O PROGRAMA DE PESQUISAS SOCIAIS ESTADO DA
BAHIA – UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA:
O SEU
CONTEXTO
Ruy Medeiros1
RESUMO: Este trabalho analisa o contexto que
permitiu o convênio entre a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência no
Estado da Bahia e a Universidade de Colúmbia (Estados Unidos) para a
implementação do Programa de Pesquisas Sociais Estado da Bahia, em seus
aspectos políticos, sociais e culturais. Esse programa foi responsável por trabalhos
de pesquisa e relatórios sobre comunidades baianas, consideradas
re-presentativas de zonas de localização: Alto Sertão, Recôncavo, zona de
transição Recôncavo – Sertão e Região Cacaueira. Cientistas sociais americanos
e brasileiros envolveram-se com o mencionado programa e deixaram estudos que se
tornaram refe-rências para outros estudiosos, e o presente texto menciona,
igualmente, autores e escritos como passo introdutório de pesquisa maior sobre
aquele programa ora desen-volvido pelo Projeto Museu Pedagógico da Universidade
Estadual do Sudoeste da Bahia. É um exemplo de atividade de pós–graduação
acadêmica (pesquisa e correspondente dissertação) vinculada a denso contexto
político e destinada a finalidade do Estado.
PALAVRAS-CHAVE:
Programa de Pesquisas Sociais. Estudo de Comunidades. Funda-ção para o
Desenvolvimento da Ciência no Estado da Bahia. Universidade de Colúmbia.
THE BAHIA STATE SOCIAL RESEARCHES PROGRAM – UNIVERSITY
OF COLUMBIA: ITS CONTEXT
ABSTRACT: This work analyzes the context that allowed
the partneship between The Science Development in Bahia Foundation (“Fundação
para o Desenvolvimento no
1 Especialista
e Prof. do Curso de Direito da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e
integra o Projeto Museu Pedagógico desta. End. Rua dos Fonsecas, n. 30, Caixa
postal 68. CEP: 45.000.000 – Vitória da Conquista – Bahia.
E-mail:
ruy-medeiros@uol.com.br
QUAESTIO, Sorocaba,
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Estado
da Bahia”), Brazil, and The Columbia University (United States) in order to
implement the Social Research in Bahia Program and its politics, social and
cultural aspects. The Program mentioned above was responsible for research
works and reports about Bahian communities, considered these as representatives
of its regional zones: Alto Sertão, Recôncavo, Recôncavo-Sertão Transition
Zone, and Região Cacaueira. Both American and Brazilian social scientists were
involved with the program, leaving studies that later became reference for
another scholars, and the present text mentions other authors and essays as
well, in an introductory step for a greater research about the program
developed by the Projeto Museu Pedagógico da Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia (Southwestern State University of Bahia’s Pedagogic Museum Project).
KEY WORDS: Social Research Program. Community Study
Project. Partnership. The Science Development in Bahia Foundation. Columbia
University.
1 O CONTEXTO LOCAL -
ANTECEDENTES
Em 5 de
outubro de 1930, o Diário Oficial do Estado da Bahia publi cou o
resultado das eleições para Governador, realizadas em 7 de setembro daquele
ano. Pedro Lago foi eleito com seus 141.018 vo-
tos.
Mas não assumiu o poder. A Revolução mudou as regras do jogo. Assumiu o governo
do Estado, Custódio dos Reis P. Júnior, substituído logo depois por Ataliba
Jacinto Osório, que não permaneceria, sucedido que foi por Leopoldo Afrânio B.
do Amaral, por sua vez afastado e substituído por Arthur Neiva, que foi
exonerado para dar lugar a Raimundo Rodrigues Barbosa – cinco Governadores em
menos de dois anos.
O poder terminaria por ser ocupado por Juracy
Montenegro Magalhães, jovem cearense, militar com 26 anos de idade, em 1931,
para manter-se no posto de governador até 9 de novembro de 1937.
Pouco tempo após o novo governador
(interventor) assumir o poder, todas as forças da política baiana puseram-se
contra Juracy Magalhães, mesmo aque-les que apoiaram a Aliança Liberal em razão
das disputas partidárias locais. A rigor, embora “O Jornal” e o “Diário da
Bahia” tivessem marcado posição em favor da Aliança Liberal de Getúlio Vargas,
foi pálido o apoio à Revolução de 1930 na Bahia. A simples indicação de Juracy
Magalhães sinalizara o desfazimento da esperança que o grupo do ex-governador
J.J. Seabra nutria de voltar ao governo.
