POLÍTICA, FAMÍLIA E EDUCAÇÃO EM VITÓRIA DA CONQUISTA
NA PRIMERA METADE DO SÈCULO XX
Ruy Hermann de Araújo Medeiros
∗∗∗
UESB
RESUMO:
Tomando como base um conflito político acontecido nas duas
primeiras décadas do
século XX, estudamos a história da educação em Vitória da
Conquista, mormente, as
relações entre política, idéias e educação. O conflito
cognominado “Meletes e
Peduros” foi narrado a partir de substancial documentação
primária, fontes
jornalísticas e depoimentos orais. Os aspectos teóricos se
basearam na história
cultural, sem desconsiderar, no entanto, a forma como se
organizava materialmente a
sociedade, qual o lugar social de cada grupo envolvido, a
forma como circulavam as
idéias e a forma como os sujeitos se relacionavam. Evidenciamos um conflito
eclodido em 1919, no qual estão envolvidos intelectuais,
políticos e professores da
região.
Palavras-chave: Coronelismo; Intelectuais; Educação;
Famílias
POLITICS,
FAMILY AND EDUCATION IN VITÓRIA DA CONQUISTA IN
THE FIRST
HALF OF THE TWENTIETH CENTURY.
ABSTRACT:
Based on a
political conflict happened in the first two decades of the twentieth century,
we studied
the history of education in Vitória da Conquista, especially, the relationship
between
politics, ideas and education. This conflict, “Meletes e Peduros” was narrated
from
significant primary documents, newspaper sources and oral testimonies. The
theoretical
aspects were based on cultural history, not ignoring, however, how were
materially
organized the society, which is the place of each social group involved, how
the ideas
circulating and how the subject relates. We evidenced a conflict erupted in
1919, which
are involved intellectuals, politicians and teachers in the region.
Keywords:
Coronels, Intellectuals, Education, FamilyRevista HISTEDBR On-line
Artigo
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Introdução
Por todo o século XIX, até meados do séc. XX, em Vitória da
Conquista
1
, “a
liberdade política de participação e decisão nos órgãos consultivos
e deliberativos da
administração local” (IVO, 2004: 73) foi obra de uma minoria
que historicamente
controlou as instituições políticas e sociais, saída do
tronco de João Gonçalves da Costa,
representada na Câmara, Polícia, Justiça, Intendência, etc.
O município, então, como
“microesfera da administração político-administrativa,
reproduziu, em suas estâncias
públicas e no imaginário da sociedade local, o universo
político vivenciado pelos
dirigentes da política nacional” (IVO, 2004: 75).
Política e família se misturavam, em uma realidade
contornada pela dominação e
subordinação. As disputas políticas, segundo SOUZA (1999),
envolvendo grupos rivais,
se davam, pelo controle do poder municipal para manter uma
relação privilegiada com o
poder estadual, uma vez que a natureza do regime republicano
visava diminuir as
autonomias dos municípios e fortalecer os estados. Nessa realidade de efervescência
política, destacou-se no monopólio do poder municipal a
figura do líder carismático
José Fernandes de Oliveira Gugé, que governou a cidade de
1911 a 1915, e continuou a
influenciar a política, até o ano de 1918, quando veio a
falecer, circunstância essa que
acabou se tornando o estopim de um conflito armado que já
vinha se formando há anos
e que teve sua concretização em janeiro de 1919.
Aqui, destacamos o
conflito de janeiro de 1919, conhecido como Conflito entre
“Meletes e Peduros”, devido às várias nuances que o
contornaram, desde a participação
efetiva da imprensa, às articulações partidárias para
manutenção e tomada de poder que
teve, dentro da própria cidade, o palco de atuação de dois grupos rivais, oriundos de
uma só e numerosa família. De um lado, estavam os
partidários do Cel. Gugé,
denominados de Peduros que eram do partido situacionista, e,
do outro, a oposição com
os chamados Meletes, que eram partidários do Cel. Emiliano
Moreira de Andrade, mais
conhecido por Maneca Moreira, parente do Cel. Gugé, mas, que
apoiou o seu inimigo
político Pompílio Nunes de Oliveira, em busca de mais espaço
nas instâncias do poder
local.
