quarta-feira, 30 de maio de 2012


Venha Montar na Bahia



Ruy Medeiros (Digitado, 07/1999)


Os questionamentos sobre a vinda da montadora de veículos Ford para a Bahia e dos subsídios que isso representa têm sido mistificadores. O engodo campeia à solta.
Jornais do Sul/Sudeste partidarizam a questão e tentam confrontar o Presidente da República com o Presidente do Senado, como se aquela fosse problema de  “quebra de braço”.  Às vezes mencionam a impropriedade de tantas vantagens concedidas àquela transnacional, coisa que não fizeram quando a empresa pretendia fixar-se no Rio Grande do Sul. Não faltou um deputado da esquerda para, defendendo a vinda da Ford para a Bahia, fundamentar-se no critério de distribuição percentual de empréstimos pelo BNDES. Da esquerda, o mínimo o que se espera é o espírito crítico.
O primeiro aspecto do problema que salta à vista é a inconsistência do discurso do poder:  O Presidente da República e seus aliados ( inclusive um Senador baiano) neoliberais vivem defendendo o Estado mínimo, o fim de subsídios, o afastamento do Estado da vida econômica e a primazia da  “lei de mercado”.
Ora, as benesses concedidas à Ford contêm todos os ingredientes condenados pelos neoliberais: subsídios, vantagens, renúncia fiscal, intromissão do Estado na vida econômica, etc, etc.
Todo o discurso neoliberal do Governo e de seus sustentadores é desmentido? Talvez não. Em verdade, toda a celeuma em torno do papel do estado capitalista ocorre no sentido de esvaziá-lo de qualquer conteúdo social. Então, a contradição entre discurso e prática, e entre discurso e discurso é uma questão de poder, de exploração. Aplica-se o que serve ao poder e à exploração, independentemente de coerência. E quem é tolo para cobrar coerência entre os dois presidentes?
Outro aspecto é exatamente a submissão da sociedade à chantagem que as empresas transnacionais praticam. Fascistas quanto ao conteúdo e quanto à forma de exercício do poder, as transnacionais hoje não se contentam com os lucros decorrentes da extração da mais valia e aqueles financeiros decorrentes de suas práticas com empresas de financiamento  e aliadas a bancos. Lucros decorrentes da produção e dos serviços financeiros já não são suficientes. Valendo-se de seu poder e da existência de desemprego estrutural, as transnacionais exigem mais: agora contam com outras vantagens: dispensa de pagamento de impostos, financiamentos públicos, terreno com infraestrutura, apoio para formação de mão-de-obra especializada, etc. etc. Essa é a condição para  “criar empregos”.
As transnacionais cinicamente acenam com a possibilidade de criação de empregos para facilitar o discurso dos detentores do poder e obterem vantagens e recursos que não são concedidos à sociedade. A exploração despudorada de mão-de-obra passa a aparecer com a fisionomia  “civilizada” de criação de empregos (geralmente superdimencionados no discurso, pois neste cada emprego real é multiplicado por três ou mais no trabalho de propaganda).
No entanto, nos locais onde já estão estabelecidas, as transnacionais ameaçam fechar ( e fecham mesmo) suas fábricas diante das greves ou das manifestações dos trabalhadores com a situação a que são submetidos. Com esse outro tipo de chantagem, desqualificam sindicatos e rebaixam os salários. Essa chantagem tem todo o ingrediente do fascismo: Não permite contestação, privatiza lucros e socializa perdas. Sobretudo conseguem diminuir os salários. Mesmo nos Estados Unidos, os salários reais decrescem a partir da década de 1960. Chomsky afirma que  “a partir de 1987 eles têm diminuido até mesmo para as pessoas com instrução superior, o que representa uma mudança significativa” ( Chomsky, Noam, - “ Segredos, Mentiras e Democracia).
Aproveitam as transnacionais de algumas situações para protegerem seus altos lucros. Recentemente (ano passado) chantagearam com desemprego de operários, no ABC, e negociaram baixa de impostos para implementarem venda e, pouco tempo depois, aumentaram o preço dos veículos. Não se pode pensar em mexer em seus lucros. Persiste a proteção social dos ricos, em prejuízo da população pobre.
Não se sabe ainda exatamente todas as vantagens federais que a Ford terá (quando este artigo está sendo escrito, o Presidente ainda não deu o destino à norma aprovada por iniciativa de um senador baiano), mas serão muitas, inclusive no âmbito estadual.
O BNDES dará financiamento de R$ 691 milhões para a Ford de R$ 700 milhões para fábricas de autopeças. O total equivale ao orçamento de Vitória da Conquista referente a 16,5 (dezesseis e meio) anos,  com base valor previsto do exercício de 1999.
Só isso serve para indicar que os recursos criariam mais empregos e mais atividades de que aqueles previstos pela Ford.
Existe, portanto, dinheiro para assistência aos ricos. Dinheiro que falta às universidades federais, aos projetos de reforma agrária, à Previdência Social.
Estão aí, portanto, as regras do jogo: vale a intervenção no mercado para ajudar os ricos: empréstimos vantajosos, renúncia fiscal, PROER, etc. Enquanto isso, são canceladas irregularmente aposentadorias de trabalhadores rurais e de interditados.
A Ford obterá também vantagens no Estado da Bahia, conforme noticiam os jornais, inclusive aquele pertencente à família de um senador baiano.
Então, venha montar na Bahia:
- A Bahia garante terreno de 2.500.000 m2, podendo chegar a 6.000.000 m2 (compromete-se a dar à pobrezita Ford o que não dá aos sem tetos, vítimas de expulsão por parte da polícia militar do Estado, quando  ocupam terreno público);

-A Bahia garante que continuará pagando salários miseráveis a seus funcionários a fim de proteger a miserabilíssima Ford, que é mais necessitada;
-A Bahia garante que não pagará seus precatórios referentes a dívidas trabalhistas, por que precisa apoiar a Ford que é mais necessitada;
-A Bahia garante que não restaurará seus hospitais (como o  “Regional Crescêncio Silveira”), pois a Ford está mais carente de ajuda.
A Bahia é justa!
Sua população ganha bem, está muito bem alimentada, está socialmente amparada, está toda alfabetizada. Porisso a Bahia vai ajudar a Ford. Esta precisa de ajuda: No ano passado só conseguiu faturar no mundo apenas míseros 143 bilhões de dólares ( como se vê, só 43 bilhões de dólares a mais que o atual orçamento da União).
Venha montar na Bahia!

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