Para Juracy Magalhães não se colocava de
imediato a grande necessidade de apoio dos políticos mais evidentes da Bahia de
então: Calmon, Seabra, Mangabeira, Luís Viana e Simões Filho, dentre outros.
Poderia gradativamente, com o controle da burocracia, atrair para si muitos
daqueles que gravitavam em
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daqueles nomes. Estava o governador amparado nas armas e fora indica-do para o
cargo pelo poderoso vice-rei do Nordeste, Juarez Távora.
Com o passar do tempo,
o governador imposto teve de cuidar de construir seu próprio grupo político. É
que a oposição a seu governo aumentara e o pro-cesso da reconstitucionalização
do País terminaria por afastá-lo da vida pública do Estado da Bahia, se ele não
costurasse apoios políticos por todo o território baiano. Assim é que se
esforça por angariar simpatia entre alguns políticos da capital, mas,
sobretudo, busca os coronéis do interior. E é, prevalentemente, com esses
coronéis que funda o PSD – Partido Social Democrático, em janeiro de 1933, após
os coronéis do Vale do São Francisco terem contornado diferen-ças entre si em
prévia reunião na cidade de Juazeiro.
Com o poder em mãos,
podendo nomear a seu talante as autoridades lo-cais, Juracy apoiou-se na força
dos coronéis para criar o seu partido. Era com esses que pretendia obter o
maior número de deputados à Assembléia Legislativa, colegiado que elegeria o
governador constitucional da Bahia.
Poderosos mandões, os
coronéis da Bahia haviam sido antes mais fortes, como acontecera nos grotões do
País. Dois exemplos servem para deixar evi-dente sua força na República Velha:
o “Convênio de Lençóis” e o auxílio no combate à Coluna Prestes.
Coronéis da Chapada
Diamantina armados com seus jagunços revoltaram-se contra o Governo do Estado
(Reação Sertaneja de 1920). A Revolta dos Coronéis cessou mediante acordo
(“Convênio de Lençóis”) firmado por represen-tantes do Comandante da Quinta
Região Militar e aqueles chefes sertanejos. Obtiveram os coronéis, em referido
convênio, dentre outras coisas, a isenção de responsabilidade civil e criminal
pelos atos que praticaram durante a revolta, supressão de um município (Barra
do Mendes), retirada de um chefe político do município onde exercia seu poder
(Manuel Fabrício, de Campestre), compro-misso de serem ouvidos para provimento
de cargos públicos em comissão dos municípios de Lençóis, Brotas, Brotas de
Macaúbas, Guarani, Brejinho, Wagner
e
Remédios. Vê-se
que os coronéis impuseram derrota ao
governo.
O outro
fato que exemplifica o poder dos chefões locais é a sua participa-ção no
combate à Coluna Prestes. Horácio de Matos, coronel na Chapada Diamantina,
Franklin Lins Albuquerque, Coronel do Vale do São Francisco, e Abílio Wolney,
Coronel na Serra Geral de Goiás, foram convidados e autoriza-dos a organizar
batalhões de Jagunços para lutar contra a Coluna Prestes. E o fizeram. Contaram
com o auxílio financeiro e de subsistência do Exército Brasi-leiro. Jagunços,
sob a chefia dos coronéis, perseguiram a Coluna Prestes até esta internar-se na
Bolívia. Um grupo de Jagunços ligados ao Coronel Franklin
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Lins Albuquerque chegou mesmo a penetrar em
território boliviano, porém guar-nição militar da Bolívia não permitiu a
incursão da jagunçada em solo desse país.
É
evidente que a Revolução de 1930 desarmou os coronéis.
Especialmente
a Coluna
João Facó retirou-lhes as armas. Mas isso não significa que aqueles tenham
perdido todo o poder e correspondente importância política, ou que não tenham
sido substituídos por pessoas semelhantes no poder dos municípios baianos.
Ainda possuíam importância, especialmente aqueles que ocuparam as prefeituras
após a Revolução de 1930.
Foi com os coronéis do
interior baiano, principalmente, que Juracy Maga-lhães criou o seu PSD para,
constitucionalizado o País, manter-se no poder com a consagração das urnas
manipuladas pelo poder local, em eleição indireta para governador.
A oposição a Juracy
Magalhães organizou seus partidos com vistas às eleições parlamentares baianas.
Também pretendiam ocupar os espaços da Assembleia Legislativa que iria eleger o
governador e dotar a Bahia de uma nova Constituição Estadual. Congregando
oposicionistas, foram criados a LASP – Liga de Ação Social; PRL – Partido
Republicano Liberal, e o Centro de Defesa dos Direitos da Mulher.
