Venha Montar na Bahia
Ruy Medeiros (Digitado, 07/1999)
Os questionamentos
sobre a vinda da montadora de veículos Ford para a Bahia e dos subsídios que
isso representa têm sido mistificadores. O engodo campeia à solta.
Jornais do
Sul/Sudeste partidarizam a questão e tentam confrontar o Presidente da
República com o Presidente do Senado, como se aquela fosse problema de “quebra de braço”. Às vezes mencionam a impropriedade de tantas
vantagens concedidas àquela transnacional, coisa que não fizeram quando a
empresa pretendia fixar-se no Rio Grande do Sul. Não faltou um deputado da
esquerda para, defendendo a vinda da Ford para a Bahia, fundamentar-se no
critério de distribuição percentual de empréstimos pelo BNDES. Da esquerda, o
mínimo o que se espera é o espírito crítico.
O primeiro aspecto
do problema que salta à vista é a inconsistência do discurso do poder: O Presidente da República e seus aliados (
inclusive um Senador baiano) neoliberais vivem defendendo o Estado mínimo, o
fim de subsídios, o afastamento do Estado da vida econômica e a primazia
da “lei de mercado”.
Ora, as benesses
concedidas à Ford contêm todos os ingredientes condenados pelos neoliberais:
subsídios, vantagens, renúncia fiscal, intromissão do Estado na vida econômica,
etc, etc.
Todo o discurso
neoliberal do Governo e de seus sustentadores é desmentido? Talvez não. Em
verdade, toda a celeuma em torno do papel do estado capitalista ocorre no
sentido de esvaziá-lo de qualquer conteúdo social. Então, a contradição entre
discurso e prática, e entre discurso e discurso é uma questão de poder, de
exploração. Aplica-se o que serve ao poder e à exploração, independentemente de
coerência. E quem é tolo para cobrar coerência entre os dois presidentes?
Outro aspecto é
exatamente a submissão da sociedade à chantagem que as empresas transnacionais
praticam. Fascistas quanto ao conteúdo e quanto à forma de exercício do poder,
as transnacionais hoje não se contentam com os lucros decorrentes da extração
da mais valia e aqueles financeiros decorrentes de suas práticas com empresas
de financiamento e aliadas a bancos.
Lucros decorrentes da produção e dos serviços financeiros já não são
suficientes. Valendo-se de seu poder e da existência de desemprego estrutural,
as transnacionais exigem mais: agora contam com outras vantagens: dispensa de
pagamento de impostos, financiamentos públicos, terreno com infraestrutura,
apoio para formação de mão-de-obra especializada, etc. etc. Essa é a condição
para “criar empregos”.
As transnacionais
cinicamente acenam com a possibilidade de criação de empregos para facilitar o
discurso dos detentores do poder e obterem vantagens e recursos que não são
concedidos à sociedade. A exploração despudorada de mão-de-obra passa a
aparecer com a fisionomia “civilizada”
de criação de empregos (geralmente superdimencionados no discurso, pois neste
cada emprego real é multiplicado por três ou mais no trabalho de propaganda).
No entanto, nos
locais onde já estão estabelecidas, as transnacionais ameaçam fechar ( e fecham
mesmo) suas fábricas diante das greves ou das manifestações dos trabalhadores
com a situação a que são submetidos. Com esse outro tipo de chantagem,
desqualificam sindicatos e rebaixam os salários. Essa chantagem tem todo o
ingrediente do fascismo: Não permite contestação, privatiza lucros e socializa
perdas. Sobretudo conseguem diminuir os salários. Mesmo nos Estados Unidos, os
salários reais decrescem a partir da década de 1960. Chomsky afirma que “a partir de 1987 eles têm diminuido até
mesmo para as pessoas com instrução superior, o que representa uma mudança
significativa” ( Chomsky, Noam, - “ Segredos, Mentiras e Democracia).
Aproveitam as
transnacionais de algumas situações para protegerem seus altos lucros.
Recentemente (ano passado) chantagearam com desemprego de operários, no ABC, e
negociaram baixa de impostos para implementarem venda e, pouco tempo depois,
aumentaram o preço dos veículos. Não se pode pensar em mexer em seus lucros.
Persiste a proteção social dos ricos, em prejuízo da população pobre.
Não se sabe ainda
exatamente todas as vantagens federais que a Ford terá (quando este artigo está
sendo escrito, o Presidente ainda não deu o destino à norma aprovada por
iniciativa de um senador baiano), mas serão muitas, inclusive no âmbito
estadual.
O BNDES dará
financiamento de R$ 691 milhões para a Ford de R$ 700 milhões para fábricas de
autopeças. O total equivale ao orçamento de Vitória da Conquista referente a
16,5 (dezesseis e meio) anos, com base valor
previsto do exercício de 1999.
Só isso serve para
indicar que os recursos criariam mais empregos e mais atividades de que aqueles
previstos pela Ford.
Existe, portanto,
dinheiro para assistência aos ricos. Dinheiro que falta às universidades
federais, aos projetos de reforma agrária, à Previdência Social.
Estão aí, portanto,
as regras do jogo: vale a intervenção no mercado para ajudar os ricos:
empréstimos vantajosos, renúncia fiscal, PROER, etc. Enquanto isso, são
canceladas irregularmente aposentadorias de trabalhadores rurais e de
interditados.
A Ford obterá
também vantagens no Estado da Bahia, conforme noticiam os jornais, inclusive
aquele pertencente à família de um senador baiano.
Então, venha montar
na Bahia:
- A Bahia garante
terreno de 2.500.000 m2 ,
podendo chegar a 6.000.000
m2 (compromete-se a dar à pobrezita Ford o que não dá
aos sem tetos, vítimas de expulsão por parte da polícia militar do Estado,
quando ocupam terreno público);
-A Bahia garante
que continuará pagando salários miseráveis a seus funcionários a fim de
proteger a miserabilíssima Ford, que é mais necessitada;
-A Bahia garante
que não pagará seus precatórios referentes a dívidas trabalhistas, por que
precisa apoiar a Ford que é mais necessitada;
-A Bahia garante
que não restaurará seus hospitais (como o
“Regional Crescêncio Silveira”), pois a Ford está mais carente de ajuda.
A Bahia é justa!
Sua população ganha
bem, está muito bem alimentada, está socialmente amparada, está toda
alfabetizada. Porisso a Bahia vai ajudar a Ford. Esta precisa de ajuda: No ano
passado só conseguiu faturar no mundo apenas míseros 143 bilhões de dólares (
como se vê, só 43 bilhões de dólares a mais que o atual orçamento da União).
Venha montar na
Bahia!
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