Reação à Tortura
Ruy Medeiros. (Digitado,
06/1999)
Felizmente
muitas pessoas indignaram-se com a nomeação do Sr. João Batista Campelo ao
cargo de Diretor Geral da polícia Federal. A coisa não passou em branco. Infelizmente
o Sr. Presidente da República não foi demovido de nomear aquele indivíduo ao
cargo maior da polícia. A questão ficou no empate? - Não. Não se trata de
empate ou não. A questão é mais profunda, e tão mais profunda quando ainda hoje
grassa tortura em ambientes policiais.
A
nomeação do Sr. João Batista Campelo (que ironia o nome de santo) é sinal
evidente de que qualquer torturador - que a chamada anistia recíproca perdoou -
pode ser premiado pelo Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso. Trata-se
evidentemente de prêmio a outorga de tal tipo de cargo.
Fica
sempre no ar a pergunta: Não havia, nos quadros da Polícia Federal, pessoa cujo
passado não contivesse mancha tão infame? Se havia - e deve haver - por que a
escolha exatamente de uma pessoa envolvida em tortura?
A
tortura não é só um crime. A tortura é também índice de covardia e revela
aspecto doentio de seu agente. Manietado, sem condições de reação, o preso é
submetido a toda sorte de agressão física e moral por parte dos torturadores
(sempre havia mais de um torturador em cada sessão de torturas, daí o plural).
O
torturador revela seu gosto pelo sofrimento da pessoa que sequer pode reagir
eficazmente contra a tortura, porque está preso, manietado. Covardia e sadismo
se reunem no ato da tortura. O cinismo, a tentativa de desqualificação do
torturado para justificar a tortura, a justificação de que inimigo deve ser
aniquilado covardemente, a inversão total de valores - tudo isso está presente
naquela atividade criminosa de torturar.
Ora,
quando premia um torturador, o sistema desencadeia a leitura ideológica
possível (embora contra o homem) de que a tortura não é algo relevante (que não
deve ser levada em conta) e, por extensão, estimula novos torturadores. É, em
suma, a justificação do torturador e a humilhação do torturado. É a abertura de
preocupação maior do homem com a perspectiva de que a tortura não seja u’a
mancha suficiente sobre o torturador: Um alerta contra o regime. É a
revelação do cinismo do sistema que faz aprovar, num dia, um Programa Nacional
de Direitos Humanos e, no outro dia, nomeia a cargo relevante de Governo um
colaborador da ditadura militar que desceu aos porões a fim de torturar ou,
para usar o eufemismo de alguma declaração, “ajudar na tortura”.
O
ato do Governo, em outro sentido, também não leva em consideração o fato de que
a ditadura teve impacto muito profundo sobre incontável número de famílias e
que as feridas estão abertas pela impunidade garantida por uma anistia feita
sob modelo ditado por generais fascistas.
Mas, não fosse isso, há que considerar-se o
verdadeiro sentimento de traição que se apodera de muitos adversários da
ditadura militar, que buscaram a vida democrática para o País. Sem a luta de
muitos, o Sr. Fernando Henrique Cardoso não chegaria à Presidência da
República. Chegou até aí exatamente porque a ditadura militar foi derrotada
(embora não da forma total como se desejava). Sob o regime dos torturadores,
por certo o atual Presidente continuaria relegado a segundo plano.
Se
é verdade que muitos já sabiam que o
“verniz” democrático do Presidente não o impediria de cair nos braços
dos destroços reorganizados do antigo partido de sustentação da ditadura
(ARENA, hoje um bando de grupos fisiológicos que se auto-intitulam partidos),
não deixa de indignar a desenvoltura com que faz a nomeação do Sr. João Batista
Campelo ao cargo de Diretor Geral da Polícia Federal.
O
Governo Fernando Henrique Cardoso vai assim, de queda em queda, construindo a
herança que deixará para o próximo milênio: Os escândalos do proer, o
relacionamento fisiológico com o legislativo, as intrigas gravadas palacianas,
a corrupção no Banco Central, o favorecimento descabido às montadoras, o
exercício imperial do poder com o abuso de edição de Medidas Provisórias, o
aumento do desemprego....Enfim, a justificação da tortura.
Aproveito
deste espaço para desejar ao amigo Flávio Scaldaferri, editor deste jornal,
pronto restabelecimento. Para alegria dos amigos, Flávio venceu a crise. Que
tenha mais saúde!
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