Tanto na escolha de
deputados federais à Constituinte Nacional, quanto na escolha de deputados à
Assembleia Legislativa, Juracy Magalhães obteve gran-de vitória. Para a
Assembléia Nacional Constituinte, o PSD Juracisista elegeu vinte
representantes, enquanto a oposição só conseguiu eleger J.J. Seabra e Aloísio
de Carvalho Filho. Para a Assembléia Estadual Constituinte, as oposi-ções
reunidas na Concentração Autonomista da Bahia, criada por Otávio Mangabeira,
não consegue êxito. Juracy obtém grande vitória nas eleições de 14 de outubro
de 1934 e isso assegurou sua eleição, pela Assembleia Estadual Constituinte, ao
cargo de Governador Constitucional da Bahia.
Ao tempo, Juracy já
contava com pessoas de expressão em seu partido. Para a Assembléia Nacional
Constituinte conta com advogados, professores universitários, médicos, pessoas
capazes de intervir em discussões exigentes. Tenta o governador dar aspecto
modernizante a seu governo, embora no interior continue amparado em coronéis.
O governo de Juracy
Magalhães não sobreviverá ao Golpe de Estado de Getúlio Vargas. Consultado
previamente pelo Presidente da República, o gover-nador baiano não concordou
com o golpe projetado e afinal desferido por Vargas em 10 de novembro de 1937.
Afastado do poder Juracy, o governo da Bahia foi sucessivamente ocupado pelos
interventores Antonio Fernandes Dantas (1937-
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1938), Landulfo Alves de Almeida (1938-1942)
e Renato de Pinto Aleixo (1942-1945).
Mas, veio a nova reconstitucionalização. O
golpe contra Getúlio Vargas, em 29 de outubro de 1945, foi semelhantemente
golpe contra os interventores e perfeitos. O interventor Renato Onofre Pinto
Aleixo foi afastado do governo baiano e em seu lugar foi posto Vicente Bulcão
Viana (1945-1946), depois assumiram Guilherme C. da Rocha Marback (1946-1946) e
Cândido Caldas (1946-1947).
A queda do ditador Vargas apressou a
reorganização da vida partidária, o retorno de exilados, o impulso pela
reconstitucionalização. Após eleições legislativas, foi elaborada a
constituição de 1946.
Tendo retornado do exílio, a tempo de
participar das eleições constituintes, Otávio Mangabeira tornou-se líder da UDN
– União Democrática Nacional, naci-onalmente, e principal candidato ao governo
do Estado da Bahia juntamente com Juracy Magalhães.
Promulgada a Constituição Federal,
reorganizada a vida partidária, estabe-leceu-se a disputa de candidatos a
candidatos ao Executivo da Bahia. Dois líderes, Otávio Mangabeira e Juracy
Magalhães, adversários na década de 1930, ficaram no mesmo partido: UDN – União
Democrática Nacional, dirigido nacio-nalmente pelo primeiro.
Juracy Magalhães e Otávio Mangabeira selaram
a acomodação de suas candidaturas na seguinte base: se a UDN conseguisse
aliar-se ao PSD, para lançar candidato único ao governo baiano, esse candidato
seria Otávio Mangabeira, mas se não houvesse coligação entre aqueles partidos,
maiores na Bahia e no Brasil, Juracy Magalhães seria o candidato ao cargo.
(SAMPAIO, 1980)
Em verdade, não apenas o PSD, carregado de
muitos quadros políticos que serviram ao Estado Novo, coligou-se com a UDN. Em
torno de Otávio Mangabeira uniram-se o PR – Partido Republicano, o PC do B –
Partido Comunista do Brasil, e o PRP – Partido de Representação Popular,
formando a Coligação Democrática Autonomista da Bahia. Esta coligação
encabeçada por Otávio Mangabeira continha seus amigos da LASP, da década de
1930, além de políti-cos que serviram ao Estado Novo, grandemente abrigados no
PSD, Comunistas e os integralistas do PRP. Era uma frente amplíssima de
partidos.
A posição do Partido Comunista do Brasil em
apoio a Otávio Mangabeira era algo estranhável. Afinal, os comunistas estavam a
apoiar o político que, na qualidade de Ministro das Relações Exteriores, no
governo Washington Luís, colocara o Itamarati a serviço da espionagem contra os
“tenentes” e revolucioná-
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no exílio e que, em agosto de 1946, no desempenho do mandato de depu-tado
federal, beijou a mão do general D. Eisenhower, no congresso, quando da visita
oficial desse ao Brasil. O gesto servil provocara inúmeras críticas2.
