terça-feira, 17 de julho de 2012


Sem aula e sem salário
Ruy Medeiros.
Gosto de Bertold Brech, mesmo quando seu nome vem escrito como Bertolt. Quando se trata de violência sempre me vem à mente versos que já repeti e que continuarei repetindo:
Do rio que tudo arrasta
se diz violento
Mas não se dizem violentas
as margens que o comprimem.
Paulo Cesar de Souza traduziu os versos de forma diferente:
A corrente impetuosa é chamada de violenta
Mas o leito de rio que o contém
Ninguém chama de violento.
A lembrança de Brecht vem por conta da atual greve dos professores da rede pública estadual. Por quê?
Leio, vejo e ouço: Governo e seus preprepostos manifestam seu repúdio, seu desconforto e decepção com o fato de milhares e milhares de jovens estarem sem aula, e justificam o corte de salários dos nossos professores (nossos, sim, leitor). Tudo isso me violenta, e creio que agride a inteligência de muitos.
Se o governo estivesse mesmo preocupado com os jovens estudantes não teria deixado as coisas atingirem esse nível. A verdade é que o Estado não possui, nem implementa, política de educação que reverta o atual quadro. Ao invés disso, escolas são fechadas (vide, dentre outros os casos das Escolas Dirlene Mendonça e Maria Viana), o ensino público perde qualidade, pais se sacrificam e colocam seus filhos em escolas de rede privada. Também o Estado não tem política que pense no professor seriamente. Este é encarado como qualquer um (daí vem os contratos REDA), e não como responsável por instituição que pretende vincular pessoas e sociedades ao futuro (a aprendizagem sempre será utilizada no futuro) e que, por isso, é necessário à própria existência de todos nós. Não é algo que seja descartável ou improvisado.
Mas há uma onda perversa (mesmo!) que se revela nos momentos de greve: a tentativa de jogar professores contra a sociedade, denunciando que aqueles deixam crianças sem aulas, sem merenda, etc. Isso é revelador: uma sociedade contra o professor ou que o desprestigia não é sociedade que queira educação e o Estado que usa tal expediente compromete a educação. O leitor por certo não gostaria de ser educado por pessoas repudiadas pela sociedade. E é isso que o Estado quer dizer: não acredite neles (portanto não acredite na rede pública de ensino), assim será melhor para encher a rede privada, para fechar as escolas, para violentar o futuro ( o futuro é sim violentado, quando se violenta potenciais).
Esse discurso , que compromete a educação é violência contra todos nós, pois nos condena a ver a sociedade presa aos interesses privativistas em matéria de ensino e assistir o caráter desse ser dobrado em direção àquele mesmo ensino já denominado de maceteiro (que substitui com galas a “decorebagem” ). Mas compromete o ensino à medida que desqualifica os principais agentes desse. Isso pode surtir efeito político imediato. O Estado diz que os professores são culpados, desqualifica-os, mas com isso comete crime contra a educação. Está visto.
Em verdade, os salários achataram-se. Escolas foram fechadas ou sucateadas. Salas foram reunidas. E, nesse momento, em que laços de solidariedade e mudanças no seio das famílias dificultam o trabalho do professor, que precisa ter condições para bem desempenhar seu ofício, precisa estudar para entender esse seu novo alunado, formular estratégia, ver o que pode dar certo para dotar os educandos de instrumentos de autonomia para continuar estudando.
Mas aí está a greve. Apesar do desejo do Estado de jogar a sociedade contra os professores, isso não ocorreu, a sociedade não protestou, por dois motivos principais, eu penso (sei que há outros): a) os pobres a quem a desastrada educação pública passou a ser destinatária (os menos pobres já estão na escola particular) não se sensibilizaram porque percebem que lutar contra miséria dos outros é combater contra sua própria miséria; b) já não vê grande efeito no tipo de educação oferecido pelo Estado e imposta aos professores como seu modo de fazer(como, aliás, parece ser desejo de governantes).
Por outro lado, a greve não cresce por seu estilo sindical. Os professores não entenderam ainda que sua luta exige um novo tipo de greve: referenciada na sociedade, com a sociedade, formulando projeto, que também seja desta, - de educação para todos, com mais destinatários e sem fuga de estudantes, uma educação que para os pobres não aponte apenas a misera contribuição do bolsa família ou do benefício assistencial. Urge construir comitês, em cada lugar, de defesa e transformação da educação pública. O horizonte deve ser mais largo. Afinal, como dizia Cazuza – “ meus inimigos estão no poder. Ideologia, preciso de uma prá viver”.


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