Naquela época, os
embates provocados pelos jornais eram muito agressivos, e a
imprensa se constituía, nas considerações de Oliveira
(2005), como um importante
veículo de articulação do poder, responsável pela agitação e
publicação de debates
políticos entre os homens considerados de letras da cidade,
muitos dos quais
considerados como excelentes professores. Os jornalistas
que, geralmente, eram
advogados, escritores e/ou professores, se posicionavam a favor
ou contra a política
situacionista, mas, sempre ligados a líderes de famílias
tradicionais da cidade os quais,
por sua vez, financiavam as tipografias, e controlavam as
notícias a serem veiculadas.
Antecedendo ao confronto intitulado Meletes e Peduros, dois jornais se
digladiavam, apresentando denúncias, muitas vezes pesadas,
sendo porta-vozes dos dois
grupos: de um lado, o jornal O Conquistense, que defendia o
grupo de Maneca Moreira
e, do outro, estava A Palavra, defensor dos Peduros que teve
no Cel. Manuel Fernandes
de Oliveira, o Maneca Grosso, um dos grandes nomes envolvidos no conflito.
Intelectual, poeta, jornalista e professor, mais conhecido
como Maneca Grosso, em sua
linguagem direta, escreveu:
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É por demais sabido que as famílias Santos Silva, Fernandes
de
Oliveira Ferraz, Oliveira Freitas, Correia de Melo, Andrade,
Moreira,
Mendes Gusmão e outras mais, sendo aliadas pelo parentesco
constituem uma só e numerosa família, cuja preponderância
política
entre nós é incontestável (GROSSO, 1911: s/p).
Mas, o próprio Maneca Grosso não reconhecia como seu parente
o coronel
Pompílio Nunes de Oliveira, embora a mãe deste fosse bisneta
de João Gonçalves da
Costa, fundador do Arraial da Conquista. Havia, dentro da
numerosa família, grupos
unidos entre si por maior solidariedade que os outros, por
força de proximidade,
dependência, compadrio e favor do que outros. Era o caso dos
Santos Silva e Fernandes
de Oliveira.
Em 1896, houve um interregno (assim considerado por muitos
que viveram
naquele tempo): o Coronel Pompílio Nunes de Oliveira
conseguira, no ano anterior, que
seu candidato ganhasse o controle da administração municipal. Homem muito rico,
comerciante e fazendeiro, o coronel Pompílio Nunes de
Oliveira ganhara a admiração
dos habitantes de Conquista quando, diante de fortes boatos
de que os “Mocós”, que
haviam praticado a “chacina do Tamanduá”, iriam invadir a
cidade, cuidou de
arregimentar pessoas e reunir armas para a defesa da cidade.
Era 1895.
O coronel José Antonio de Lima Guerra, concunhado do coronel
Pompílio
Nunes de Oliveira, indicado por esse, venceu o pleito local
e governou o município até
31 de dezembro de 1903. O governo do coronel José Antonio de
Lima Guerra foi
considerado um hiato na sucessão do mando local por aqueles
que vinham ocupando o
poder. Para alguns, como Maneca Grosso e o coronel Francisco
José dos Santos Silva, a
vitória do coronel Pompílio Nunes de Oliveira foi um golpe
profundo, embora pessoas
achegadas àqueles houvessem apoiado o candidato do rico
coronel.
Contou o coronel Francisco José dos Santos Silva com dois
fortes militantes,
dentre outros, o já citado Maneca Grosso, poeta, jornalista
e professor, e João Diogo de
Sá Barreto, bacharel. Estes usavam da imprensa para acicatar
o coronel Pompílio Nunes
de Oliveira. A partir de 1901, os artigos de Maneca Grosso
no Jornal de Notícias, de
Salvador, tornaram-se mais ferinos contra os adversários
pompilistas. Mas o coronel
Pompílio Nunes de Oliveira e seu irmão, Terêncio Nunes
Bahiense, respondiam aos
ataques e não deixavam de criticar o “Tio Chico Fumaça”,
como apelidaram o coronel
Francisco José dos Santos Silva.
Em janeiro de 1904, a numerosa família (expressão de Maneca
Grosso)
reassume o governo local com a pessoa de Estevão José dos
Santos Silva. E conservou o
poder. Sucedeu-lhe João Diogo de Sá Barreto que, embora não
fosse natural de
Conquista, contraira matrimonio com Salústia Fernandes,
filha do coronel José
Fernandes de Oliveira Gugé, bisneto de João Gonçalves da
Costa. João Diogo de Sá
Barreto governou sob oposição do coronel Pompílio Nunes de
Oliveira, para o qual a
“família Fernandes de Oliveira pretendia monopolizar os
cargos públicos e perpetuar-se
no poder”.
