Uma Peça
Ruy Medeiros
Ontem
assisti a um espetáculo.
Os
atores eram, no entanto, agentes do Estado. Espetáculo que reunia tom
professoral, na forma de titularidade do saber único, muita luz artificial,
gráficos, datashow. Mas não havia música ao fundo, esse componente que tempera
cenas. Não era lousa eletrônica o receptáculo da imagem. Não se chegou a esse
requinte.
O
ato único da peça seguia realisticamente o andamento de histórias semelhantes a
“Os Demônios de Loudun”, “As Bruxas de Salém”, caça às feiticeiras. Mas, o
objetivo de apontar o inimigo público número um, aproximava-o do Macartismo.
Havia
de estonteante na peça, apesar do tom professoral, o fato de autores/atores,
que deveriam dirigir-se (no texto e na leitura) a julgador, transformavam a
todos da plateia em julgadores. Não será um juiz pois, como a personagem é
inimiga do povo, deve ser julgada por esse, no momento de escolhas, de
preferência com o uso do ódio. Um tipo de Tribunal de exceção cuja doutrina é
algo como direito penal do inimigo. Os autores/atores assim fizeram de sua
peça/peça uma clivagem partidária.
Não
se tratava de uma peça/peça técnica do Estado dirigida ao Estado. Dirigida
àqueles cujo julgamento pode variar do perdão ao pedido de fuzilamento (na
plateia julgadora estão presentes tantos humores), buscava o pronunciamento de
preferência, do ódio. Nada republicano. Para os inimigos de outra coloração,
não se sabe se outros atos da peça/peça serão destinados.
No
entanto, na quietude de muitos gabinetes, seguindo os trâmites predeterminados
em códigos, outros trabalham dirigindo suas peças, de caráter técnico, àqueles
que deverão, na forma ordenada previamente e aprovada por representantes,
julgar pessoas acusadas do cometimento de delitos. Há aqueles que não arrumam
os fatos de acordo com um objetivo, mas de acordo com a necessidade da busca da
verdade que surge do material encontrado. Há República e república.
Não
tenho condições de julgar o inimigo público número um, representado num circulo
com cores partidárias, circundado por outros círculos, nem de seus adversários,
mas sei que a história/estória da peça/peça a que assisti não é um bom caminho
para realizar julgamento.
Mas
será que a peça/peça é um exercício didático republicano para expressar de
forma expressionista como se inicia um processo sob os domínios do führer, que
deve ser evitado? Em literatura, tudo é possível, inclusive a paranoia de Bentinho
para condenar Capitu.
Estou
com vontade de reler, como fiz tantas vezes, “o julgamento de prometeu”, que se
encontra em “Histórias Extraordinárias” de Karel Capek (coloquem um ^ invertido
sobre o C, pois não encontro esse acento tcheco em teclado, para obter o som de
tch). Não é só.
15
de setembro de 2016.
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