Com sua forte coligação, Otávio Mangabeira
disputou o pleito eleitoral con-tra o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro,
cujo candidato era Medeiros Neto, Presidente do Senado na data em que este fora
dissolvido pelo golpe do Estado Novo, em 10 de novembro de 1937.
Otávio Mangabeira foi eleito governador da
Bahia nas eleições de 19 de janeiro de 1947. Sua vitória eleitoral foi
expressiva: obteve 211.121 votos, en-quanto Medeiros Neto ficou em distante
segundo lugar com 92.629 votos. Tam-bém para deputados à Assembléia
Legislativa, a coligação de Otávio Mangabeira obteve maioria eleitoral: eram
sessenta os componentes da Assembléia Legislativa e desses apenas sete
deputados estaduais, eleitos pelo PTB, forma-vam a oposição.
É no governo Mangabeira que
ocorre o Programa de Pesquisas Sociais do Estado da Bahia com a Universidade de
Colúmbia, dos Estados Unidos.
2 OTÁVIO MANGABEIRA E
O ENIGMA BAIANO
O governo de Otávio
Mangabeira demorou de 10 de abril de 1947 a 31 de janeiro de 1951.
O Estado da Bahia sofrera bastante com a
crise mundial do capitalismo e com a política dos interventores do Estado Novo.
Tais fatores agravaram a ten-dência de estagnação e a perda de posição na
economia nacional que vinha ocorrendo há muitos anos.
Altas taxas de mortalidade
infantil, de analfabetismo, doenças, desempre-go, surgimento de favelas, etc.,
compunham o quadro do Estado da Bahia.
Otávio Mangabeira, para caracterizar o atraso
da Bahia apesar de suas potencialidades, adotou a expressão “enigma baiano”. O
problema da involução econômica da Bahia merecera menção de alguns autores e
persistiu como ob-jeto de análise por muito tempo: Como consta nas Referências,
Clemente Mariani (1977) dele tratou, assim como Rômulo Almeida (1977), Manoel
Pinto de Aguiar (1977) e Luis Henrique Dias Tavares (1966). Foi debate que se
prolongou até a década de 1960.
2 A posição
do PC do
B está expressa
em: Falcão (1988).
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A questão do enigma – “porque a Bahia não se
industrializa” – esteve na mente de políticos com maior preparo, jornalistas e
outros estudiosos. Somente vencida a década de 60, com o surto de
industrialização na Bahia, deixou-se de falar do “Enigma Baiano”.
Em sua mensagem de despedida à Assembleia
Legislativa, lida em 27 de janeiro de 1951, Otávio Mangabeira (1951, p. 6)
menciona sua preocupação quanto ao atraso econômico da Bahia, dizendo, dentre
outras coisas, que
Trazia eu, entretanto, comigo para o governo
não só o desejo profundo, mas a resolu-ção inabalável de empregar ao serviço do
Estado tudo o que estivesse no limite de minhas energias, até o último extremo
da minha dedicação, no sentido de ser-lhe útil. Intrigava-me, desde muito, o
que chamei “o enigma baiano”. Porque razão a Bahia, cujas qualidades e riquezas
eram, em geral tão celebradas, se mantinha, todavia em condições de progresso
indiscutivelmente inferior ao que resultaria, em boa lógica, de semelhante
conceito, assim tivesse ele a procedência que se lhe atribuía? [...] O
desequilíbrio cada vez mais acentuado, entre o sul e o norte do Brasil, no que
concerne a condições econômicas, progresso material, padrão de vida do povo, é
assunto digno de ser tomado a sério pelos nossos homens públicos,
principalmente os do Norte, para o fim de, examinadas as causas do fenômeno,
cogitar-se das medidas necessárias a corrigir-lhe ou atenuar-lhe os efeitos
[...] Ainda no mesmo rumo das preocupações com o engrandecimento da Bahia no
campo da cultura científica, sem a qual não pode haver progresso autêntico, ou
civilização consciente, usamos parte do fundo a que aludimos há pouco (art. 28
do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 2 de agosto) para servir
de base financeira, ou, digamos, de ponto de partida, a uma organização que
instituímos com o nome de Fundação para Desenvolvimento da Ciência.
O art. 28 mencionado por Otávio Mangabeira
previa aumento de meio por cento de todos os impostos estaduais a fim de compor
fundo para pesquisas científicas, conforme pedido de Anísio Teixeira.