Nesse período, o coronel José Fernandes de Oliveira Gugé
assumira o papel
antes desempenhado pelo coronel Francisco José dos Santos
Silva. Tornara-se líder da Revista HISTEDBR On-line
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numerosa família. É, ainda, de dentro de sua família que
sairá o sucessor no governo
local, como logo se vê. O sucessor de João Diogo de Sá
Barreto na administração
municipal foi o coronel José Maximiliano Fernandes de
Oliveira, Intendente até 31 de
dezembro de 1911. Era a continuidade no poder daquela união
de famílias com núcleo
solidário nos Fernandes de Oliveira e nos Santos Silva.
O coronel José Maximiliano Fernandes de Oliveira
administrou, tal como o
antecessor, sofrendo oposição do coronel Pompílio Nunes de
Oliveira. Mas, terminou o
seu mandato com festa, literalmente. Em 19 de novembro de
1911, o salão da Sociedade
Filarmônica Aurora apertadamente abrigou grande número de
senhores e senhoras para
definir os últimos detalhes da homenagem que seria prestada
ao Intendente, bisneto de
João Gonçalves da Costa. Após ajustes, dali as pessoas
saíram ao som da filarmônica,
com uma comissão de frente ostentando o retrato do
Intendente, obra executada pelo
pintor Tito Batista, em cuja moldura, na parte inferior,
estava fixada placa de prata com
aplique de ouro na qual se lia: “Honra ao Mérito - Sincera
Homenagem de um dedicado
amigo”. Alcançaram a casa do Intendente, onde discursaram
Anália Vieira de Andrade e
Euclides Dantas (este era redator de “A Conquista”,
semanário local).
A eleição do coronel José Fernandes de Oliveira Gugé era a
afirmação do poder
daqueles mais integrados aos núcleos das famílias Fernandes
e Santos Silva. Afirmavase o poder com aquele que, mesmo quando o coronel
Francisco José dos Santos Silva
ainda era vivo, exercia notável influencia política. O
coronel José Fernandes de Oliveira
Gugé governou o município de Conquista até 31 de dezembro de
1915. A partir daí, a
vida política conquistense adquire maiores contradições. Uma
mudança na regra para
ascensão ao cargo de intendente foi o complicador. A mudança foi patrocinada pelo
governador da Bahia na época focada. JJ. Seabra.
Mudança de Regra
Para aumentar o seu poder, J.J. Seabra, que pretendia voltar
ao governo após o
seu sucessor, conseguiu modificar a Constituição Estadual e
a Lei Orgânica dos
Municípios. Dentre outras alterações, sobre os Intendentes
(Prefeitos), a constituição
alterada dispôs: “Art. 105. Haverá em cada município um
Conselho deliberativo e um
Intendente encarregado das funções executivas; sendo sua
investidura e perda do cargo
reguladas pela forma determinada em lei orgânica dos
municípios”.
Como se vê, a emenda referida deixou para lei
infraconstitucional regular a
forma de escolha do intendente. Mencionado dispositivo da
Constituição Estadual
emendada abriu as portas para que a Lei Orgânica dos
municípios fosse igualmente
alterada, permitindo a nomeação de Intendentes (Prefeitos)
pelo governador. Isso veio
ocorrer com a Lei 1.102, de 11 de agosto de 1915, que, em
seu artigo 14, § 1º, dispunha:
“O Intendente será de nomeação do Governador, com aprovação
do Senado, e poderá
ser exonerado nos casos previstos no art. 100 desta lei, e
nos de desídia e irregularidade
de conduta, reconhecidos por aquela autoridade”
2
.
Seabra pretendia, com mencionadas alterações, consolidar seu
grupo no poder,
nomeando intendentes, e ele mesmo pretendia voltar ao governo do Estado, após a
administração de seu sucessor (Antonio Ferrão Moniz de
Aragão). Além disso, por ter Revista HISTEDBR On-line Artigo
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sido expurgado do Diretório do Partido Republicano
Conservador (PRC), em convenção
de 29 de agosto de 1913, fundou o Partido Republicano
Democrata da Bahia, em
setembro do mesmo ano, passando a ter em suas mãos um partido para reunir seus
correligionários e o poder de nomear Intendentes
(Prefeitos), com as alterações feitas na
Constituição do Estado e na Lei Orgânica dos Municípios, já
mencionadas.
