quarta-feira, 30 de maio de 2012


“Triste Baía, ó quão dessemelhante”...

                                                                       (Ruy Medeiros) (Digitado, 07/1999)


 Um dia, Gregório de Matos, poeta, debruçou sobre a Bahia e lamentou sua sorte. Achou-a diferente de sua antiga situação:  “triste Baía, ó quão dessemelhante. / estou, estás/ de nosso antigo estado”...
Ora, o passado não era bom, mas ao poeta parecia melhor que o presente:  “Pobre te vejo/ e tu a mim (vês) empenhado”...
Triste Bahia ( prá que  “h”?), pode-se repetir, sem o saudosismo do poeta: triste Bahia. Deve-se repetir, sobretudo diante da doença que contagia nossa terra.
Um sintoma profundo daquele mal ocorreu no último desfile do 2 de Julho, data considerada nos velhos livros de  “História da Bahia” magna da Província, depois Estado e hoje fazenda, e assim repetida em ordens do dia, discursos oficiais, oficiosos, acadêmicos, estudantis: data Magna.
Ao que interessa:
Como na época do terror da ditadura militar, a polícia militar foi jogada (jogou-se?) brutalmente contra os adversários dos detentores do poder. Empurrões, safanões, murros, cacetadas, cativeiro em um posto de gasolina até que os mandões do pobre estado já estivessem distantes e não pudessem ouvir os desagradáveis sons e tons da divergência. A coisa foi tão séria que o arqui-conservador editorialista do jornal mais influente da Bahia pediu desculpas às vítimas, pela população. Caso inédito, segundo a lembrança ( que pode haver falhado).
Livres de tons e sons destoantes do ufanismo oficial, as autoridades continuaram seguindo o cortejo. Não podiam ser incomodadas. Estão acima do bem e do mal, orgulhosos de serem baianos.
Quem já acompanhou o desfile do 2 de Julho sabe o que esse tem significado ultimamente (sem falar na  “adoração aos cablocos”): É um espaço em que as pessoas manifestam-se politicamente. Antes, as autoridades confinavam-se no palanque; desde há algum tempo, no entanto, resolveram acompanhar o cortejo, que é longo: de Santo Antonio ao Campo Grande. Repetem-se, no desfile, críticas ao Governo, a atos, a políticos e a instituições.  “Volantes” são distribuídos. Afinal, o 2 de Julho atrai muita gente às ruas.
É mesmo impressionante como o festejo-desfile continua, inclusive com forte participação popular. O imaginário baiano está impregnado do 2 de Julho. Muitos entendem as alegorias. Muitos (muitos mesmo!) sabem que aqueles vaqueiros montados representam o batalhão do rico padre Brayner: são os encourados do Pedrão, grupo formado e custeado pelo padre para a luta da independência (?) do  Brasil na Bahia.
No último 2 de julho veio o fato terrível: A repressão brutal, absurda, prepotente, ditatorial, autoritária contra oposicionistas (aliás uma oposição moderada, domesticada, como tem sido certa oposição, mas cuja característica não impede a solidariedade, diante da agressão de que fora vítima).
A agressão sofrida por adversários que também queriam participar do desfile, é um dos sintomas da doença que se abate sobre a Bahia.
Na Bahia, vive-se momento em que o Estado é como uma fazenda, tem seus feitores. Vigora obediência cega a um homem, cujos correligionários o endeusam e o tratam com total subserviência. Seus partidos (porque são vários os grupelhos auto-intitulados pomposamente de partidos) tratam-no como se fosse  “o”,  e não  “um”,  dentre vários, com a reverência de camponês alienado ao beato-santo. Esse culto à personalidade encobre ou eleva tudo, a depender da conveniência: Quando não se atribui ao chefe o que de positivo (?) acontece, manipula-se o negativo manipulável. O pior é que os sequazes tudo promovem para agradá-lo, para exaltá-lo, para expô-lo triunfante nos espaços publicitários (mídia?), ad majorem dei gloriam...
No entanto, escondem-se vergonha e fracasso: Um Estado com índices de analfabetismo de 4º mundo; um Estado que paga salário base inferior ao valor de dois salários mínimos a seus médicos; um Estado que paga a seus professores universitários um salário vergonhoso; um Estado cuja capital é campeã de desemprego; um Estado miserável cujos governantes trombeteiam que fizeram o  “dever de casa”(quem será o professor?). Um Estado, enfim, que apresenta como vitória o fato de conceder vantagens (que não concede a sua própria população) para u`a  multinacional vir explorar mão-de-obra barata, ganhar rios de dinheiro, numa vergonhosa prática de privatização de recursos públicos.
Ora, escamoteando e encobrindo a realidade, endeusando o chefe e o colocando como superior, é evidente que tudo o mais é segundo plano para as autoridades: democracia, respeito às divergência, liberdade, direitos individuais...Basta, para o tipo de política que os poderosos exercitam na Bahia, exaltar o chefe, não deixar que o incomodem.
Uma doença profunda adoece e animaliza a Bahia: a subserviência. Há muita gente mais realista que o rei. Deve haver mesmo aqueles que, para agradarem o chefe, terminam por criarem problemas (certamente deve haver aqueles que, nessas circunstâncias, tentando advinhar-lhe os segredos, terminam fazendo bobagem).
Triste Baía, ó quão dessemelhante... Voltarás a ser uma Capitania Hereditária?
O articulista fica a imaginar aquele distante cortejo do 2 de julho de 1823, que percorreu a cidade do Salvador, capital da Província, após a rendição das forças portuguesas: Naquele momento, os vitoriosos permitiram que o povo seguisse o cortejo, porque o próprio povo sentia-se vitorioso (não sabia o que viria depois).
As crônicas falam das forças que, mal arrumadas embora, entraram na cidade. Dessas, as últimas foram soldados famintos e andrajosos, geralmente do sertão baiano, organizados no exército da esquerda (porque ficara aquartelado à esquerda  de Salvador), inclusive uma campanhia de soldados improvisados da Aldeia da Conquista (hoje Vitória da Conquista). Aqueles andrajosos penetraram na cidade e foram ovacionados pela população soteropolitana. Fosse hoje, seriam escorraçados para que não fosse exposta a miséria das faces encalavradas  e das vestes sujas e rasgadas, puramente andrajos. Hoje, cumpriria afastar a denúncia das próprias vestes rotas para que não empanassem (nem fossem comparados a) o brilho de um par de  “tênis” triunfante insistentemente exibido no ecran dos televisores. Triste Baía, ó quão dessemelhante!


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