Mangabeira, segundo Nelson Sampaio (1980),
frisou a necessidade de dar mais ênfase ao estudo das ciências básicas a fim de
provocar uma mudança de mentalidade entre os baianos. Para tal fim criou, com a
inspiração de Anísio Teixeira, a Fundação para o Desenvolvimento da Ciência.
Havia, na Bahia de então, certo clima de
tomada de consciência da intelectualidade baiana quanto à realidade. A
lamentação quanto à “terra do já teve” e o saudosismo quanto às “Glórias da
Bahia”, começam a ceder lugar para a discussão das questões da cultura, da
História e do saber. A redemocratização
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necessariamente
auxilia esse processo. O debate político é componente es-sencial. Ideias cuja
explicitação antes era impossível puderam ser externadas sem o medo de que se
estivesse penetrando a zona do pensamento perigoso. Havia limites, é evidente.
Repressão, igualmente existia, mas não se estava mais diante da truculência do
Estado Novo.
Nelson Carneiro, já 1945, criou o centro
cívico J.J. Seabra para a discussão política e o PC do B organizou comitês
populares democráticos, no mesmo ano. Manoel Pinto de Aguiar associado a
Armando Souza criou a Livraria Pro-gresso Editora, que teria tanta importância
na vida intelectual dos baianos. Em 8 de abril de 1946, o Decreto – lei 9.155
cria a Universidade Federal da Bahia, instalada na data magna Baiana – 2 de
julho.
Então já desde antes da promulgação da
Constituição Federal, em 18 de setembro, o processo de retomada das liberdades
públicas e de discussão sobre a realidade se estabelecera.
Alguns livros gestados na época demonstram a
preocupação com a temática social, cultural, étnica e histórica. Em 1946, Luís
Viana publicou O Negro na Bahia; Valentin Calderon deu à luz seu
estudo sobre o Sambaqui da Pedra Oca;
é de
1947 o Quilombo dos Palmares e de 1948 Candomblés da Bahia,
impor-tantes livros de Edson Carneiro; Pedro Calmon, dando continuidade a seu
traba-lho de historiador, publica, em 1949, História da Literatura Bahiana;
são respec-tivamente de 1944 e 1945 as edições de Os Elementos culturais da
pescaria baiana; Vestígios de cultura Indígena no Sertão da
Bahia, de Carlos Ott; Vanderlei Pinho publica Um Engenho no
Recôncavo, em 1946; Nelson Sampaio publicara, em 1945, Democracia Racial; a
História da Fundação da Cidade do Salvador, de Teodoro Sampaio, saíra em
edição póstuma (1949); também em 1949 é editada a obra de leitura indispensável
– O Povoamento da Cidade do Salvador, de Thales de Azevedo. São obras
antecedidas por A Ordem Privada e a Organiza-ção Política Nacional, de
1939 de Nestor Duarte3.
Considerando-se o tempo de
pesquisa e elaboração, mesmo livros edita-dos em a década seguinte são gestados
na década anterior.
O clima intelectual era de certa tomada de
consciência crítica. Clima ade-quado, portanto, às pesquisas e ao sentimento da
necessidade de conhecer cientificamente a realidade. A Fundação idealizada por
Anísio Teixeira e viabilizada por Mangabeira encontrava-se em contexto
intelectualmente favorável.
3 Também é o caso da
literatura, com os escritores, dentre outros, Herberto Sales, Jorge Amado,
Camilo de Jesus Lima.
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3 O PROGRAMA DE PESQUISAS SOCIAIS DO ESTADO
DA BAHIA E O CONVÊNIO COM A UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA
A Fundação para o
Desenvolvimento da Ciência no Estado da Bahia cele-brou convênio com a
Universidade de Colúmbia para pesquisas no território baiano.
O Programa de Pesquisas Sociais do Estado da
Bahia e o convênio cele-brado em seu âmbito entre a Fundação para o
Desenvolvimento da Ciência na Bahia e a Universidade de Colúmbia inserem-se no
contexto do Governo Otávio Mangabeira, especialmente quanto às preocupações de
parte da elite baiana com o “Enigma Bahiano”: cumpria conhecer a realidade da
Bahia como passo importante para entender-se possibilidade de mudança.
É interessante deixar claro que as pesquisas
seriam coordenadas por Charles Wagley, pela Universidade de Colúmbia, e Thales
de Azevedo, pela Fundação para o Desenvolvimento da Ciência no Estado da Bahia,
e jovens antropólogos norte americanos desenvolveriam as pesquisas que
embasariam seus trabalhos de pós-graduação, mas que serviriam igualmente para
utilização pelo Estado da Bahia, como diagnóstico para planejamento da ação do
poder público estadual.