Isso significava, para os coronéis do Interior da Bahia, a
necessidade de estar no
Partido Democrata da Bahia e de demonstrar força e adquirir
prestígio para ser indicado
intendente pelo Governador. O recado era certo e direto. Não
contavam mais a busca de
eleitores e as diversas manobras para ganhar eleições,
inclusive as fraudes que
campeavam na Bahia e no Brasil nos períodos eleitorais.
Agora, o todo poderoso
governador substituía a possível vontade dos eleitores,
mesmo que as eleições quase
sempre fossem viciadas, em todo o Brasil.
Tudo aquilo significava o acirramento das disputas, das
lutas partidárias, dos
conflitos políticos, enfim, que marcariam o interior da
Bahia: conflitos que não ficaram
no bate-boca, porque alcançaram a dimensão armada, potencializadas que foram as
dissensões em razão das alterações no ordenamento jurídico.
As lutas, muitas das quais,
oriundas dos embates pelo monopólio da terra e pelo
alargamento dos lucros das
atividades comerciais, restaram potencializadas. As mudanças
foram golpe que os
coronéis sentiram, redundando em conflito maior nas Lavras
Diamantinas e no médio
São Francisco.
Para substituir o coronel José Fernandes de Oliveira Gugé,
J. J. Seabra,
governador, nomeou o major Leôncio Satyro dos Santos Silva,
genro do primeiro, em
21 de dezembro de 1915. O novo intendente assumiu o governo
municipal em 1º de
janeiro de 1916, com pouco menos de 32 anos de idade. Apesar
de a Lei 1.140, de 09 de
maio de 1916 haver diminuído tempo de exercício do cargo de
Intendente para 02 anos,
Leôncio Satyro dos Santos Silva continuou no governo
municipal, pois fora renomeado.
O Conflito
Em âmbito local, na disputa pelo controle do Partido
Republicano Democrata e
na busca de apoio de J.J. Seabra, mas já divergindo entre
si, estavam os grupos Meletes
e Peduros. Eram políticos conservadores, alguns agraciados
com carta Patente da
Guarda Nacional, como o coronel Francisco de Oliveira Gugé,
dentre outros. A luta, na
imprensa, a partir de 1917, tornou-se mais virulenta. “O
Conquistense”, em matérias
duras, falava mesmo em “plano sinistro” por parte dos
Peduros, para “exterminar a
oposição”. O Intendente Major Leôncio Satyro Santos Silva
passou a ser a vítima
preferencial dos ataques daquele jornal. Mas, os Peduros não
deixavam por menos.
Especialmente Maneca Grosso, nas páginas de “A Palavra”,
atacava os adversários
Meletes. Eram acusações intermináveis de lado a lado, não
faltando sequer o
ressurgimento de velhos fatos.
Um novo personagem, Antonio José de Araújo, se aproximara
dos coronéis
Manoel Emiliano Moreira de Andrade e Pompílio Nunes de
Oliveira. Antonio José de
Araújo. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito do
Recife, com colação de grau
em 19 de novembro de 1889, era amigo de J.J. Seabra, que o
nomeou para Juiz de Revista HISTEDBR On-line
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Direito de Barreiras, mas, por seu pedido, viera exercer o
cargo em Vitória da
Conquista. A amizade do Juiz com J.J. Seabra era
politicamente importante para o
Coronel Emiliano Moreira de Andrade e, à medida dos ataques
de Maneca Grosso ao
Juiz, o vínculo deste com o coronel opositor aumentara.
Conforme Medeiros, por
entender que o Juiz Antonio José era o principal instigador
dos ataques de “O
Conquistense” ao grupo que apoiava Leôncio Satyro dos Santos
Silva e que reunia os
mais achegados à política estabelecida pelo Coronel Gugé,
Maneca Grosso, em matérias
pagas (pelo menos assim apareciam) publicadas em “A
Palavra”, e em escritos
estampados no “Jornal de Notícias”, de Salvador, acusava
aquele juiz de atos de
corrupção, denunciava manobras políticas do mesmo em favor
dos interesses de Maneca
Moreira e de Pompílio Nunes (cujo concunhado fora Intendente
Municipal)
3
.
Em outubro de 1918, o panorama político local ganha novos
contornos: era o
mês de eleição do novo Diretório Municipal do Partido
Republicano Democrata de
Conquista (secção do Partido Republicano Democrata da Bahia, seabrista). Mas,
também, foi o mês da prisão de Manoel Arruda, que diziam ser
jagunço contratado pelo
grupo do Coronel Manoel Emiliano Moreira de Andrade (Maneca
Moreira), que tanta
celeuma causaria.
