custeio de serviços".
OMISSÃO DO PODER
PÚBLICO
Apesar do que se
disse, o poder público municipal tem se omitido no cumprimento da lei, em
prejuízo de adquirentes de lotes e de toda a comunidade. Não por falta de
normas jurídicas adequadas. Lei Municipal (de Vitória da Conquista) sobre o
assunto é das mais bem elaboradas. Dentre outras de suas disposições,
encontram-se as seguintes: "A Prefeitura não aprovará qualquer loteamento,
se o julgar inconveniente ao interesse público"( Art. 74); "Caso a
Prefeitura julgue inconveniente o loteamento em determinadas áreas, negará a
concessão de licença, até que seja elaborado o estudo do planejamento geral da
zona onde o terreno está localizado" (§ único do art. 75); "todo loteamento estará sujeito às seguintes obrigações: a) locação
de ruas, quadras e lotes; b) movimento de terra; c) assentamento de meio-fios;
d) pavimentação das ruas; e) outras obrigações constantes do termo de acordo e
compromisso"(Art. 84); "para aprovação do plano de loteamento deverá
ser exigida uma caução equivalente a 30 por cento da área útil em lotes, cuja
liberação se dará na seguinte proporção: a) 30 por cento quando concluída a
terraplanagem, assentamento de meio-fios e locação dos lotes; b) 70 por cento
quando concluída a pavimentação"( Art. 85); "Aprovado o plano de
loteamento, o proprietário assinará, depois de pagar as taxas devidas, um termo
no qual constará, obrigatoriamente: I - expressa declaração do proprietário,
obrigando-se a respeitar o projeto aprovado; II - indicação dos 30 por cento de
área útil com designação e numeração de quadras e lotes, os quais serão
gravados como garantia das obras a serem efetuadas no loteamento; III-
designação das áreas de utilidade pública, que serão cedidas gratuitamente à
Prefeitura, a esta, de logo, transmitido o domínio, mediante escritura pública,
sem ônus para o Município; IV - indicação minunciosa das obras a serem executadas
pelo proprietário e dos prazos em que se obriga a efetuá-las, não podendo
exceder de 3 (três) anos; V- referência às multas previstas para cada tipo de
infração; VI- as demais obrigações estipuladas no processo"(Art. 85).
Todos os artigos citados neste ítem são da Lei n. 118, de 22 de dezembro de
1976. A mesma lei conceitua loteamento como "o planejamento e divisão de
um terreno para fins de edificação observada sua articulação com o sistema
viário da cidade, e respeitadas todas as exigências de caráter urbanístico para
o setor onde se situa a área a lotear". O conceito está longe da realidade
do loteamento conquistense.
DESRESPEITO
Embora conte com todo
instrumental necessário, o poder público municipal não tem, no particular,
agido em benefício da comunidade nem de adquirentes de lotes.
Um dos novos
loteamentos ( cuja aprovação fora negada em 1976) licenciados já está
completamente vendido ( ou quase) sem qualquer obra de infraestrutura urbana e
está localizado em área destinada ao setor educacional da
cidade, como foi definido pela Lei que aprovou o Plano Diretor Urbano do
município. Portanto, foi aprovado em desobediência "à destinação e
utilização das áreas, de modo a permitir o desenvolvimento local
adequado". Outro loteamento (com muitos lotes já prometidos à venda,
mediante contrato), também sem obras de infraestrutura, ocupa área destinada a
cemitério, segundo fonte ainda não confirmada. Em outro, após locação de rua
pela Prefeitura Municipal, sem que isto significasse abandono, pelo poder público,
de área excedente à necessária à referida rua, o loteador está pedindo aos
adquirentes de lotes uma complementação no preço, alegando que os lotes foram
ampliados...
Quem vê os
loteamentos de Vitória da Conquista e os analisa na perspectiva das necessidades
presentes e futuras da cidade não pode deixar de ser tocado por um misto de
revolta e desaprovação. Afinal, beneficia-se o loteador em detrimento de toda a
comunidade. Desrespeita-se a lei, em favor da especulação imobiliária.
Espezinha-se o adquirente que, com difíceis economias familiares, conseguiu
comprar um lote.
O adquirente de novos
lotes em Conquista precisa de cumprir uma odisséia para localizá-los. Estão os
lotes simplesmente dentro de matagaris, apesar de vendidos a alto preço. Por
estarem os lotes dentro de matagais ou sem vias de acesso, o adquirente não
pode edificar na terra adquirida.
No Brasil, inclusive
em Vitória da Conquista, é preciso que se ponha fim ao "concubinato das
Prefeituras com os especuladores".
ERRATA ' Por lapso de
datilografia, que não pode ser imputado à gráfica, no ensaio do número anterior
( "recomendação ao bandeirante"), há um equívoco. Onde está
"Elas foram construídas de forma a induzir pessoas a acreditarem numa
guerra real ( que inexistiu) entre primitivos habitantes e explorador",
deve-se ler: "Elas foram construídas de forma a induzir pessoas a
acreditarem numa guerra leal ( que inexistiu) entre primitivos habitantes e
explorador", etc. ( O autor quis dizer que a guerra entre primitivos
habitantes e explorador foi uma guerra desleal),
Vitória da Conquista,
25 de janeiro de 1978 - FIFÓ - 9
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