Thales de Azevedo, L.A. Costa Pinto e Charles
Wagley dizem, em Uma pesquisa sobre a vida Social no Estado Bahia (1968),
que os estudos decorren-tes daquele programa visavam a primariamente
adquirir um conhecimento da sociedade e da cultura dos habitantes da região
rural da Bahia e uma compreen-são da dinâmica das mudanças de cultura que agora
se verificam e que se podem esperar nesta ampla área do Brasil 4.
Thales de Azevedo (1968) esclarece que o
método escolhido foi o de “estu-dos de comunidades”, em que a cultura de uma
pequena sociedade, considera-da representativa dos modos de vida de uma
sociedade regional ou nacional, é analisada por meio de instrumentos teóricos
da hodierna Antropologia Social. No caso, o planejamento da investigação, a
abordagem metodológica dos pro-blemas e as técnicas de campo foram basicamente
etnográficas, mas, combi-nados com os da Sociologia. A cultura foi, em conseqüência,
descrita e interpre-
4 Vide
em Poppino (1968). Prefácio de Thales de Azevedo onde este cientista baiano
repete o que se encontra Sobre Método de
Campo em pesquisa de comunidade. Thales de Azevedo (1954), publicou ainda,
sobre método, o Estudo das Áreas Regionais. Wagley (1955) fez avaliação do
método em “Brazilian Community Studies; A Methodological Evaluation.
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como uma unidade funcional e dinâmica a partir da história social e da ecologia
de cada comunidade5.
A idéia geral era a de
que havia comunidades representativas de cada re-gião e que os dados colhidos
nelas serviriam para a “comparação de padrões da sociedade brasileira”
tradicional. A compreensão da cultura e da dinâmica das comunidades
tradicionais, em comparação com outras, poderiam ser generali-zadas, e dos
estudos chegar-se-ia ao conhecimento da dinâmica sócio-cultural. O método era o
funcionalismo, que apesar de ser muito utilizado e continuar a sê-lo pelos
cientistas sociais, especialmente por antropólogos, já sofria crítica daqueles
que o consideravam ahistórico. (ROSTOV, 1966)6
Ausente do
direcionamento teórico não estava a concepção, que gradativamente foi ocupando
o pensamento dos economistas de que as socie-dades tradicionais passariam pelo
mesmo processo de desenvolvimento das sociedades capitalistas ocidentais mais
influentes e cuja sistematização sumá-ria pode ser vista na obra de Rostow7.
Foram escolhidas as
comunidades tradicionais e seus responsáveis pelas pesquisas: uma na árida
região nordestina; uma na comunidade produtora da cana de açúcar, próxima da
costa; uma na região montanhosa onde a minera-ção outrora era importante, e uma
na zona cacaueira no Sul da Bahia8.
Harry William
Hutchinson foi encarregado de estudar a vida social em São Francisco do Conde,
comunidade tida como representativa do Recôncavo. Seu trabalho, que contou com
a colaboração da Carmelita Junqueira Ayres Hutchinson, sua esposa, filha de
família tradicional daquela região, resultou na publicação de
Village and
Plantation life in
Northeastern Brazil. Mas
de suas pesquisas
e
5
Para uma visão
resumida, porém segura,
dos argumentos pró
e contra o
funcionalismo, é muito
proveitosa
a
leitura do capítulo
8 de Elementos
de sociologia teórica,
de Florestan Fernandes
(1970).
6 Uma
visão diferenciada encontra-se em Celso Furtado (1964). O próprio Charles
Wagley (1977), pessoa de proa na execução do convênio entre a Fundação para o
Desenvolvimento da Ciência no Estado da Bahia e a Universidade de Colúmbia,
expressa preocupação com o desenvolvimento, a exemplo de quando escreve:
“Contudo essa cultura tradicional da Amazônia e o sistema sócio – econômico que
a sustentou constituem uma barreira à mudança e à formação de nova sociedade e
cultura amazônica que o Brasil espera desenvolver” . A citação acima é extraída
do prefácio à 2ª Edição.
7 Wagley
(1967). Trata-se de publicação de Harper and Brothers Publishers, N.Y., para o
Council on Foreing Relations, Inc, 1960, versão pouco alterada de seu trabalho.
Wagle modificou e atualizou seu trabalho” A Revolução Brasileira”, Livraria
Progresso Editora, edição conjunta com a Fundação para o Desenvolvi-mento da
ciência na Bahia, Salvador, 1959.