Em 21 de outubro de 1918, em segunda reunião, pois na
primeira, no dia 20, não
houvera quorum, foi eleito o diretório, que ficou composto
de Paulino Fonseca, Paulino
Fernandes de Oliveira, Cassiano Fernandes dos Santos Silva,
Leôncio Satyro dos
Santos, tendo como seu presidente Antonio Agripino da Silva Borges (Agripino
Borges). O último, como dissemos, do grupo de Maneca
Moreira, ausente este de ambas
as reuniões.
A eleição do diretório motivou outro rompimento: diante de
nova tentativa de
acordo, Maneca Moreira encarregou seu sogro, Ernesto Dantas,
de escrever as bases da
conciliação, que seriam apresentadas ao grupo do Intendente
Municipal. Mas mudou
logo em seguida de opinião, pois, em 25 de outubro, em
declaração estampada no jornal
“O Conquistense”, disse que Agripino Borges desertara de seu
grupo, que ele, Maneca
Moreira, iria organizar em definitivo seu próprio partido e
assegurou que continuaria a
prestigiar o Dr. Antonio José de Araújo, Juiz de Direito. Em
escrito publicado em “A
Palavra”, Maneca Grosso, em 29 de novembro de 1918,
manifesta apoio a Agripino
Borges. Não foi possível composição de interesses quanto à
direção partidária.
Em artigo datado de 19 de dezembro, porém publicado no dia
25 do mesmo mês,
Maneca Grosso faz graves acusações ao Juiz de Direito e ao
Promotor Público. Em 3 de
janeiro de 1919, entre pressões e contrapressões, ameaças e
conselhos, Leôncio Satyro
dos Santos Silva renunciou ao cargo de Intendente Municipal
e para o posto foi
designado o Coronel Francisco Costa. Mas a renúncia do
Intendente não pacificou os
ânimos. O artigo de denúncia de Maneca Grosso contra o Juiz
de Direito e o Promotor
Público intensificou as divergências que, há muito,
transbordavam da política para a
rivalidade figadal entre muitas pessoas. Jagunços já eram
empreitados por ambos os
grupos. A caminho de sua fazenda, Baixa do Arroz, em 5 de
janeiro de 1919, Maneca
Grosso e seu amigo Cirilo Rodrigues foram surpreendidos por
um grupo de pessoas
armadas, que muito espancou o primeiro e assassinou o
segundo.
Ascendino dos Santos Melo (Dino Correia), descendente direto
dos Santos e dos
Fernandes, avisado da situação, dirigiu-se à Baixa do Arroz,
em visita de solidariedade a Revista HISTEDBR On-line
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Maneca Grosso, de quem fora aluno, ficou informado dos fatos e resolveu comandar
reação armada contra os partidários de Maneca Moreira, os
chamados Meletes; passou a
organizar a distribuição de armas e a locação estratégica de
partidários e jagunços do
grupo de Leôncio Satyro dos Santos Silva, os Peduros. O
embate entre as duas facções –
Meletes e Peduros – generalizou-se e tornou-se conflito
armado.
O fim do conflito armado foi alcançado, mas a solução não
satisfez a todos. Já
em 24 de janeiro, Manoel Oliveira Santos desferiu disparos
de arma de fogo em direção
à casa do Coronel Pompílio Nunes (Melete), mas isso não teve
efeito de deflagrar
novamente a luta armada.
Dino Correia tornou-se Intendente Municipal. Maneca Moreira
retirou-se para a
sua fazenda e depois para “um lugar bem longe... pra lá do
Guigó”, indo fixar-se em
Poções. Maneca Grosso nunca conseguiu recuperar-se do duplo
trauma físico e moral.
Faleceu em 11 de fevereiro de 1919. Pompílio Nunes foi para
as “Matas do Pau Brasil”
e faleceu em 5 de novembro de 1921.
Considerações Finais
O conflito entre
Meletes e Peduros é fato que se insere na história do
coronelismo na Bahia. Especialmente na história da educação
regional e local de Vitória
da Conquista. Embora a vida política na República Velha
apresente traços gerais e
comuns, já bem delimitados pelos estudiosos que se
debruçaram no estudo da política e
da sociedade do tempo, as especificidades locais e regionais
merecem ser estudadas,
principalmente quando envolvem personagem que transitarem
entre a política, a
imprensa e a educação. Para além das implicações políticas,
configuradas pelo
coronelismo, familismo e mandonismo, bem próprios do período
focado, fica a
afirmação de que muitos dos personagens aqui citados eram,
direta ou indiretamente, os
responsáveis pela educação de primeiras letras, a única
oferecida na região, até a
segunda década do século XX, para os filhos, parentes e
aderentes destes mesmos
personagens.