8 A
Editora Itapuã, de Salvador, chegou a anunciar que publicaria a obra de
Hutchinson, com o título de Vila Recôncavo
(Uma comunidade açucareira da Bahia). O seu guia é Field guide to Brazil (Nova
York, Academia Nacional de Ciências, 1960).
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estudos foram publicados outros textos dentre
os quais Uma Comparação da estrutura social da família no Brasil e
nos Estados Unidos, e um “guia de cam-po”, voltado para o Brasil.
Marvin Harris ficou
com a tarefa de estudar uma comunidade tradicional do sertão baiano. Foi
escolhida, como comunidade representativa dessa região, o município de Rio de
Contas. Da pesquisa surgiu o livro Town and Country in Brazil. Mas,
em conseqüência de seus estudos no Brasil e em outros lugares, Marvin
Harris publicou Patterns of Race in the Américas.
Anthony Leeds estudou
comunidade na zona cacaueira, mas seu estudo, ao que consta, não foi publicado.
Escreveu um dos livros pioneiros de Sociolo-gia Urbana do Brasil, em
colaboração com Elizabeth Leeds, cuja edição brasi-leira tem prefácio de Thales
de Azevedo e é de sua autoria o inédito Economic Cycles in Brazil:
The persistence of a total – culture parttern: cacao and other cases, resultado
de suas pesquisas na região cacaueira, dissertação muito citada9.
Benjamin Zimmerman
seria responsável por estudar a comunidade de Mon-te Santo, no sertão árido da
Bahia. É conhecida sua participação na obra Races et classes dans le
Brésil Rural decorrente de parte de seu estudo antropológico daquela
comunidade sertaneja.
Charles Wagley
menciona, como vinculados ao projeto referido, aqueles quatro autores e as
comunidades respectivas de seus estudos. Sabe-se que Rollie E. Poppino passou a
integrar no projeto. Esse cientista social já havia feito um estudo sobre a
expansão pecuária na Bahia, inclusive o papel de Feira de Santana para isso (Cattle
industry in colonial Brazil, Sud – America XXXI, outubro de 1949, 219 –
247). Com o Programa de Pesquisas, auxiliado por bolsa da Henry L. and Grace
Doherty Foundation e da Fundação para o Desen-volvimento da Ciência no Estado
da Bahia, voltou a estudar aquele município baiano e publicou a obra Feira
de Santana, título omitido por Wagley. Poppino estudou uma sociedade que é
também representativa, no caso, de uma área de transição entre o Recôncavo e o
Sertão seco. Rollie E. Poppino não era da Universidade de Colúmbia, mas da
Universidade de Stanford. É de sua autoria, ainda, o livro Brazil: The Land
and the People10.
9 Leeds
publicou ainda outros textos sobre o Brasil e é dele um Programa de Curso de
Mestrado em Antropologia Social para a Universidade Federal do Rio de
Janeiro/Museu Nacional.
10 Poppino
era em verdade historiador. Thales de Azevedo crítica de José Honório Rodrigues
e Gilberto Freyre de ahistórico (vide prefácio a Feira de Santana, já citado).
usou sua obra Feira de
Santana para rebater a que o método de estudos de comunidades era
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Ruy
Medeiros
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Não podem ser esquecidas
pesquisas, no âmbito do Programa, feitas por L.A. Costa Pinto que retornaria ao
Recôncavo e, com novos dados, publicaria
“Recôncavo; laboratório
de uma experiência
humana”11.
Josildeth da Silva Gomes, participante do
Programa referido, pesquisou e escreveu sobre a chapada Diamantina: Povoamento
das Lavras Diamantinas. (Revista Instituto Geográfico histórico da Bahia,
nº72).
Decorre do programa também o
trabalho de Charles Wagley Race and Class in Rural Brazil (e
Regionalism and Cultural Unity in Brazil) 12.
No final, há relação de trabalhos que, direta
ou indiretamente, vincularam-se ao convênio entre a Fundação para o Desenvolvimento
da Ciência na Bahia e a Universidade de Colúmbia.
O programa de Pesquisas
Sociais do Estado da Bahia foi de iniciativa de Anísio Teixeira, Secretário de
Educação e Saúde da Bahia.
4 POR QUE UNIVERSIDADE
DE COLÚMBIA?
A partir dos anos 30 do século passado,
estudos, pesquisas e diagnósticos de problemas brasileiros começaram a ser
confiados a técnicos dos Estados Unidos. A partir daí, até as décadas
seguintes, a presença americana no Brasil passa a aumentar significativamente
na década de 1930 e intensificar-se-á na década seguinte.
Os Estados Unidos passaram a amenizar a
política do big stick, substitu-indo-a pela política da boa vizinhança.
Promoveram a evacuação do Haiti, de 1933 a 1943, da Nicarágua, em 1933, e das
Filipinas, em 1935. Na década de 40, a Missão Cook veio ao Brasil para proceder
ao levantamento do potencial econômico brasileiro. Especificamente para a
Amazônia foi criado o projeto
Agricultural
and mineral technical advisory Service, sob a
responsabilidade do Office of the Coordinator of Inter-Americans Affairs.
Esse mandou para a Ama-zônia uma equipe de técnicos e Cientistas, dentre os
quais um antropólogo da Universidade de Colúmbia: Charles Wagley. Não se
tratava de um estudo desin-teressado dos americanos, mas pesquisa que
considerava o âmbito dos inte-
11 L.A.
Costa Pinto é autor do famoso livro “Lutas de Famílias no Brasil”. Foi
professor em várias universi-dades norteamericanas.
12 Wagley
já conhecia o Brasil. Estudou os índios Tapirapé (1939-1940), Tenetehara
(1941-1942) e a Comu-nidade de Itá, no Amazonas. Foi Fulbright Professor, em
1962, na Universidade Federal da Bahia. O texto citado é do prefácio à segunda
edição de “Uma Comunidade Amazônica”, 1977.
QUAESTIO, Sorocaba,
SP, v. 11, n. 1, p. 89-110, maio 2009
O PROGRAMA DE
PESQUISAS SOCIAIS ESTADO
DA BAHIA – UNIVERSIDADE DE
COLÚMBIA:
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O SEU
CONTEXTO
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resses
políticos e econômicos. (TOTA, 2000). Charles Wagley seria coordena-dor, do
lado americano, do convênio entre a Universidade de Colúmbia e a Fun-dação para
o Desenvolvimento da Ciência no Estado da Bahia, na década de 1940 e início da
década de 1950. O próprio Charles Wagley (1977, p. 13) infor-ma:
Em 1941 voltei para estudar os índios
Tenetehara, uma tribo que vivia em estreito contato com brasileiros da zona
rural e que estava sendo gradualmente incorporada à nação. E então, em 1942, os
acontecimentos colocaram-me em contato direto com os problemas do Brasil
moderno. Naquele ano, como parte de seu programa comum para o esforço de
guerra, os governos do Brasil e dos Estados Unidos estabeleceram um serviço
cooperativo de saúde pública que se tornou conhecido como SESP (Serviço
Especial de Saúde Pública). O SESP foi concebido, a princípio, como uma medida
de guerra e um de seus principais programas era fornecer assistência médica aos
produ-tores de matérias primas estratégicas – os seringueiros do Vale
Amazônico, os emi-grantes das zonas do Nordeste devastadas pelas secas que
demandavam o Amazo-nas para extrair a borracha, e os mineiros de mica e quartzo
das regiões montanhosas do Brasil Central. Vivendo a maioria dessa gente, no
interior, um antropólogo social, com grande experiência do sertão brasileiro,
seria de grande utilidade para o serviço.
A política exterior americana passou a
desejar conhecer mais os países da América. Em 1946, com esse objetivo, foi
aprovado o “Fulbright Act” para financiar intercâmbios culturais, técnicos e
educacionais em outros países. As universidades dos Estados Unidos passaram a
se interessar pelas pesquisas em países da América Latina. Em 1947 as
universidades do Texas, Tulane, Carolina do Norte e Vanderbilt criaram
Institutos de Estudos da América Latina. O Instituto da Universidade de
Vanderbilt ficou direcionado para o Brasil.
Havia, assim, interesses econômicos e
políticos dos Estados Unidos em estudos sobre a América Latina e as
Universidades americanas passaram a receber grande ajuda econômica com as quais
poderiam desenvolver estudos no exterior. Entre 1949 e 1998, 140 estudiosos dos
Estados Unidos tiveram bolsas custeadas pela Fulbright Association para
virem pesquisar no Brasil, além de 757 que para cá vieram proferir palestras e
85 que participaram de programas de intercâmbio13.
13 Em a
Revolução Brasileira: Transformações Sociais desde 1930, diz Charles Wagley: “O
Brasil é aliado dos Estados Unidos. A
orientação de seu desenvolvimento interno bem como de suas políticas externas
serão importantes para nós”. (ADAMS et al., 1967, p. 155-196)
QUAESTIO, Sorocaba,
SP, v. 11, n. 1, p. 89-110, maio 2009
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