Eram, ao mesmo tempo,
escritores, poetas, oradores, jornalistas, enfim,
intelectuais, e, ao mesmo tempo, políticos se revezando na
administração local e
aguerridos guerreiros quando ameaçados de perder o poder.
Eram, ademais, professores
e responsáveis pelos caminhos da educação na região, muitos
com escolas instaladas
nas “salas da frente” das suas residências. Cabe a pergunta:
Como conciliaram o ofício
de professor e mestre com atividades políticas, em uma época
de conturbados embates
políticos na tentativa de manutenção do poder?
Maneca Grosso, aqui
evidenciado como poeta, jornalista e professor, instalou
escola, deu aula e alfabetizou os filhos dos coronéis,
muitos dos quais eram seus
parentes próximos, na escola instalada na sua fazenda na
“Baixa do Arroz”. Como
explicar a simultaneidade de atitudes que comportava a
virulência jornalística, a poesia
romântica e a vocação de professor? Revista HISTEDBR
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Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.36, p. 1115-123,
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Referências
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Diário do
Sudoeste Conquista 158 anos. Edição Especial. Vitória da
Conquista, s/p.1998a.
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perseverança. Diário do
Sudoeste Conquista 158 anos. Edição Especial. Vitória da
Conquista, s/p.1998b.
IVO, Isnara Pereira.
O Anjo da Morte contra o Santo Lenho:
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Uesb, 2005.
GROSSO, Maneca. Justa Reação. Jornal “A Palavra”, Vitória da
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ago. 1911.
MEDEIROS, Ruy H. A. A Idéia de Conquista e o Sertão da
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proferida no IV Congresso de História da Bahia. Anais do IV
Congresso de História da
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LIVRO de Atas da Câmara de Vereadores 1917-1922. Arquivo
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MEDEIROS, Ruy, H. Pósfácio. In: IVO, Isnara Pereira. O Anjo
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Santo Lenho: poder,
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edições Uesb, 2005.
OLIVEIRA, Jeremias Macário de. A imprensa e o coronelismo no
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Vitória da Conquista: editado pelo autor, 2005.
SOUSA, Maria Aparecida Silva. A Conquista do sertão da ressaca: povoamento e
posse da terra no interior da Bahia. Vitória da Conquista:
UESB, 2001.
SOUZA, Belarmino de Jesus. Uma leitura da vida política em
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república. In: O
poder em disputa: Vitória da Conquista e região. Vitória da
Conquista: Museu Regional de Vitória da Conquista/UESB,
1999. Vol 4.
Revista HISTEDBR
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Notas:
∗
Professor da UESB;
advogado, integrante do Museu Pedagógico/Uesb,
ruy-medeiros@uol.com.br.
Trabalharam como colaboradores na pesquisa as professoras
Lívia Diana Rocha Magalhães, Ana Palmira
Bittencourt Santos Casimiro e as Daniela Moura Rocha de
Souza e Maria Cristina Nunes Cabral.
1
A história da cidade
começa a partir de 1783, com a fundação do Arraial da Vitória, pelo português
João
Gonçalves da Costa, que iniciou o processo de povoamento da
mesma, à custa do extermínio de povos
nativos que ali se encontravam, e com a criação de gado
(MEDEIROS, 2001). A partir de 1840, o arraial
se desmembrou do município de Caetité elevando-se à
categoria de Vila e Freguesia. A partir da
Proclamação da República, em uma atitude de tentar apagar os
vestígios imperiais, passou a se chamar
Cidade de Conquista, em 1891 e, finalmente, em 1943, a
partir da Lei de nº. 141, foi denominada Vitória
da Conquista, como é conhecida atualmente (SOUSA, 2001).
2
Entenda-se que
Senado, no caso, era o Senado Estadual.
3
Texto de apresentação
para o livro do advogado, Dr. Marcos Antonio Freire Martins, romance da luta
dos Meletes e Peduros (Maria-a Melete), ainda no prelo.
Artigo recebido em: 09/02/10
Aprovado para publicação em: 01/03/10
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